domingo, 2 de outubro de 2011

Monsieur Verdoux

Rubem Alves*
Imagem da Internet - Cena do Filme Monsieur Verdoux
Troy Davis, negro, foi executado no estado
americano da Geórgia,
 com uma injeção letal
Monsieur Verdoux é um filme de 1947, dirigido e estrelado por Charles Chaplin A Wikipédia o descreve como filme do gênero "humor negro". Humor negro é gênero de humor que faz uso de "situações de mau gosto, usualmente de natureza mórbida, para fazer rir" Mas, quando o vi, em nenhum momento senti vontade de rir. Portanto seu "script" nada tem de humor. Para mim ele está mais próximo da tragédia. Em Portugal ele apareceu com o nome de Barba Azul que, a meu ver, é um equívoco, porque coloca na sombra o segundo personagem do filme, que faz contraponto Monsieur Verdoux.
Coisa semelhante os pregadores fizeram com a parábola chamada de O Filho Pródigo. Mas onde se encontra o segundo irmão? O sentido da parábola vem, precisamente do contraponto que acontece entre os dois irmãos. Fazendo silêncio sobre o segundo filho a parábola perde completamente o seu sentido. Chamar o filme de Barba Azul é perder o seu sentido.
Monsieur Verdoux era um homem casado com uma mulher paralítica, com quem havia tido uma filha. Sem meios para sustentar esposa e filha a quem muito amava, ele inventou uma técnica para ganhar dinheiro: viajava com olhos de caçador, procurava mulheres ricas e solitárias, envolvia-as numa trama amorosa, convencia-as a passar seus investimentos econômicos para ele, matava-as e fazia o corpo desaparecer. Até aqui o filme é uma simples repetição da estória do Barba Azul...
Monsieur Verdoux era um assassino amoroso; matava não por maldade, mas por compaixão.
Mas, paralelamente à estória de Monsieur Verdoux, corria ao mesmo tempo uma outra. Era tempo de guerra. Tempo de guerra é tempo de muitas mortes. Só que as muitas mortes das guerras não são assassinatos, não são crimes. São atos impostos pelas razões do poder bélico. Não há culpados. Aqueles que matam muitos são heróis, recebem condecorações.
Não estou bem certo acerca dos detalhes que se seguem... Aparece o segundo personagem da estória: um industrial que se enriquecera com a fabricação de canhões... Como se sabe a fabricação,venda e uso de armas é uma das grandes fontes da riqueza e do progresso das nações.
Muitos anos atrás eu li um livro com o título Report from the Iron Mountain. Era o fim da guerra fria. O fim da guerra fria trazia um perigo: um esfriamento no negócio das armas. Pois é claro: sem a ameaça de guerra a demanda de armas seria menor. O dito livro continha um relatório: o governo dos Estados Unidos, preocupado com o impacto econômico da paz, reuniu vários cientistas e lhes propôs um problema: "Que rumo deveria tomar a economia norte-americana se um período de paz viesse para o mundo?" Os ditos cientistas, depois de analisar a questão, concluíram: "Um período de paz teria consequências imprevisíveis, devastadoras, catastróficas, impensáveis, para a economia norte-americana". É preciso reconhecer: a economia dos países ricos depende pesadamente da produção e venda de armas. É preciso reconhecer: o crime e o terrorismo são o lado negro, escondido, do progresso econômico.
O filme termina com uma lição sobre a alma da política e da economia: o fabricante de canhões fica mais rico e é condecorado. Monsieur Verdoux é descoberto e guilhotinado.
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* Teólogo. Escritor e educador.
Fonte: Correio Popular on line, 02/10/2011

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