quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Um amigo antigo

Ruy Carlos Ostermann*
Meu amigo de muito tempo, da escola e da professora de Inglês, da sala de aula com alunos, da Faculdade de Ciências e Letras da UFRGS, de longas e distraídas caminhadas pelo centro da cidade, Rua da Praia abaixo, dos namoros transgredidos.
Tenho certeza de que é um Filósofo, desses que não se anunciam, mas que só podem ser. Penso nisso há muito tempo, ele tem 70 anos e foi o primeiro amigo que vi sentar na Redenção e ficar lá até escurecer. Então, ligava para me dizer que as árvores estavam lindas e crescidas, com copas fechadas e uma foliação intensa nas suas extremidades.
Sabia agradecer, fazia duas perguntas sobre ipês, que sempre foram as minhas árvores preferidas nas ruas ou nos parques, e se desligava. Não é que seja atitude de um Filósofo ficar até a noite na Redenção. É também o benefício do ócio da aposentadoria e das noites quietas na sala de visitas com duas poltronas e uma mesinha de centro com livros e cadernos de anotações. Anotava muito, todo dia, em todo lugar. Mas não deixava que se lesse, nem lia em voz alta, sempre discreto, econômico, comedido.
Um dia desses almoçamos juntos. Foi iniciativa dele logo que descobriu que finalmente reconquistei o meio-dia sem compromissos com rádio, jornal e TV. Então quase não me deixou falar interpretando nosso encontro como uma oportunidade para se meter na minha vida, agora bem modificada. Não é de dar conselhos, e é muito interessante perceber que seu ponto de partida é a inviabilidade do outro.
Filósofo sempre intromete o Outro como forma de manter a boa e recomendável distância. Não é fuga, é respeito pelos limites da individualidade.
Me animei a retrucar, mas ele cortou:
- Continua pensando, Ruy!
Um filósofo.
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* Escritor. Filósofo. Cronista.
Fonte: http://www.encontroscomoprofessor.com.br/23/22/2011

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