sábado, 19 de novembro de 2011

Céticos sem clima

Análise da cobertura sobre mudanças climáticas sugere que
os céticos do clima quase não têm voz na imprensa de países
em desenvolvimento. No Brasil, jornalistas tenderiam a
ver o grupo como pouco representativo e
dono de argumentos pouco científicos.


Pesquisa da Universidade de Oxford
mostra que ponto de vista cético sobre
 aquecimento global é mais frequente
em jornais dos Estados Unidos e
do Reino Unido do que na imprensa
de países em desenvolvimento.
Do Brasil, foram analisados a
‘Folha’ e o ‘Estado de SP’.
O chamado aquecimento global é apenas parte do ciclo natural do planeta. As mudanças climáticas estão acontecendo, mas pouco têm a ver com as atividades humanas. Essas são algumas das ideias defendidas pelos chamados céticos do clima, mas com que frequência elas costumam ser divulgadas na imprensa? Foi justamente o que uma pesquisa da Universidade de Oxford, no Reino Unido, decidiu investigar ao avaliar a cobertura do tema realizada por jornais de grande circulação de seis países, entre eles o Brasil.
Os resultados mostram que, nos países em desenvolvimento, em especial nos jornais brasileiros, a visibilidade dos discursos céticos sobre as mudanças climáticas é muito menor do que nos Estados Unidos e no Reino Unido, assim como a abordagem política do tema.
O estudo ‘Poles apart: The international reporting of climate change’ (Em polos opostos: a cobertura internacional das mudanças climáticas, em tradução livre para o português) avaliou mais de três mil itens jornalísticos, publicados em dois jornais de circulação nacional de cada um dos países participantes (Estados Unidos, Reino Unido, França, China, Índia e Brasil). Os jornais brasileiros analisados foram a Folha de São Paulo e o Estado de São Paulo.
A pesquisa também incluiu entrevistas com editores e ex-editores dos veículos para a identificação de fatores que influenciam na cobertura do tema.
Os jornais foram analisados entre fevereiro e abril de 2007, período em que foram lançados os dois primeiros relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), e entre novembro de 2009 e fevereiro de 2010, quando ocorreu a Cúpula das Nações Unidas sobre o Clima em Copenhague, a COP-15, e o episódio apelidado de Climategate, que colocou em dúvida os dados apresentados pelo IPCC.
Os pesquisadores coletaram matérias relacionadas às
mudanças climáticas publicadas nos jornais entre
fevereiro e abril de 2007 e entre novembro de 2009 e fevereiro de 2010,
quando ocorreu a COP-15, em Copenhague.
O evento teve ampla cobertura da ‘FSP’ e do ‘ESP’,
os dois jornais brasileiros
analisados no estudo.



Entre as conclusões mais importantes do estudo está a baixa visibilidade de pontos de vista céticos na imprensa dos países em desenvolvimento, em especial no Brasil. O país apresentou o menor percentual entre os participantes, registrando 1% e 3% de artigos com esse posicionamento no primeiro e no segundo período analisado, respectivamente, bem menos do que Reino Unido (4% e 23%) e Estados Unidos (13% e 40%).
Índia e China também não ultrapassaram 8%. Outros dados mostram que, apesar dos artigos opinativos representarem 40% dos posicionamentos céticos veiculados, mais de dois terços deles foram publicados em jornais anglo-saxões.
Também entre estadunidenses e britânicos, os políticos foram os principais porta-vozes do ponto de vista cético nos jornais, enquanto no Brasil as poucas inserções foram de representantes da comunidade científica.

Explicações particulares

O maior espaço conferido aos céticos do clima na imprensa DO Reino Unido e dos Estados Unidos pode ser explicado por questões particulares ligadas à realidade de cada país.
“O Reino Unido possui uma imprensa polarizada, que deu grande destaque à cobertura do Climategate, e ONGs defensoras de perspectivas céticas, como a Global Warming Policy Foundation. Nos Estados Unidos, existe uma prática de parte da comunidade científica de por em dúvida os pontos de vista predominantes, por questões ideológicas ou econômicas, além de uma grande organização dos grupos céticos”, explicou James Painter, da Universidade de Oxford, um dos responsáveis pelo estudo.
No que diz respeito ao Brasil, a matriz energética do país, 80% hidrelétrica, a inexistência de grupos lobistas ligados à indústria do petróleo, a preocupação do setor agroexportador com os potenciais efeitos das mudanças climáticas na agricultura e o posicionamento do país na vanguarda do desenvolvimento de biocombustíveis são apontados como fatores que podem ajudar a explicar os resultados do estudo.
Notícia da ‘Folha’ destaca potenciais prejuízos ao agronegócio brasileiro
decorrentes das mudanças climáticas, o que, para os pesquisadores,
pode ajudar a explicar o pequeno espaço
dedicado aos céticos do clima nos jornais do país.



Outra questão destacada pelos entrevistados brasileiros é a cultura jornalística do país, que tende a ver os céticos do clima como um grupo pouco representativo e detentor de argumentos pouco científicos. Para os pesquisadores, o país vive um panorama político e ideológico que não favorece o fortalecimento desses pontos de vista.

A mídia e a imagem da ciência

O jornalista e pesquisador Carlos Henrique Fioravanti, responsável pela avaliação dos jornais brasileiros no estudo, reforça que, apesar da pouca visibilidade dos discursos céticos, não existe um consenso na comunidade científica brasileira, tampouco na sociedade.
“Existem discordâncias e outros pontos de vista, o que é muito natural e positivo na ciência. Porém, não há organização nesse grupo e ele conta com poucos representantes nas elites políticas, científica e empresarial. Ninguém quer ser o inconveniente que reclama sozinho.”
Para o jornalista, a pequena visibilidade dessas posições também reflete a pouca tradição da discussão de temas científicos no Brasil, diferente do que acontece em países como a Inglaterra. “Isso faz com que o conhecimento seja visto de forma muito monolítica, definitiva”, acredita.
Fioravanti: a pequena visibilidade
dessas posições também reflete a
pouca tradição da discussão de
 temas científicos no Brasil
Fioravanti destaca a importância da cobertura jornalística para a construção de uma imagem mais realista da ciência na sociedade brasileira. “Um dos aspectos mais interessantes da ciência é sua característica de verdade provisória; mostrar que existem diferentes pontos de vista deve ser uma preocupação em sua divulgação”, afirma.
Painter também destaca a relevância da mídia na percepção pública sobre o aquecimento global. “A mídia é um dos fatores que influencia a visão do público sobre as mudanças climáticas, assim como seus valores culturais, religiosos e políticos, talvez com mais força do que o entendimento da ciência. Por isso, é importante diferenciar para os leitores o que é ou não consenso na comunidade científica sobre essa questão, aspecto que parece ainda não estar claro.”
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Reportagem por: Marcelo Garcia
Fonte: Ciência Hoje On-line, 16/11/2011

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