sábado, 26 de novembro de 2011

No Brasil, Alain de Botton critica elite, caos de SP e desigualdade

Eduardo Anizelli/Folhapress
O filósofo Alain de Botton durante palestra no evento Fronteiras do Pensamento, em São Paulo


O Brasil passou uma semana de Geni na mão de celebridades estrangeiras por aqui.

Depois de o músico e empresário Perry Farrell acusar o país de não ter educação musical --que ele estaria trazendo com seu festival Lollapalooza--, o filósofo Alain de Botton desandou a tuitar comentários pouco lisonjeiros que deram o que falar.
Reclamou da chuva, da feiura das cidades, dos atrasos no aeroporto; chocou-se com a elite paulistana, com a "profunda desigualdade" do país e reproduziu comentários pouco elegantes sobre alguns de seus anfitriões.
Quando conversou com a Folha, na manhã de ontem, Botton já estava mais bem impressionado --gostara muito do Rio, onde foi da mansão Moreira Salles ao Complexo do Alemão.
Ainda assim, não se acanhou em criticar a cultura nacional e, em particular, a cidade de São Paulo. Leia abaixo um resumo da conversa.
*

Folha - O que achou do Brasil nessa primeira visita?
Alain de Botton - É um pais fascinante, parece que estou aqui há um século, de tantas impressões. Estou maravilhado com o tamanho, a diversidade, as pessoas. Tenho lido história do Brasil, é impressionante a quantidade de coisas que já aconteceram aqui, as turbulências, revoltas, mas também os esforços para ser bem-sucedido e unir este país apesar dos incríveis desafios geográficos, das guerras, doenças. Vindo da Inglaterra, fiquei com a impressão de que vivo em um lugar muito pequeno, onde nada aconteceu, em comparação com este país.

Como foi a viagem?
Comecei em Porto Alegre, experimentei o sul germânico, aí fui para São Paulo e experimentei a loucura...

Loucura em que sentido?
Você vê na geografia urbana que é uma cidade em que ninguém parou para pensar ªcomo podemos fazer essa cidade habitável, bonita, calma?º. Foi tudo corrido, preocupado em fazer dinheiro, em se projetar no cenário internacional, e não houve muito tempo para pensar em parques e coisas do tipo. Num dia cinza, parece uma visão do inferno.

E você teve alguns encontros com a elite da cidade.
Sim, fui a um coquetel em São Paulo, após uma palestra que dei para a elite [na Sala São Paulo] e fiquei espantado com o refinamento deles, muito mais do que qualquer um que você encontraria em Londres. Não sei, não era exatamente uma riqueza decadente, mas extremamente privilegiada, de um jeito que me pareceu impossível de acontecer no Reino Unido. Uma conversa de ªpegamos o helicóptero para ir aliº, ªa limousine está aí foraº, ªminha filha está estudando na Alemanhaº. As diferenças são tão... uau! Nós saímos do prédio e havia algo que parecia um cadáver, mas que provavelmente ainda era uma pessoa. Isso é extremo.

Qual é sua sensação geral desse contraste de classes?
Sinto que o Brasil está a apenas alguns dólares de distância de uma completa transformação, em termos de salário mínimo. Com mais cinco anos de bom crescimento econômico esse país vai estar completamente diferente. Parece uma fase de transição mesmo. Fui a uma favela ontem e você tem a sensação de que aquilo não vai ser daquele jeito para sempre, não parece com a Índia, onde a pobreza é tão estrutural e endêmica que o país não tem mecanismos para contorná-la.
É apenas uma impressão, mas não me senti pessimista, apesar de ter encontrado vários brasileiros pessimistas, gente que me disse que o país tem problemas sérios, ªnão acredite no que você lê na `Economist'º. Por outro lado, encontrei gente otimista, que acha que o país mudou de nível e que, se conseguir acabar com a corrupção política e dar um jeito na educação, vai dar certo. Acho que há muita base para o otimismo.

Como você compararia as três cidades que visitou?
Se você quer uma vida calma, Porto Alegre é o lugar. Parece uma cidade sóbria, trabalhadora, tem uma certa qualidade germânica. E você está distante, mais próximo da Argentina.

