Orlando Pavani Junior*
O conceito de justiça é interpretado de maneira errada pela maioria das pessoas. Se somos todos diferentes, quais são os critérios que nos distinguem? Muitas pessoas, a grande massa de seres humanos, tem uma interpretação incorreta sobre o conceito de justiça. É comum que relacionem a palavra ou o conceito de justiça com a seguinte frase: “todas as pessoas são iguais perante a lei”.
O uso da palavra “iguais” na frase acima, em momento algum pode significar que nós, seres humanos, somos iguais. Todas as pessoas são diferentes, e muito, entre si. Somos o reflexo do ambiente onde vivemos, influenciados pelos valores e crenças de nossos pais e das pessoas com quem decidimos viver, somos fruto de nossas escolhas e, por termos feito escolhas diferentes ao longo de nossas vidas, somos todos pessoas muito diferentes.
Diante desta perspectiva que somos (eu, você e 100% da humanidade) muito diferentes nos mais diversos aspectos, o conceito coerente de justiça, desde os primórdios é, paradigmaticamente, o seguinte: justo é tratar desigualmente os desiguais.
Pitoresco não é? Pense nesse conceito com cuidado e constate como é verdade!
O fato de sermos seres humanos diferentes (desiguais) exige que, para haver efetiva justiça, tenhamos que ser tratados conforme esta diferença, ou seja, tem de haver critérios desigualadores que sejam capazes de diferenciar pessoas honestas das desonestas, pessoas de bom caráter das de mau caráter, pessoas do jeito “certo” de ser das pessoas do jeito “errado” de ser.
O problema e o desafio consistem em definir quais seriam os critérios capazes de rotular estas circunstâncias de desigualdade. As leis, normas, jurisprudências etc. nada mais são que esforços da sociedade ou das pessoas que detêm o poder em estabelecer critérios para distinguir comportamentos ditos adequados dos inadequados.
Sob esta perspectiva é que podemos afirmar, sem medo de errar, que a injustiça não existe, pois sua essência seria tratar igualmente os desiguais e não tratar desigualmente os iguais, uma vez que já defendemos que somos desiguais por definição.
Em síntese, se existe um critério desigualador instalado, sua aplicação é justa sempre, mesmo que a vítima não concorde com o critério pelo qual será julgado e eventualmente punido. O fato de uma pessoa discordar desse critério não quer dizer que ela tenha sido alvo de uma injustiça. Qualquer palavra ou adjetivo pode ser aceito: vítima de canalhice, de preconceito, de sacanagem etc. Mas jamais de injustiça.
Por exemplo: o fato de ter sido multado numa via pública a 80 km/hora não nos credencia a proferir para os quatro cantos que fomos injustiçados. Se formos pesquisar mais a fundo, nesta via pública deverá haver uma placa de limite de velocidade de 60 km/hora (primeiro critério desigualador) e nas leis de trânsito disponíveis há outro critério dizendo que se a velocidade da vítima for superior a 10% (66 km/hora – segundo critério desigualador), a multa será de determinado valor e se for superior a 20% (72 km/hora – terceiro critério desigualador), a multa será de um valor bem maior quando comparado a circunstância anterior.
Assumir que não é injusto uma pessoa ter sido preterida da nomeação ao cargo de Gerente em detrimento a outra pessoa, só porque a primeira tem mais tempo que a outra naquela empresa é o desafio. Assumir que o critério desigualador tempo (que favoreceria o mais antigo) nem sempre será o critério desigualador utilizado pelo Diretor. Isso é o que precisa ser entendido. Assumir que o critério desigualador bom relacionamento ou carisma (que o preterido normalmente rejeita que não dispõe) será o adotado em detrimento ao tempo (que obviamente favoreceria o preterido) é o que precisa ser analisado sob um prisma menos apaixonado.
Sob esta perspectiva é que a injustiça, em sua literalidade, efetivamente não existe! O que existe são pessoas que não aceitam os critérios desigualadores que lhe são impostos pelo ambiente, seja pessoal ou profissional, em que vivem. Isto é legítimo e precisa ser respeitado, mas exige que a pessoa tome uma decisão de sair, livremente, daquele ambiente cujo critério desigualador não lhe favorece. Ao invés de ficar amaldiçoando a escuridão é conveniente que estas pessoas acendam uma vela e dirijam-se a um ambiente cujos critérios desigualadores lhe sejam favoráveis. Se esse ambiente não existir, é conveniente também que a pessoa reflita e dirima esforços para adaptar-se ao mundo real.
Uma vez uma pessoa me perguntou, indignada com a construção deste conceito numa palestra que eu estava proferindo, se não seria injustiça condenar uma pessoa a morte sem que o mesmo tivesse efetivamente cometido um crime?
Eu respondi que a justiça não tem compromisso com a verdade. Ou seja, para sermos justos precisamos somente aplicar integralmente o critério desigualador adotado, por menos que ele seja aceito pelas vítimas. O fato de uma pessoa ter sido condenada erradamente à morte reflete muito mais uma impotência do critério desigualador adotado para privilegiar a verdade e não uma injustiça por si só. Isto já aconteceu muitas vezes, no passado, quando não se dispunha do teste de DNA para decidir se alguém era, de fato, pai de uma criança. Ou seja, a existência de critérios desigualadores frágeis para privilegiar a verdade dos fatos não ainda significa injustiça, mas apenas um sinal de que critérios desigualadores mais potentes para privilegiar a verdade precisam ser desenvolvidos.
*Orlando Pavani Junior (CEO da Gauss Consulting, empresa especializada em consultoria instrumental e assessoria especializada. E-mail: pavani@gaussconsulting.com.br)HSM Online -04/11/2009
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