sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Joan Didion expõe suas cicatrizes

Economist
Narrativa de Didion consegue transcender seu drama particular (Reprodução/Internet)

Em 'Blue Nights', Didion traduz
o triste zumbido de seus pensamentos
em uma profunda meditação
sobre as humilhações do envelhecimento
 e a mortalidade

Poucas autobiografias valem a pena ser lidas. Quando não são usadas para levar queixas e insatisfações pessoais a público, retribuir ofensas ou racionalizar erros, elas tendem a ser histórias de adversidades superadas, com reviravoltas triunfalistas que pouco tem a ver com a realidade. É isso que torna Joan Didion única. Sua não-ficção sempre considerou assuntos de grande relevância através de uma perspectiva pessoal, sem fazer de si mesma o centro da história. Até quando ela escreve sobre os seus próprios e pesados dramas, tais como a morte repentina do seu marido seguida da morte de sua única filha, suas histórias ainda conseguem transcender seu drama particular.
É assim que uma autobiografia tal como “O ano do pensamento mágico” (2005) se tornou um best-seller. Escrevendo sobre o ano que se seguiu ao fatal ataque cardíaco de John Gregory Dunne, seu marido há quase 40 anos, Didion usou sua experiência para refletir sobre o absurdo fundamental da morte. De forma comovente, ela considerou o modo como o tempo torna presentes ordinários da vida extraordinários. O horror não mencionado no livro – um evento que aconteceu depois que ela terminou de escrevê-lo mas antes de ele ser publicado – foi que sua filha Quintana Roo também morreu, devido a uma série de problemas de saúde que culminaram em uma pancreatite aguda aos 39 anos.
“Eu não conheço muitas pessoas que
se considerem bons pais,” ela escreve.
No que diz respeito a ela própria como mãe,
seu remorso permanece
 sem ser examinado."

Com “Blue Nights” (“Noites azuis”), seu primeiro livro desde sua primeira autobiografia, Didion descreve a solidão de viver sem a filha ou o marido, e as humilhações do envelhecimento. Por décadas sua vida tinha sido encantada, ainda mais do que ela havia percebido. Mas em uma questão de meses em 2003 tudo se tornou indescritivelmente melancólico. “É horrível nos ver morrer sem filhos,” ela diz, citando Napoleão. É um livro difícil, mas não sentimental. Didion tem uma habilidade notável em ponderar seus próprios sentimentos sem deixar que sua narrativa se encharque com emoção.
O apelo de Didion sempre foi sua perspicácia misturada com algo glamoroso; ela tanto é desse mundo quanto de um mundo à parte. Memórias aqui estão repletas de nomes de marcas (Chanel, Corvette, o Ritz) e reluzentes amigos (Natasha Richardson, Patti Smith). O resultado pode distrair, mas Didion às vezes usa esses detalhes para expressar suas preocupações quanto à extravagância da vida de Quintana (sua filha adotada muitas vezes sofria com a depressão), e também para se maravilhar com a própria inocência. “Eu não conheço muitas pessoas que se considerem bons pais,” ela escreve. No que diz respeito a ela própria como mãe, seu remorso permanece sem ser examinado.
Hoje com 75 anos, Didion examina o passado. Suas recordações serpenteiam e voltam até o início de sua vida, interrompidas apenas por questões angustiantes que não cabe a ninguém responder (“Será que entendi tudo errado?”). Muitas vezes essas questões levam em consideração as escolas que ela seguiu como mãe (“Será que eu sempre fui o problema?”).
Com “Blue Nights”, assim chamado devido à intensa e solene beleza da luz do crepúsculo em um dia de verão, Didion traduziu o triste zumbido de seus pensamentos em uma profunda meditação sobre a mortalidade. O resultado nos penetra com uma sabedoria que parece ter sido conquistada dolorosamente.
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Fontes: Economist - Kind of blue

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