quinta-feira, 5 de novembro de 2009

ONFRAY: Tratado de Ateologia - Resenha

Michel Onfray.


Impressionado pela propaganda (200.000 exemplares vendidos na França) e pelo Prix Médicis de l’ Essai atribuído ao autor em 1993 (ele nasceu em 1959), não resisti à curiosidade e me pus a ler este tratado de ateologia, termo que, além de Georges Bataille, lembra pensadores como o “crente” Levinas, que visa uma metafísica ética sem o Deus teísta da Modernidade. Mas que decepção! Ainda bem que li a obra em francês, para degustar-lhe a agilidade literária, que, suponho, deve ter desaparecido da tradução brasileira. No mais, só confirma sua contínua referência a Nietzsche e ao niilismo: nada com nada. Na capa está que o projeto de Onfray é um projeto ético hedonista. Ainda bem que está na capa, senão não o teria descoberto. O livro não desenvolve um discurso coerente sobre o pensamento em Deus. No primeiro capítulo, intitulado “Athéologie”, o autor se queixa de que as denominações dadas ao ateísmo são sempre negativas (p. 42). Como o faz o próprio livro, e disso não escapa. O segundo capítulo trata dos “Monothéismes”, o terceiro do “Christianisme”, o quarto da “Théocratie”. Essa divisão, porém, não corresponde a um progresso lógico, mas antes à organização da repetição.
O livro dá a impressão de jornalismo barato. Muito grito em torno do nada niilista. Além de Nietzsche, alguma lembrança de Epicuro e seu materialismo atomista. Identifica a racionalidade com a filosofia, mas, quando o filósofo reconhece os limites da pura razão (Kant), Onfray levanta a acusação de inconseqüência (p. 31).
Ao atacar os monoteísmos, o chumbo grosso vai contra o islamismo. Desconhecendo essa religião, concedo a Onfray a vantagem da dúvida, mas o que ele diz sobre o judaísmo e o cristianismo, religiões que eu conheço, me faz duvidar dessa vantagem. Demonstra soberba ignorância da exegese bíblica. Adotando a opinião iluminista de que Paulo seja o fundador do cristianismo, atribui a criação do evangelho a Marcos, por volta dos anos 70 d.C., sem dedicar uma palavra ao documento Q, embutido em Mt e Lc e considerado o mais antigo texto evangélico, remontando até antes das cartas paulinas. Acha improvável Jesus ter sido crucificado, porque os judeus castigavam a blasfêmia com o apedrejamento, mas não considera que o movimento provocado por Jesus pode ter sido uma “razão de Estado” suficiente para um procurador aplicar-lhe o castigo romano correspondente. Aventura-se a descobrir qual pode ter sido o “espinho na carne” do “histérico” Paulo e vê a solução nos abundantes ataques de Paulo contra a carne. Mas qualquer aluno de teologia sabe que a carne em Paulo não é o que Onfray pensa, e sim a auto-suficiência humana. Mostra, evidentemente, o papel de Constantino nas origens da “Cristandade”, fornece até alguns detalhes interessantes em torno de Giordano Bruno e Galileo Galilei e, naturalmente, insiste no envolvimento do Papa Pio XII com o nazismo. Denuncia a cumplicidade de clérigos e religiosos com o genocídio em Ruanda, em 1994, mas tem de admitir que tudo aconteceu “com a bênção de François Mitterand”, presidente (ateu) da França (p. 235). Cito esse caso, para lembrar que o pertencer ou o não pertencer a uma religião não garante a eticidade ou a não-eticidade das pessoas.
Em suma, não é assim que se executa o projeto de uma ateologia, discurso filosófico coerente dispensando “o que chamamos Deus” (como diz Tomás).
Onfray, Michel. Traité d’athéologie. Paris: Grasset, 2005. 281 p. [Tratado de ateologia. trad. Mônica Stahel. São Paulo: Martins Fontes,2007. xxv + 214p.]
Resenha de Johan Konings FAJE – Faculdade Jesuíta de Filosofia e de Teologia, Belo Horizonte - Para a revista TEOCOMUNICAÇÃO- Teologia da PUC/RS. nº158 - dezembro/2007

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