segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Os sicários de Midas

Luiz Roberto Liza Curi*


"Em algum lugar, naquela pilha de processos de patentes, pode estar a próxima revolução tecnológica. Deveríamos estar tornando mais fácil e mais rápida a conversão de novas ideias em empregos", disse o presidente americano Barack Obama ao assinar a nova America Invents Act. Segundo a Associated Press a nova lei, assinada em 16/09/11, reforma radicalmente um sistema que estava em vigor desde 1952. Um dos aspectos da mudança é a maior flexibilidade e simplicidade burocrática fornecida aos usuários do processo de solicitação de patentes.
No caso brasileiro a lei de patentes só tem uma década e meia e já está ultrapassada. Ela já nasceu inadequada aos interesses produtivos brasileiros e já deveria ter sido revista. Além de não incentivar a proteção intelectual e sua "conversão" em desenvolvimento produtivo, nossa legislação é considerada omissa e ineficaz ao estímulo competitivo da indústria nacional.
É, sobretudo, atrasada frente à legislação patentária de países mais desenvolvidos. Seu mecanismo de reconhecimento do piper line como fator de proteção da propriedade intelectual internacional, desde o início do processo de solicitação de patentes em outros países, atrasa e prejudica a mobilização da produção científica brasileira com vistas ao desenvolvimento de novos produtos.

Brasil amplia número de mestres e
doutores por ano, mas apenas 0,7%
estavam em empresas privadas em 2008

Pior que a lei, no entanto, é a operação de registro no Brasil. A lentidão burocrática no processo é devida à conhecida e auto proclamada falta de estrutura e de pessoal dos órgãos responsáveis. Por outro lado, no entanto, é resultado de uma concepção ou talvez de um conceito que considera o tempo como variável irrelevante na concessão de uma patente, cujo prazo pode levar de 4 a 11 anos. Ou seja, independentemente do ritmo em que ocorrem as inovações tecnológicas, fator predominante da competitividade industrial, pedidos de patentes, muitas vezes resultados de pesquisa de interesse econômico, ficam submetidos a uma espera de anos.
Enquanto esperam, barram outras solicitações similares, independente de seu grau de atualização tecnológica. Imaginem se as indústrias de fármacos, química ou eletro eletrônica seriam capazes de aguardar 4 ou 5 anos para iniciar o licenciamento do resultado de uma pesquisa a ser protegida em patente. Certamente um registro semelhante em outro país fará submergir o interesse por uma patente nacional. A indústria que poderá manter seu ritmo de inovação será a responsável pela exportação de produtos e pelo aumento do déficit tecnológico dos países onde a indústria mantém baixa competitividade.
No Brasil essa realidade é especialmente trágica se considerarmos os esforços que levaram à expansão qualitativa e quantitativa da produção científica. Produzimos quase 3% da ciência mundial. De 1990 a 2008 o Brasil pulou de 3665 artigos publicados, em relevantes periódicos científicos internacionais, para 30021.
Ao mesmo tempo em que ampliamos o número de mestres e doutores por ano, tendo chegado a 50 mil titulados em 2009, perdemos pesquisadores em centros de P&D industriais. Em 2008 o número de pesquisadores em empresas privadas alcançava meros 0,7% do total. Não é de se espantar, assim, que algumas das nossas universidades sejam responsáveis por 60% das 2072 patentes solicitadas no Brasil entre 2001 e 2008.
Nos EUA os centros de P&D de empresas são responsáveis pela contratação de 70% dos mestres e doutores em áreas como engenharias, física e química, farmácia e biologia molecular. Nos EUA, ainda, as universidades são responsáveis por apenas 3% das solicitações de patentes.
A proximidade entre a P&D e as estratégias de negócio e de inovação da empresa é essencial para que as patentes alcancem a materialidade do produto. Já as patentes solicitadas ou mesmo registradas pelas universidades brasileiras nem sempre alcançam ou despertam o interesse por empresas, que não as encomendaram e que, em muitos casos, vão saber de sua existência tarde demais. Por outro lado, nem sempre os autores das ideias se interessam pelo seu produto.
Em 2004 o Brasil possuía 106 registros de patentes no United States Patent and Trademark Office (USPTO) e a China 404. Em 2007 nosso país foi responsável por 90 registros contra 1.121 da China, 545 da Índia e 158 da Malásia, ficando em 29º lugar na lista geral. Em 2009, enquanto a China pulava para 1655 registros de patentes no USPTO, a Índia alcançava 760 e o Brasil se mantinha em103. Nossa produção científica está em alta, mas suas expressões produtivas nem tanto.
O conhecimento e os recursos humanos gerados nas universidades devem favorecer uma agenda de inovação e produtividade à indústria brasileira. Esse caminho, no entanto, não é espontâneo e nem depende da vontade das universidades ou das empresas. Depende, sim, de incentivos e estímulos de políticas governamentais e, sobretudo, de uma legislação patentária que não torne desinteressante ou obsoleto, para nossa economia ou para os usuários da produção intelectual, o processo de solicitação de patentes.
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* Luiz Roberto Liza Curi, sociólogo, é Diretor Nacional de Educação Superior e Pesquisa da SEB/SA. Foi Diretor Nacional de Políticas de Educação Superior do MEC e Diretor Geral de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico de São Paulo.
Fonte: Valor Econômico on line, 21/11/2011

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