sábado, 1 de outubro de 2011

Por que os vivos têm de cuidar dos mortos?

Betty Milan*

Tratar o corpo dos mortos para conservá-lo até a incineração, ou o sepultamento, é uma prática antiga e comum a todas as grandes civilizações. Na era contemporânea essa prática, a tanatopraxia, está mais disseminada nos países de culta anglo-saxão do que nos de cultura latina. No Brasil, ela é pouco conhecida, certamente por causa do tabu da morte.
O tanatopraxista tanto pode ser encarregar do preparo simples do corpo quando de sua conservação. Ele também pode restaurar um rosto deformado por uma enfermidade ou fazer o molde de uma face. Precisa ter conhecimentos de anatomia, fisiologia e psicologia. Sua profissão é considerada artística.
Cuidar da pessoa amada depois de morta é indício de grande respeito a ela. E recorrer ao tanatopraxis faz bem também para a família, já que estabelece uma continuidade entre o momento da morte e o da incineração, ou inumação. Evita que a separação seja abrupta e ameniza a dor. A presença do tanatopraxista na casa do morto é em geral recebida pelos familiares como uma ajuda. O filme de Yojiro Takita A Partida, ganhador do Oscar de produção estrangeira de 2009, é um belíssimo exemplo disso.
"A ritualização da morte é necessária
porque ninguém a aceita automaticamente.
Queremos vê-la positivamente,
como uma transformação.
 A ritualização está a serviço
dessa transformação. Sem ela,
o luto é mais penoso"
A finalização da morte é necessária porque ninguém a aceita automaticamente. Queremos vê-la positivamente, isto é, como uma transformação, uma mutação, ou um acesso do morto a outro mundo. A ritualização está a serviço dessa transformação. Sem ela, o luto é mais penoso.
Nós sofremos sem os nossos mortos, mas não podemos viver com eles. O ritual serve para encontrar a boa distância. Como diz Baudry, grande estudioso do assunto, temos de evitar a disjunção (a completa negação da morte) e a confusão (a relação ininterrupta com o morto).
A morte de um ser querido nos faz sofrer. Mas também nos reenvia à nossa condição de mortais e nos humaniza. Lembra que tudo passa e ensina a valorizar o presente
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• Psicanalista. Escritora. Assina a coluna Consultório em VEJA.
• Fonte: VEJA IMPRESSA, Ed. 2237, nº 40 – 05 de outubro de 2011

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