Juremir Machado da Silva*
Crédito: arte pedro lobo
Nestes tempos bicudos e reacionários virou brega falar em heróis de língua espanhola. Fashion é falar mal da América Latina. O historiador Mário Maestri, que jamais se deixou domar por ninguém, volta e meia melhora as minhas manhãs de labuta com seus artigos, que me chegam por e-mail, consistentes e sempre na contramão do discurso cinicamente correto da nova história de direita, essa que ganha latifúndios na mídia aliada e entra na lista dos mais vendidos como se fosse a quintessência da desconstrução de mitos. É pura ideologia empacotada para enganar os enganadores. Num dos seus últimos textos, "José Artigas e a Luta por Terra e Liberdade", Maestri mostra que o caudilho uruguaio fez coisas que nunca passaram pela cabeça dos nossos fazendeiros incomodados com os altos impostos: promoveu uma reforma agrária.
Novidade não é para quem se interessa pela vida de Artigas, mas faz pensar. Diz Maestri: "Em 10 de setembro de 1815, sob a presidência de José Artigas, o Congresso do Oriente votou e aprovou regulamento provisório para o desenvolvimento da campanha que resgatava a antiga proposta, no início do século, de ''Arreglo de los Campos'', impulsionada por Félix de Azara, secundado pelo agora caudilho oriental. Nos fatos, propunha-se assentar a independência da Banda Oriental e das províncias da Liga Federal em uma ampla divisão das terras entre as populações necessitadas, com destaque para as mais pobres. Com o regulamento provisório de 1815, aos negros livres, aos crioulos pobres, aos índios etc, patriotas seriam entregues suertes de estância, ou seja, pouco menos de 2 mil hectares, o necessário para uma família viver da exploração pastoril". Tamanha desfaçatez só poderia levar as pessoas sérias a uma reação violenta.
"Alguns anos depois, o Brasil participaria
da "heroica" destruição
do Paraguai."
Artigas passou a ser visto pelo marketing da época como um terrível caudilho. Tornou-se urgente tomar providências para impedi-lo de continuar praticando barbaridades capazes de aprofundar o inaceitável, a divisão das terras. Entraram em cena os nossos "heróis" para acabar com a festa. Afinal, a coisa estava alastrando-se para o nosso Rio Grande. Nas palavras de Maestri: "A onda de democratização da propriedade podia se estender às províncias da Liga Federal e à província do Rio Grande do Sul. Em 1816, poderosas tropas luso-brasileiras, formadas por quase 5 mil veteranos das guerras napoleônicas, reforçadas por estancieiros, peões e gaúchos sul-rio-grandenses, invadiam a Banda Oriental, sob o comando do general português Carlos Frederico Lecor, Barão da Laguna, enquanto a frota real lusitana atacava por mar Montevidéu. Iniciava-se a dura, longa e sangrenta guerra contrarrevolucionária antiartiguista". Que papelão! Quer dizer, quanto heroísmo.
Derrotado, Artigas acabou exilado no Paraguai, onde morreria em 1850. Alguns anos depois, o Brasil participaria da "heroica" destruição do Paraguai. Esses caudilhos reformistas de língua espanhola eram muito perigosos e seus povos precisaram ser libertados por nós. Sem a nossa intervenção, continuariam cometendo crimes hediondos contra a sagrada instituição do latifúndio.
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* Sociólogo. Prof. Universitário. Cronista do Correio do Povo
Fonte: Correio do Povo on line, 07/11/2011
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