INTELIGÊNCIA/ROBERT KUTTNER*
Com impasse, mal-estar popular
não conduz a mudanças
BOSTON
O sistema americano vive uma crise de confiança que é quase sem precedentes na história. Uma pesquisa recente "New York Times"/CBS constatou que 89% dos entrevistados não confiam no governo para fazer a coisa cerca e 85% prevêem que a economia vai continuar a estagnar ou vai se agravar. Esta crise pode persistir devido ao impasse partidário em torno da solução a ser apresentada.
O presidente Obama parece não ser capaz de dinamizar e unir os cidadãos para exigir um programa ousado de recuperação, e os republicanos estão determinados a frustrar os esforços dele. É provável que esse impasse político intensifique a insatisfação pública com o governo, eleve o grau de ansiedade em torno da economia paralisada e reduza mais ainda o prestígio e a influência dos Estados Unidos no mundo.
A pior crise econômica desde a Grande Depressão trouxe à tona uma das deficiências do sistema americano. Com seu sistema de freios e contrapesos, a Constituição americana tem um viés proposital contra o ativismo. No entanto, ao longo da maior parte do século 20 o governo conseguiu lançar pontes sobre divergências e enfrentar emergências como a Grande Depressão, a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria. Democratas e republicanos transcendiam suas diferenças porque seus líderes entendiam o peso dos trunfos em jogo.
Na história dos Estados Unidos há apenas um punhado de fracassos comparáveis ao impasse atual. Um deles foi o impasse em torno da abolição ou não da escravatura, que persistiu por mais de meio século e foi resolvido finalmente, na década de 1860, pela Guerra Civil, o conflito mais sangrento da história do país, que causou a morte de 618 mil americanos.
Outro bloqueio político prolongado ocorreu durante as três décadas após a Guerra Civil. Foi uma época em que fazendeiros sofreram com a queda dos preços, a instabilidade do sistema bancário e os monopólios ferroviários que encareciam o transporte das safras. O crescimento do setor manufatureiro gerou condições de trabalho miseráveis que o governo não remediou.
"Não obstante a fantasia libertária,
se este colapso financeiro comprova
alguma coisa, é que
os mercados
não podem governar-se sozinhos."
Naquela época, partidos políticos corruptos e presidentes ineficazes se alternaram no governo, padrão que seria repetido nas décadas seguintes com republicanos e democratas alternando-se em governos falhos. A insatisfação cresceu até que a pressão popular somou-se às administrações reformistas de Theodore Roosevelt e Woodrow Wilson, no século 20. Mas quando Wilson, em 1919, não conseguiu persuadir o Senado a ratificar o Tratado de Versalhes, os Estados Unidos em grande medida recuou para uma postura de isolacionismo, que teve consequências graves para a Europa.
A geração do pós-Segunda Guerra Mundial, contudo, cresceu com a memória de grandes líderes que conseguiram superar obstáculos, como se isso fosse o normal. Franklin D. Roosevelt implementou políticas que arrancaram o país da Grande Depressão e lideraram os Aliados à vitória na Segunda Guerra Mundial; uma sucessão de presidentes, começando com Harry S. Truman, pôde conter o bolchevismo sem desencadear a Terceira Guerra Mundial, até que o sistema soviético ruiu, e Lyndon B. Johnson, apesar de seu fracasso com relação ao Vietnã, cumpriu a promessa dos direitos civis para os americanos negros.
O mundo se acostumou a esperar esse tipo de liderança dos EUA. E em 2008, quando o colapso financeiro ficou crítico, muitos de nós tínhamos a esperança de que Obama fosse esse tipo de líder. Mas ele não tem sido capaz de romper o impasse partidário, e a confiança na capacidade dele de efetuar mudanças se enfraqueceu.
Nesse clima, o mal-estar popular não se traduz em reformas. Em lugar disso, os protestos se fragmentam em movimentos mal definidos como o Tea Party, à direita, e o Ocupe Wall Street, à esquerda, que se assemelham mais a gritos de angústia que a chamados por um programa coerente.
A política americana do impasse é ecoada pelo sistema constitucional fragmentado da Europa. Os líderes da UE conseguiram comprar tempo, mas não solucionar as causas da instabilidade financeira.
Não obstante a fantasia libertária, se este colapso financeiro comprova alguma coisa, é que os mercados não podem governar-se sozinhos. Os governos precisam reconquistar a confiança de seus cidadãos.
Se isso não for feito, a iniciativa política passará para os extremistas.
Vimos algumas faíscas de liderança quando a chanceler alemã Angela Merkel se mostrou disposta a arriscar sua carreira política para impedir o colapso do euro e da UE. Será preciso mais liderança audaz de ambos os lados do Atlântico para que a democracia possa resolver esta crise grave, ao invés de permitir que ela se inflame, convertendo-se em catástrofe econômica e política.
-----------------------------------------------* Robert Robert Kuttner é co-editor da "The American Prospect" e membro sênior da Demos. Escreveu "A Presidency in Peril". Envie comentários para intelligence@nytimes.com
Fonte: Folha on line
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