sábado, 26 de novembro de 2011

“Steve Jobs era mau exemplo”

"O sendo comum aplicado às massas é um desastre"
Duncan Watts
DUNCAN WATTS, de 40 anos, autor de Tudo É Óbvio, dirige um grupo que estuda o comportamento das pessoas na internet, com o foco em redes sociais. Ele conversou com VEJA de sua casa, em Nova York.

POR QUE AS PESSOAS CONFIAM EM SEUS INSTINTOS, MESMO QUANDO AS EVIDÊNCIAS MOSTRAM QUE ELAS ESTÃO ERRADAS?
Trata-se de uma característica necessária para adaptação social. Acreditar que temos respostas óbvias para o mundo é o que nos move. A maioria das novas empresas, por exemplo, não sobrevive aos primeiros anos de existência, mas dificilmente alguém se aventura a abrir um negócio se não acreditar que vai dar certo. Se levassem em conta as estatísticas, os empreendedores não se arriscariam e a economia seria menos dinâmica. Apesar disso, defendo a ideia de que se usem mais evidências científicas para tomar decisões, principalmente em questões que envolvam muita gente, como as políticas públicas. Quando os cientistas explicam como os planetas se formam ou como os átomos vibram sob a ação do calor, ninguém questiona. Mas, quando se trata de comportamento humano, dá-se preferência ao senso comum em vez de aceitar as explicações de psicólogos ou sociólogos. Ocorre que a ciência tem método para chegar às suas conclusões; o senso comum não.

O QUE OCORRE QUANDO OS POLÍTICOS USAM O SENSO COMUM PARA DESENVOLVER POLÍTICAS PÚBLICAS?
O senso comum funciona bem no dia a dia dos indivíduos, para definir como eles devem proceder no transporte público ou na ambiente de trabalho, por exemplo. Aplicado às massas, no entanto, é um desastre. A arquitetura e o urbanismo são cheios de casos assim. Arquitetos como Oscar Niemeyer se fecham em seus escritórios e confiam em sua suposta genialidade para criar cidades, como Brasília, que imaginam funcionais e revolucionárias. O resultado é quase sempre terrível, porque os habitantes não se comportam de modo como eles esperavam. Toda vez que a intuição é usada para encontrar soluções mágicas para grupos de pessoas, erros são cometidos. Os políticos vivem inventando teorias a partir do próprio comportamento e assumindo que elas funcionariam bem em larga escala. O que eles deveriam fazer é testar suas ideias cientificamente antes de aplicá-las.

NO SETOR PRIVADO, OS EXECUTIVOS TAMBÉM PECAM POR ADOTAR O SENSO COMUM PARA TOAMAR DECISÕES?
Sim, e essa prática se perpetua porque todos querem seguir o exemplo de ídolos como Steve Jobs. O senso comum diz que ele foi um sucesso porque usava a intuição. Perguntando sobre quanto de pesquisa de mercado teve de fazer para lançar o iPad, Jobs respondeu que nenhuma, pois não cabe aos consumidores saber o que querem. Mesmo que ele tivesse sido esse gênio visionário que podia prever o futuro, algo em que eu não acredito, seria um péssimo exemplo. Steve Jobs era uma exceção que deu certo, e agora todos acham que devem imitá-lo. Se saírem por aí pensando que são como ele, vão fracassar. Fazer esse alerta parece inútil, contudo, porque é assim que o senso comum cria raízes: as evidências em contrário são automaticamente descartadas.

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A tese de Tudo É Óbvio vai contra a tendência, em voga principalmente entre gurus de autoajuda empresarial, de glorificar a intuição como fonte para a tomada de decisões. A exemplo de Steven Levitt e Stephen Dubner no bestseller Freakonomics, Watts recorre a evidências estatísticas para desmontar o pensamento convencional. Um livro recentemente publicado nos Estados Unidos se aprofunda ainda mais no mecanismo do senso comum. Em Thinking, Fast and Slow (“Pensando, Rápido e Devagar”, em inglês), o psicólogo americano Daniel Kahneman explica aos leigos os estudos que o levaram a ganhar o Prêmio Nobel de Economia em 2002. Kahneman classifica o processo de pensamento em dois tipos: o sistema 1 (intuição) e o sistema 2 (raciocínio). O sistema 1 é rápido, imediato e pouco acurado. O 2 é mais lento, focado, e às vezes impede o sistema 1 de cometer erros. Para comprovar como o sistema intuitivo é falho, Kahneman fez a voluntários perguntas como a seguinte:

“Uma cidade brasileira tem uma maternidade grande e outra pequena. Considerando que todo o ano nasce o mesmo número de meninos e meninas no país, qual das duas maternidades tem maior probabilidade de ter perto de 50% de meninas e 50% de meninos entre os recém-nascidos em um determinado dia?
               a) A maternidade grande
               b) A maternidade pequena
               c) Ambas
A maioria das pessoas responde “c”, seguindo a lógica simples, intuitiva, de que os fenômenos obedecem a certo padrão, independentemente do número de pessoas envolvidas. Ma a resposta “a” é a correta, porque, quanto maior a amostragem, maior a probabilidade de ela refletir a realidade mais abrangente. Eis um exemplo de como a lógica do senso comum pode ser enganosa.

Em Tudo É Óbvio, Watts demonstra como estudos sociológicos sérios podem ajudar empresas e governos a tomar decisões acertadas, sem improvisos e sem permitir que o sistema 1 de pensamento se torne uma armadilha em busca de soluções supostamente brilhantes. Em qual livro uma editora deve apostar como seu próximo best-seller? Que tipo de incentivo governamental será capaz de melhorar o desempenho de professores do ensino fundamental? Em qual linha de pesquisa um laboratório farmacêutico deve investir? Como deve ser o discurso de um candidato para conquistas os eleitores? A fim de responder a perguntas como essas, é preciso delimitar o futuro. E só é possível fazê-lo, explica Watts, quando se compreende cientificamente como leitores, professores, pacientes e cidadãos agem em certas condições.
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Reportagem por Diogo Schelp
Fonte: Revista VEJA impressa – Ed. 2245 – 30 de novembro de 2011, p. 100.

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