terça-feira, 15 de novembro de 2011

Algumas coisas não mudam

CLÁUDIO MORENO*

O mundo antigo não conhecia este estágio que chamamos de adolescência. A passagem para a idade adulta era quase instantânea, rápida demais se comparada ao ritmo de hoje. Para a mulher, a transição era vertiginosa: a mocinha grega passava diretamente das brincadeiras infantis para a cama do homem que o pai escolhera para seu marido. “Quatro anos depois da puberdade”, diz Hesíodo, “a jovem está pronta para acender todos os fogos de uma casa” – e o leitor certamente terá percebido que ele não se refere apenas às brasas que ardem na cozinha.
Se era cedo demais, fica difícil saber. Não vamos cometer o erro primário de julgar a vida dos outros por nossos próprios parâmetros, ou decretaremos que uma jovem estudante paulista é mais feliz que uma esquimó da mesma idade, ou que todas as esposas islâmicas são tristes e oprimidas. Não contamos com um testemunho fidedigno, pois raríssimas foram as mulheres da Antiguidade que conseguiram registrar alguma coisa por escrito. Os textos que temos são de autoria de homens, mas ao menos registram fatos que nos permitem imaginar o que significaria esta ruptura na vida da jovem grega.
Nos poemas dedicados ao casamento, a jovem noiva sempre parece aturdida pela vertigem dessa transição abrupta, por esse salto no mundo desconhecido do sexo e da maternidade. Ela mal acaba de guardar suas bonecas de osso e o tamborim que usava no coro das virgens e vêm chamá-la para cortar os cachos juvenis e vestir o manto nupcial! Eurípides, homem sensível, dos clássicos o que melhor entendeu as mulheres, põe na boca de Medeia um desabafo: “Temos de viver sob costumes diferentes, mas nada nos ensinaram em casa; se você não é profetisa, é difícil saber como se portar ao lado do homem que vai viver com você”.
Esta frase isolada é como aquela breve abertura entre as nuvens que às vezes nos deixa entrever a paisagem lá embaixo – mas não vai além disso, pois tudo se esconde em seguida sob o espesso véu de silêncio que encobre a mulher do passado. Se ela tivesse, como hoje, a liberdade e os meios de expressar o que pensava e sentia, talvez constatássemos – sem surpresa – que a alma feminina compartilha certos valores imutáveis, o que faz com que as mulheres se entendam, umas às outras, acima dos limites impostos pelo tempo e pela geografia.
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* Professor, escritor, colunista e ensaísta brasileiro. Formado em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1969, Moreno obteve o título de mestre em 1977 e concluiu em 1997 seu doutorado em Letras.

Fonte: ZH on line, 15/11/2011

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