*Você conheceu a Argentina? *
Nunca estive lá, mas acho interessantes as diferenças entre brasileiros e argentinos. Instintivamente me sinto mais próximo dos brasileiros, acho que os argentinos são um pouco depressivos, com seu estilo europeu, aquela coisa belle époque de ªParis da América Latinaº, os ditadores, cavalos, é tudo meio depressivo, não é exatamente meu cenário. Mas nunca estive lá.

Você tuitou um comentário que comparava Porto Alegre com o Texas, São Paulo com Nova York e o Rio com Los Angeles. Acha válida a comparação?
Isso gerou muitos comentários, gente concordando e discordando. No geral, o que chama a atenção é como o Brasil é diferente dos EUA, felizmente. É um país religioso de um modo bom, não é fundamentalista, a religião aqui tem uma influência calmante, diz às pessoas que há outro mundo além desse, isso faz com que o espírito brasileiro seja mais relaxado, enquanto o americano é sobressaltado, focado no dinheiro e no sucesso de um modo louco, porque não há nada além daqui. Tenho a sensação de que o Brasil é um pouco mais equilibrado nesse sentido. Mas não compro essa conversa de que os brasileiros são alegres. São bastante afetuosos, mas sinto muita tristeza também, uma certa melancolia, o que acho bom, porque torna a cultura brasileira mais interessante.

De que cidade você gostou mais?
Do Rio. É uma cidade que seduz imediatamente. Parece que ela é criticada porque tudo aconteceria em São Paulo e o Rio seria muito provinciano, mas não fiquei com essa impressão, parece ter muita coisa acontecendo aqui. Não é um balneário de férias.

Você esteve em mansões e numa favela. Que impressão teve desse contraste?
Fiquei impressionado com a quantidade gente que me disse nunca ter ido a uma favela. E também me chamou a atenção quantas mulheres das favelas trabalham em casas de ricos, tomando conta de seus filhos. Isso me interessa, tenho certeza de que deve surgir um laço sentimental entre as crianças e as mulheres que tomam conta delas, isso é intrigante em termos emocionais. Deve haver histórias fascinantes de conexão entre famílias muito ricas e gente muito pobre.

Viu exemplos de racismo aqui?
É curioso, todas as pessoas com quem conversei me dizem que não existe racismo no Brasil, que isso não é um problema. Achei estranho, no Reino Unido, qualquer pessoa de classe média com quem você converse sobre isso vai dizer que é claro que há problemas, todos admitem. Mas, no Brasil, parece ser uma questão de honra dizer que não há racismo. Admitem problemas econômicos, mas não esse tipo de preconceito. Talvez não haja mesmo, ou talvez eu não tenha perguntado para as pessoas certas.

Que impressão levou da visita ao Complexo do Alemão, no Rio?
Não é tão ruim quanto eu fui levado a crer. Eu imaginava o inferno na Terra, como o que você encontra na Índia e em partes da África. Não é fantástico, mas é ok. Havia casas boas, ruas pavimentadas, não vi esgoto a céu aberto, as pessoas circulavam. Fui a uma favela pacificada, então não sei como o clima pode ser em um lugar mais violento. Mas acredito genuinamente que as favelas não serão um problema eterno no Brasil. É uma fase. Aquelas cidades turísticas italianas nas encostas de morros já foram favelas também, séculos atrás. Hoje pensamos nelas como lugares charmosos. Imagino que, em 50 anos, o mesmo processo vai acontecer no Brasil. Vamos olhar para a história do país e ver que foi um momento de salto populacional no qual o governo perdeu o controle, houve crises econômicas, mas aí Lula veio, o preço das commodities subiu, o Brasil pôde usar esse dinheiro para se desenvolver.

Qual sua impressão do governo Lula?
Ele deu muita sorte em diversos pontos, pegou a alta do preço das commodities, seu antecessor havia estabilizado as coisas e feito boa parte do trabalho difícil, ele herdou um bom cenário. Mas fez algumas coisas básicas em termos de redistribuição [de renda] que assustavam a elite. Ele provou que a redistribuição não era um desastre, os ricos têm dinheiro suficiente, é possível tirar um pouco deles para ajudar a sociedade como um todo.
O que o Brasil precisa agora é educar adequadamente sua população, acabar com a corrupção para que o dinheiro vá para onde é necessário, criar um sistema de impostos mais justo e eficiente e uma infraestrutura melhor. Uma vez que isso comece a ser feito, e já está começando, o resto virá.

