quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Escrever para crianças

LETICIA WIERZCHOWSKI*
Sempre me achei meio incapaz de escrever para crianças. Criança não respira nas vírgulas, criança mergulha. Criança não gosta, ela adora. E quando desgosta, criança chora. Enfim, passei anos rondando esse medo. Até que um dia tive um filho. Filho a gente vai tendo, dia após dia. Pelos lados de um ventre onde cresce uma criança, também cresce uma mãe. E, quando a gente é mãe, tudo fica mais fácil. Ou melhor, a gente é que aprende a separar o fácil do difícil. O medo da falta de coragem. Então, um dia, quando o meu filho mais velho já era sábio o suficiente para me questionar, ele perguntou: “Ô, mãe, se você escreve histórias, por que não escreve uma história pra criança?” . Mais do que um desafio, foi um incentivo.
Escrever Todas as Coisas Querem Ser Outras Coisas foi divertido como passar uma tarde na praia. Uma tarde onde eu reencontrei aquela Leticia de maria-chiquinha que gostava de transformar tudo em outra coisa. Depois desse livro, não parei mais. E tem sido cada vez mais alegre, mais inspirador. Até sobre coisa ruim já escrevemos aqui em casa – e foi uma aventura restauradora. Falo de O Menino Paciente, livro que nasceu de uma difícil estadia no hospital. No meu último infantil, eu contei história e bordei. Convidei uma amiga especial, e juntas bordamos e bordamos. Nasceu O Menino e seu Irmão. Fiquei muito feliz com esse livro, como fiquei com os outros. E juro que não há nada mais especial do que contar para os meninos as minhas próprias histórias antes de deitar.
E quando eu penso em crianças, quando eu penso em tudo que uma criança pode fazer na vida da gente, logo me vem um texto do Manoel de Barros. Um poema que é mais ou menos assim:

“Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino que carregava água na peneira.
A mãe disse que carregar água na peneira era o mesmo
que roubar um vento e sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.
 A mãe disse que era o mesmo que catar espinhos na água.
O mesmo que criar peixes no bolso…” .

Nunca escrevi um livro sobre águas e meninos. Já escrevi sobre meninos e irmãos, meninos e sementes, doenças e meninos, bruxas e meninos. Agora, carregar água numa peneira, isso eu faço muito com o Tobias na beira da praia. A gente não vai longe… Mas, como muito bem sabem as crianças, o que vale é o caminho.
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* Escritora. Colunista da ZH
Fonte: ZH on line, 10/11/2011
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