quarta-feira, 16 de novembro de 2011

A teologia mundana do viver em sociedade

Na ordem imposta pelos monges e
clérigos do mercado, não há mais lugar
para a democracia.
Um livro muito particular. Ele nasce de uma discussão pública entre filósofos, críticos de arte, sociólogos, para depois ser enriquecido pelos textos que constituem o pano de fundo teórico aos qual os participantes do encontro fazem referência. A sua descontinuidade, no entanto, não é um limite, mas sim um dos motivos de interesse.
Já o título – Il capitalismo divino. Ed. Mimesis, 160 páginas – ilustra bem o campo temático em que ele deve ser colocado, mesmo que o andamento da discussão provoque certamente uma sensação de perda. O encontro, que contou com a participação de Boris Groys, Jochem Hörisch, Thomas Macho, Peter Sloterdijk e Peter Weibel, realizou-se em 2004, isto é, quando nada fazia supor que, dali a três anos, o desmoronamento dos empréstimos subprime e a avalanche da chamada "dívida soberana" levantariam dúvidas sobre a fragilidade do capitalismo. No entanto, muitos dos elementos que surgem da reflexão – e dos textos postos no apêndice, de Walter Benjamin, Max Weber, Friderich Engels e Slavoj Zizek – são de grande atualidade.
O ponto de partida é que o capitalismo se tornou uma religião. A referência é a um ensaio escrito por Walter Benjamin em 1921 – que agora é reproposto com uma nova tradução pelos Editori Riuniti, que começaram a publicar os escritos políticos do teórico alemão em uma edição organizada por Max Palma –, onde se afirmava que o capitalismo serve para dar respostas, assim como acontecia no passado com as religiões, às preocupações, às ansiedades e aos sofrimentos dos homens e mulheres. Benjamin, no entanto, advertia que é uma religião cultural, que não tem dogmas a propor como preceitos, mas justamente respostas mutáveis ao longo do tempo e do espaço.
Com relação a essa "provocação", os autores muitas vezes escolhem o caminho mais mundano da constatação de que o capitalismo se apresenta como uma verdade revelada, que não tolera dúvidas ou contestações.
Dada essa constatação, o andamento da discussão apresenta, ao contrário, motivos de atualidade. Quem limpa o campo de possíveis mal-entendidos é Peter Sloderdijk. O filósofo alemão defende que uma forma de capitalismo esgotou a sua força motriz, perguntando-se qual será a ética que acompanhará a sua evolução. Seguramente, não será a protestante, ou cristã, evocando o famoso ensaio de Max Weber, mas sim aquelas – o plural é obrigatório – que vêm das religiões "orientais". O taoísmo, o xintoísmo, o confucionismo, se poderia acrescentar, porque estabelecem a imanência de uma visão das relações sociais fundamentadas na harmonia e na ausência de conflitos, elementos garantidos por formas estatais "maternalistas", isto é, que cuidam não apenas dos corpos, mas também das almas dos súditos.
O Estado, expulso pela porta das ideologias liberais ocidentais, entra novamente pela janela com o específico papel, diria Michel Foucault, pastoral. Desse ponto de vista, o capitalismo contemporâneo pode abrir mão da democracia – no fundo, essa é a característica principal do chamado neoliberalismo –, mas não do Estado, que deve regular a vida social para garantir harmonia, mas também para dar o contexto em que se possa fornecer respostas às perguntas, às inquietações, aos sofrimentos humanos. Assim, se o capitalismo é uma religião, o Estado é o seu templo, ou melhor, a sua igreja.
Com essa tese, Peter Sloderdijk quer propor o tema da superioridade do modelo "oriental" de capitalismo em comparação ao renano ou anglo-saxão. Não só porque a China, Cingapura, Índia têm taxas de crescimento muito superiores, mas também porque são países que elaboraram sistemas políticos "originais", isto é, capazes de remover esse obstáculo – a democracia – que impede o capitalismo de continuar se desenvolvendo. Mas outro aspecto interessante é que muitos países ocidentais começaram a reproduzir, e portanto a adaptar, esse modelo social e político. O sarcasmo sobre o berlusconismo ou sobre a direita norte-americana certamente não se deve à conclamada falta de estatura política de Silvio Berlusconi ou de George W. Bush, mas sim ao fato de que eles não podiam e não podem liquidar tão facilmente a democracia parlamentar. Não por acaso Sloderdijk convida a olhar com atenção para o que está acontecendo na Rússia de Putin.
Essa é provocação, geralmente acolhida pelos outros relatores no seminário reproduzido pelo livro. Mas cada intervenção adiciona elementos que merecem atenção. Por exemplo, quando são indicados nos financistas os monges da religião capitalista, que não mais convida à parcimônia, como faziam os calvinistas, mas sim ao gozo. Mas os financistas não são homens e mulheres hedonistas. A seu modo, só convidam seguir preceitos, regras que podem garantir a harmonia e a superação do estado de necessidade em que todos estamos condenados a viver. Os comerciantes, os financistas e o consumo são, portanto, monges e regras de vida que permitem não a felicidade, mas sim a possibilidade de viver em harmonia. O capitalismo, portanto, se "culturalizou", porque, quando vende mercadorias, na realidade, está propondo estilos de vida, modelos de relações sociais, enquanto o andamento da bolsa de valores é o barômetro das condições existenciais dos indivíduos. Enfim, a economia da marca, juntamente com o poder performativo das finanças, são os elementos constitutivos do capitalismo como religião.
As teses apresentadas no livro deveriam ser contextualizadas à situação atual, onde há pouco espaço, pelo menos na Europa e nos Estados Unidos, para a harmonia. Mas não há dúvida de que o nexo entre democracia e capitalismo é cada vez mais tênue, assim como é evidente que as finanças continuam desempenhando o papel de governo não só da economia, mas também da vida social.
E causa graça ouvir comentadores da vida política italiana – mas acontece o mesmo na França, Alemanha e Reino Unido – dizerem que um liberal é algo diferente de um liberista. No capitalismo divino, os clérigos das finanças falam o mesmo idioma. Podem mudar os sotaques, mas entre Mario Monti e Jean-Claude Trichet não há muita diferença. Ambos são guardiões do "capitalismo como religião" e têm uma concepção da democracia que faria Adam Smith corar.
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A reportagem é de Benedetto Vecchi, publicada no jornal Il Manifesto, 11-11-2011.
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: IHU on line, 16/11/2011

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