sábado, 7 de novembro de 2009

Nobel da Paz: prêmio ou missão?

Frei Antônio Moser*


Pela imprensa se sabe que o próprio Obama foi supreendido às 6h da manhã com o comunicado de que ele havia recebido o Prêmio Nobel da Paz. Humildemente não apenas confessou nem haver sonhado com tal distinção e logo fez uma espécie de hermenêutica: não seria mais uma missão visando o futuro do que um prêmio por realizações do passado?
O fato é que na vida desse homem quase tudo foi surpresa, desde o nascimento, a forma como foi educado, as várias pátrias que teve, e sobretudo sua eleição. Meses antes das eleições ninguém poderia imaginar que uma pessoa com suas características seria capaz de chegar à Presidência dos Estados Unidos. Afora as enigmáticas e proféticas referências do nosso Monteiro Lobato no seu "O presidente Negro", ninguém poderia imaginar sua fulminante ascensão e a agilidade de suas primeiras ações.
Foi ágil indo ao encontro do mundo muçulmano, cuja força ninguém mais pode ignorar; foi ágil indo ao encontro da Rússia; foi ágil indo ao encontro de alguns chefes de nações diabolizadas durante décadas; foi ágil começando a deslindar a enroscada dos prisioneiros de Guantânamo; foi ágil em reconhecer diante das G8 e G20, que os EUA não pretendem mais exercer a função de xerifes do mundo. E poderiam ser multiplicadas iniciativas que inimagináveis antes de sua eleição.
Inimaginável foi sobretudo a rapidez com a qual Obama conseguiu mudar a fisionomia dos EUA diante do mundo. Em vez da cara de Rotweiler de Bush e de seus acessores, um largo sorriso convida todos a respirarem um ar de bemfazeja acolhida. Se até há poucos meses a tentativa de ultrapassar as fronteiras dos Estados Unidos carregava na sua bagagem medo, quando não seguida de humilhação, hoje passou a assumir ares de normalidade como em qualquer outra nação do mundo.
A pergunta que se segue é naturalmente essa: mas só isso já é suficiente para uma personalidade receber o tão cobiçado Prêmio Nobel da Paz? O que de concreto esse homem fez até agora, além de passos ousados que poderão surtir os efeitos esperados ou não? Como ser escolhido para receber tamanha distinção quando paradoxalmente não só continua a guerra no Iraque, como os conflitos se tornam cada dia mais ameaçadores no Afeganistão e no Paquistão, com possíveis novos desdobramentos?
Sem dúvida nenhuma essas interrogações procedem. E daí a questão de fundo: mudaram os critérios dos que administram o prêmio Nobel da Paz, já não olhando mais tanto para as conquistas do passado, quanto uma missão a ser confiada para o futuro? Tudo indica que é nessa direção que o próprio Obama e muitas pessoas interpretam esse gesto surpreendente.
Se for essa a verdadeira interpretação, então cabe à humanidade enviar para os organizadores um ramo de oliveira, colocado no bico da pomba da paz. Assim como se encontra na narrativa do Gênesis no que se refere ao final do dilúvio, ainda que a terra continue toda banhada nos pantanais de intermináveis conflitos, começam a surgir esperanças de uma nova humanidade. A pombinha não entregava à Noé a palma da vitória, mas exatamente o símbolo de uma missão a cumprir. E a missão se "resumia nisso": está na hora de começar uma nova etapa da história da humanidade.
Claro que nenhum super herói vai conseguir sozinho levar a bom termo essa missão. Mas num momento histórico onde os símbolos por vezes falam mais alto do que os simples fatos, o ramo da paz foi colocada nas mãos de um homem corajoso. Poderá fracassar, pois a tarefa é ingente, mas já conquistou um lugar no pódio mais importante da história: a daquele que acolhe não só os que realizam, mas também os que ainda ousam acalentar sonhos.
*Teólogo. Doutor em Teologia. Diretor presidente da Editora Vozes. Professor de Teologia Moral e Bioética e membro da Comissão de Bioética da CNBB.
Fonte; Jornal Opinião 02 a 08/11/2009

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