VACLAV SMIL*
Todas as grandes invenções
são filhas de pais espalhados pelo mapa e
que jamais se encontraram
Gosta-se de imaginar que a invenção surge como percepção repentina, o equivalente ao súbito deslocamento de água observado por Arquimedes que deu origem a uma das mais famosas interjeições gregas, "eureca!".
Essa história é um mito. A narrativa de heroísmo tem pouco a ver com a maneira pela qual a invenção (criação conceitual de um novo produto ou processo) e a inovação (difusão em larga escala de invenções comercialmente viáveis) funcionam.
Todas as grandes invenções são filhas de pais espalhados pelo mapa e que jamais se encontraram. Talvez nada ajude tanto a detonar o mito do "heroico inovador solitário" quanto a história da eletrônica moderna.
O primeiro transistor foi patenteado em 1925, por Julius Lilienfeld. Em 1947, Walter Brattain e John Bardeen, cientistas dos Bell Labs, amplificaram potência e voltagem por meio de cristais de germânio, mas seu transistor -o de ponto e contato- não se tornou a peça essencial da eletrônica moderna -o que ocorreu com o transistor de efeito de campo de junção, que foi conceituado em 1948 e patenteado em 1951 por William Shockley.
O papel da fundação da eletrônica moderna coube ao silício, que é cerca de 150 mil vezes mais comum que o germânio na crosta terrestre.
Nesse ponto outra invenção essencial entra na história. O silício semicondutor precisa ser ultrapuro, para ser modificado por meio de um processo que acrescenta pequenas impurezas para alterar sua condutividade.
A fim de reduzir os custos de produção da bolacha de silício, o cristal do qual as bolachas são fatiadas precisa ser relativamente grande. Isso conduziu a novos métodos de purificação de silício (pureza de 99,9% se tornou comum) e a métodos engenhosos de obter grandes cristais.
A história da produção de cristais começou em 1918, quando o polonês Jan Czochralski, descobriu como converter material policristalino de extrema pureza em um cristal único. Procedimentos para criar cristais maiores foram introduzidos no início dos anos 50 por Gordon Teal e Ernest Buehler, nos Bell Labs. Depois, Teal se tornou diretor de pesquisa e desenvolvimento da Texas Instruments, onde uma equipe liderada por Willis Adcock desenvolveu o primeiro transistor de silício, em 1954.
A disponibilidade de silício abriu caminho para a instalação de número imenso de minúsculos transistores em bolachas de silício, resultando nos primeiros circuitos integrados (Robert Noyce e Jack Kilby, em 1959).
Depois, foi preciso encontrar uma maneira de depositar uma camada atômica de cristais de silício (façanha do grupo liderado por Alfred Cho nos Bell Labs, em 1968), antes que um grupo da Intel (Marcian Hoff, Stanley Mazor e Federico Faggin eram seus principais integrantes) conseguisse produzir o primeiro microprocessador (essencialmente, um computador em um único chip), em 1971.
SEM TV
- Dennis Ritchie -
O total de transistores em um chip cresceu de 2.300 em 1971 a mais de 1 milhão em 1990 e mais de 2 bilhões em 2010. Colocar tantos transistores em um chip para produzir computadores seria inútil sem que alguém desenvolvesse uma linguagem de máquina para transmitir instruções de processamento.
Quem fez algumas das mais importantes contribuições para isso foi Dennis Ritchie, criador da linguagem de processamento C, que resultaria na Java e no Unix.
Ritchie morreu poucos dias após Steve Jobs, da Apple. Não houve especiais de televisão e o epíteto "gênio" não lhe foi atribuído pelos canais de TV. Ritchie foi "apenas" um entre centenas de inovadores cujos projetos, desenvolvidos por milhares de colaboradores e por investimentos de bilhões de dólares, por décadas, foram combinados.
Há, sim, momentos eureca e alguns inventores deram contribuições individuais espetaculares. Mas prestamos atenção demais a alguns poucos e de menos aos muitos momentos de inovação significativa que vêm depois.
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*VACLAV SMIL é professor da Universidade de Manitoba (Canadá) DA “ATLANTIC”
Tradução de PAULO MIGLIACCI.
Fonte: Folha on line, 27/11/2011
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