Qual sua opinião sobre a presidente Dilma?
Sinto que ela é boa. Gosto da falta de estilo dela, é uma espécie de Angela Merkel do Brasil. Ela parece incorruptível, e isso é algo fantástico para esse país. É claro que não basta ser só ela, é um país imenso e ainda há muitos corruptos em diversos Estados, mas essas coisas levam tempo mesmo. É preciso persistência e uma imprensa vigilante, e parece que a brasileira está fazendo isso.

E o que achou dos brasileiros? Sentiu diferença entre a população de cada cidade?
À medida que fui subindo, as coisas foram ficando mais quentes em termos emotivos. Acho que a população do Rio representa mais a imagem clássica do brasileiro entusiasmado, imediatamente afetivo. Me chamou a atenção como os brasileiros são amigáveis, mas não de um modo americano. Os americanos têm uma amabilidade que parece mercenária, interesseira. Aqui, a amabilidade é mais otimista, as pessoas são apresentadas às outras e acham que não há motivo para não gostar delas. Isso é muito antibritânico, lá nós achamos que não há motivo para gostar imediatamente das pessoas a quem somos apresentados.

Você tuitou sobre brasileiras que reclamaram que aqui existe um ªculto opressivo à belezaº.
É engraçado. O Brasil obviamente tem muita gente não atraente, tanto quanto qualquer outro lugar, mas as pessoas dizem ªtodo mundo é bonito no Brasilº. É claro que não, há gente bonita e gente feia. Mas os brasileiros valorizam muito a beleza. Conversando com homens aqui, era muito comum ouvir ªolha aquela mulher, como é gostosaº. Ninguém faz isso na Inglaterra, mas nem acho que é algo sexual, era como se estivessem admirando um céu bonito ou um pássaro, é algo até inocente. Ninguém se envergonha de dizer ªolhe aquelas pernasº. Na Inglaterra nós somos educados a nunca fazer isso porque as mulheres podem achar que é algo machista, mas aqui o clima é mais relaxado, não é tão politicamente correto. O Brasil definitivamente não é uma sociedade politicamente correta do ponto de vista americano ou europeu.

O que achou da arquitetura no país?
O Brasil tem provavelmente a melhor arquitetura modernista do mundo, aquela coisa clássica do século 20 feita por Niemeyer e outros. É a melhor porque é modernista, mas adaptada ao cenário e clima locais, o que dá uma identidade às construções, você consegue dizer ªessa é uma obra brasileiraº.
Mas é desapontador quando você olha para a maioria dos edifícios brasileiros, eles são terríveis, não têm vida nem cor, blocos de apartamentos horríveis. Conversei com alguns arquitetos e eles me disseram que o problema é que o governo não se preocupa com boa arquitetura quando faz obras. No Brasil, bons arquitetos fazem casas para os ricos, não fazem obras públicas. É o oposto da Europa e dos EUA, onde os bons arquitetos não desenham residências privadas, isso não é arquitetura. Eles desenham partes da cidade, trabalham com empreiteiras para construir belos arranha-céus.
Se eu estivesse no comando do Brasil, forçaria cada contrato de grandes obras a passar por uma competição entre os melhores escritórios de arquitetura. Isso faria as obras custarem 7% a mais, mas o país teria uma arquitetura moderna em nível nacional, em vez de pequenos pedaços aqui e ali. O país deveria ter progredido a partir do legado de Niemeyer, a história não poderia ter parado ali.

O que mais você faria se comandasse o país?
Além da reforma geral na arquitetura, contrataria alguns tecnocratas alemães para vigiar o dinheiro e acabar com a corrupção de uma vez. Definiria que, a partir de 31 de janeiro, não haverá mais corrupção, vamos investigar tudo até o fim e essa se tornaria a primeira sociedade 100% transparente do mundo, usaríamos a internet para abrir todas as contas públicas.

