Lucy Kellaway*
Enquanto seguia de bicicleta para o trabalho outro dia, fiz algo que dificilmente faço: tentei pensar estrategicamente sobre como vivo minha vida. O resultado foi quase fatal. Por pouco não bati em um misturador de cimento, e assim minha vida, com todas as suas imperfeições estratégicas, quase chegou ao fim.
Tal acidente teria mostrado de maneira conclusiva, ainda que violenta, o que eu agora vou tentar provar de uma maneira mais prosaica e segura. Que pensar estrategicamente sobre sua vida não é necessariamente uma grande ideia.
O ímpeto desse exercício veio de um novo livro de Matthew Kelly, que vem "dedicando sua vida a ajudar organizações e indivíduos a se transformarem nas melhores versões deles mesmos". Em "Off Balance" (elogiado pelo presidente da P&G na contracapa), ele nos ajuda a obter a satisfação profissional e pessoal ao mesmo tempo.
Ele começa bem, dizendo uma coisa da qual eu suspeitava há muito tempo: o equilíbrio entre a vida no trabalho e a vida particular é conversa fiada. Ele não tem sentido porque trabalho é vida e vida é trabalho. Além disso, o equilíbrio não é necessariamente algo que queremos - mesmo que fosse, ele não é alcançável, uma vez que ninguém pode ter tudo.
Ele então afirma que a vida é como uma empresa, uma vez que tudo nela diz respeito a alocar recursos escassos. Para fazer isso bem, precisamos de um plano de longo prazo e nos valorizar enquanto prosseguimos. O primeiro passo, diz ele, é elaborar uma lista das coisas que são importantes para nós como o trabalho, as relações, os filhos, a fé, a saúde e assim por diante, e arranjá-las pela ordem de prioridade.
Uma manhã, na mesa da cozinha de casa, dediquei-me à tarefa. Demorei dois segundos. Os filhos aparecem no topo de qualquer lista do tipo. O trabalho vem mais abaixo, embora à frente de, digamos, dar um trato no cabelo. Escrever a lista foi fácil, mas criou uma dúvida mais difícil: aloco meu tempo de acordo com essas prioridades? Decididamente não.
No mesmo momento em que estava trabalhando na lista e lendo o livro, meu filho estava ao meu lado comendo seus Cheerios e com o iPod ligado. Ele pediu um bagel com mel para levar para a escola e, como não prestei atenção, distraidamente passei manteiga de amendoim no bagel. Se os filhos realmente estivessem no topo de minha lista, certamente eu teria deixado o livro de lado, pegado o mel e iniciado uma conversa sobre o euro com ele no café.
Isso significa que estou conduzindo minha vida de maneira errada? Segundo Kelly, está tudo bem: o simples fato de às vezes ficarmos compulsivamente absorvidos pelo trabalho não faz de nós pais ruins. Ele afirma que ser exigido pelo trabalho torna você mais feliz e, desse modo, muito mais gentil com a família quando está com ela.
Isso me parece uma besteira conveniente. Quando estou realmente engajada no trabalho, fico envolvida com ele quando deveria estar me concentrando na família. Daí a gafe com o bagel. Mesmo assim, estou tentando resistir à conclusão óbvia de que a história do café da manhã mostra que toda a minha vida está errada. Em meu coração, tenho certeza de que ela está errada, mas não mais que a vida da maioria das pessoas. Em vez disso, o que está definitivamente errado é o ponto de partida de Kelly. Almejar a melhor vida possível é uma ideia boba, uma vez que é absolutamente certo que isso no fim vai acabar em lágrimas, já que a vida é difícil e coisas ruins acontecem.
E quanto à lista de prioridades, o que ela significa é que no fim das contas meus filhos têm mais importância. Mas a maior parte da vida não é feita de situações críticas. Minuto a minuto eu decido como alocar meus escassos recursos por um mecanismo interno sofisticado que responde a ideias de dever, prazer, hábitos, amor, descobertas e assim por diante. Somente mudo de rumo quando as coisas dão errado.
De volta à cena da mesa no café da manhã. Como meu filho parecia bem em seu transe adolescente, fiquei absorvida pelo trabalho. Se eu achasse que as coisas não estavam bem com ele, teria colocado o livro de lado. Esta é minha estratégia: faça o que você estiver fazendo enquanto não ficar claro que não está funcionando, então tente outra coisa. Essa abordagem me poupa bastante tempo.
A abordagem de Kelly envolve meia hora de meditação todas as manhãs, o que o levou a decidir que é bom beber três litros de água por dia. Sem qualquer meditação, acabo bebendo a mesma quantidade de chá, Diet Coke, café e vinho. Estou ciente de que a absorção desses fluidos pode prejudicar meu fígado e o esmalte dos dentes, e se algum deles começar a me causar problemas, vou repensar minha estratégia de seleção de bebidas. Caso contrário, não vejo necessidade.
No entanto, como resultado de meu exame de consciência, descobri uma coisa que não está funcionando na maneira como levo minha vida e, como resultado, estou mudando. Trata-se de algo que vai salvar minha vida, e não mudá-la. Quando estiver andando de bicicleta é melhor eu prestar atenção por onde vou.
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* Lucy Kellaway é colunista do "Financial Times". Sua coluna é publicada às segundas-feiras na editoria de Carreira
Fonte: Valor Econômico on line, 28/11/2011
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