segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Sadômasô sustentável

Luiz Felipe Pondé*

Prostituta não é uma profissão,
mas uma vocação,
 um arquétipo, como
a "grande mãe"
O tédio é um dos maiores infernos humanos. Como diz a personagem mais legal do filme "Late Bloomers", com William Hurt e Isabella Rossellini, a bisavó pirada da família: "Se você é criança e não aprende a lidar com o tédio, quando cresce fica idiota".
Uma das piores formas de tédio é a estrutura sexual perversa. Ou, como alguns dizem por aí, "sadômasô" (o que antigamente era chamado de "sadomasoquista", no tempo em que era feio ser sadomasoquista). Não vou entrar em debates intermináveis sobre o que a "perversão" é, vou dizer claramente o que quero dizer com esta palavra e por que a perversão sempre me parece entediante.
Recentemente, na sua versão "sustentável", ela deixa ainda mais claro como é um cachorro desdentado. Você não sabe o que é um "sadômasô" sustentável?
Perversos, "descendentes" do chato Marquês de Sade, supervalorizado na filosofia, se acham o máximo porque pensam que realizam as fantasias que os neuróticos sonham e não têm coragem de realizar.
Enganam-se eles. A vida sexual do perverso é que é chata: queimar e ser queimado, bater e apanhar, ser amarrado e amarrar, máscaras de coro, caras que se vestem de colegiais e mulheres de bombeiro, gente que acha o pé da mulher seu melhor órgão sexual... "boring". Elas têm coisa muito melhor...
O Eros do sexo é o pecado, a vergonha, a culpa, a impossibilidade. A proibição, o medo. A vergonha é tão importante quanto imaginar a mulher por baixo da saia justa ao invés de vê-la de forma obviamente nua.
"A palavra "sustentável" hoje em dia é
como "ética", "Cabala", não quer dizer nada.
É como escrever na porta de
uma padaria "sob nova direção" só
para atrair clientes.
Propaganda provinciana."

Quem não sabe disso não entende nada de orgasmo. Quem diz coisas como "É proibido proibir" é bobo e devia continuar fazendo suas festas em bufês infantis.
A palavra "sustentável" hoje em dia é como "ética", "Cabala", não quer dizer nada. É como escrever na porta de uma padaria "sob nova direção" só para atrair clientes. Propaganda provinciana.
No sentido que uso aqui, "sustentável" quer dizer "do bem", "inócuo", "corretinho". Por exemplo, temos até serial killer sustentável, o Dexter, da série homônima, serial "killer" que só mata serial killers. Limpinho como um "crente" da classe C.
Prefiro Jack, o estripador, que estripava prostitutas porque estas encarnam a mais antiga das vocações femininas e, por isso mesmo, uma das suas maiores delícias. Prostituta não é uma profissão, mas uma vocação, um arquétipo, como a "grande mãe".
O coitado do Sade ficaria horrorizado com o que fizeram de sua "Filosofia da Alcova", um livro para formar libertinos contra o sistema opressor no século 18. Você já reparou como todo mundo que quer nos libertar da opressão moral acaba ficando monótono e datado?
O que para Sade deveria ser uma transgressão terrível virou um jantar inteligente para gente que recicla lixo e, depois de tomar um "vinho em conta", goza chupando pés femininos. Em alguns anos, teremos pedófilos que também reciclam lixo e são budistas de butique.
Os "sadômasôs sustentáveis" dizem que você pode ser um deles e ser uma pessoa que não joga lixo na rua, que vota conscientemente, que é contra a indústria farmacêutica e ajuda velhinhas cegas a atravessar a rua.
De repente, até vão para encontros em salas escuras com sua "dominatrix" brincar de "escravos" depois da reunião de pais e mestres na escolinha do filho, que, é claro, não é um problemático como o filho do casal de neuróticos.
Logo serão capazes de dizer que gostar de ser espancado, queimado, mijado na boca e humilhado é harmônico com Jesus.
Os culpados por terem feito da filosofia do Sade um cachorro desdentado foram a moçadinha do "vamos desreprimir o sexo" ou do "gostar que mijem na sua cara também é cultura". Um modo "digno" de protestar.
Em matéria de protesto, ainda prefiro Lutero, Calvino e os pirados da Nova Inglaterra.
A personagem feminina do livro "A Letra Escarlate", de Nathaniel Hawthorne, autor americano do século 19 (o filme baseado no livro, com Demi Moore, é ruim porque faz dela uma feminista injustiçada, ainda mais "boring" do que Sade...), é um hino ao erotismo na mulher. Toda culpada, toda condenada, toda humilhada, toda possuída.
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* Filósofo. Prof. Universitário. Escritor. Colunista da Folhaponde.folha@uol.com.br
Fonte: Folha on line, 28/11/2011
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