Por que tecnocratas alemães?
A Alemanha tem o menor nível de corrupção do mundo, seu sistema de impostos é extraordinário, eles não perdem um centavo, não há furos. Por isso são tão poderosos. Então vamos precisar de um pouco de alemães aqui, talvez os de Porto Alegre possam ser usados para isso.

E o resto da sua plataforma de governo?
Eu também ouviria os economistas para saber o que mais podemos fazer em termos de redistribuição [de renda], que percentual do PIB podemos distribuir imediatamente para os mais pobres, sem desarranjar toda a economia do país. Suspeito que seja um pouco mais do que o que é feito atualmente, mas isso é um palpite.
Precisaria também quebrar a força dos sindicatos de professores e canalizar a energia dos jovens brasileiros que queiram ensinar, formar uma equipe quase militar de jovens professores que seriam treinados e enviados para as escolas usando os melhores e mais modernos métodos de educação. Me livraria dos professores antigos, os aposentaria ou os enviaria para receberem treinamento.
Daria a cada favelado dinheiro para comprar material de construção para deixar suas casas com um nível mínimo de qualidade.
Investiria em infraestrutura, energia, alternativas às viagens aéreas.

O que poderíamos aprender com os britânicos?
Não muito (risos). Acho que o nível dos servidores públicos britânicos é muito alto, são muito honestos, particularmente os juízes. O sistema judicial britânico é muito bom, funciona bem, poderíamos pegar um pouco disso. Mas não muito mais, talvez a paciência. O Reino Unido levou um longo tempo para se tornar o que é hoje. No Brasil existem diferentes faixas de tempo, há pedaços que se parecem com a Manchester no século 19, outros que parecem a Los Angeles do século 21. É um caleidoscópio, você sente que aqui coexistem diferentes estágios temporais da história da humanidade.

Que impressão você vai levar dessa primeira visita?
Eu levei um longo tempo para vir ao Brasil porque achei que precisava mudar, estar numa posição em que conseguisse entender esse país. Me sinto muito enriquecido. Hoje penso no Brasil como um país que eu conheço e de que gosto, com o qual tenho uma conexão. É inevitável gostar de um país que gosta de uma parte do que você faz. Meus livros são publicados na Finlândia e devem ter vendido um exemplar, então não consigo evitar sentir um certo desgosto por um país em que ninguém gosta de mim. Quando você tem leitores e eles gostam dos seus livros, isso provavelmente significa que quando você for conhecê-los vai se dar bem com eles, porque livros são como conversas congeladas, quando você encontra os leitores você descongela a conversa e as coisas tendem a correr bem, e foi o que aconteceu aqui durante essa semana.
Espero voltar, na verdade vou voltar.

Para abrir sua Escola da Vida (School of Life) aqui?
Exato. Esse projeto ainda está numa etapa inicial, mas vai acontecer, vamos abrir no Rio em agosto de 2012. Essa é uma razão para voltar e para aprofundar minhas conexões com este país. Pretendo passar umas seis semanas aqui da próxima vez, trazer as crianças. Adoraria mostrar a elas os extremos do Brasil, quero leva-las a uma favela. Eles vivem em uma parte privilegiada de uma cidade privilegiada como Londres, é importante para eles que conheçam essa outra realidade.

O que você acha que eles podem aprender na favela?
Eles precisam entender o lugar que ocupam na sociedade. Precisam entender como o país delas é rico e como levam uma vida privilegiada. E precisam perder o medo da pobreza. Meu filho caçula me disse ªo Brasil é perigoso, tem muitos pobresº e eu falei ªo quê? De onde saiu esse raciocínio?º. É uma coisa de criança, eles ficam assustados, mas eu não quero que eles pensem desse modo, então vou levá-los para passear na favela e, com sorte, nunca mais vão pensar assim. Isso é importante para torná-los cidadãos globais. Tenho certeza de que o país deixaria uma impressão permanente neles.

OBS. do Blog: Creio que este 'filósofo pop" deveria ater-se à sua filosofia pop e não agir como franco atirador, sem conhecimento como se ainda fossemos uma colonia...
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Reportagem por MARCO AURÉLIO CANÔNICO DO RIO
Fonte: Folha on line, 26/11/2011

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