quinta-feira, 31 de maio de 2012

De costas para o futuro

Fernando Reinach*

Preste atenção nestas três frases: 1) "Quando John Lennon morreu, 32 anos atrás, eu estava em Nova York." 2) "Quando John Lennon morreu, 32 anos na frente, eu estava em Nova York." 3) "Quando John Lennon morreu, 32 anos abaixo, eu estava em Nova York."
Essas frases são exemplos de como diferentes culturas relacionam a dimensão espacial e temporal da realidade. Na maioria das culturas ocidentais imaginamos o futuro como estando localizado à nossa frente e o passado, atrás ("A vida é longa, é preciso ir em frente."). Mas, para os mais de 2 milhões de habitantes da Bolívia, Peru e Chile que falam a língua aimará, o passado se encontra à nossa frente e o futuro, às nossas costas.
A palavra "nayra" é usada para descrever a posição de um objeto à nossa frente e também um acontecimento no passado. A palavra "qhipa" descreve algo no futuro e também algo que está atrás de nós. Nessa comunidade, quando alguém se refere ao futuro normalmente gesticula apontando para trás das costas e quando se refere ao passado aponta o espaço à sua frente.
Já os yupno, que habitam um vale isolado em Papua-Nova Guiné, quando se referem ao passado apontam para baixo e ao se referirem ao futuro, para cima.
Não há dúvida de que cada um de nós se localiza, a cada momento, em um local do espaço (estou sentado na frente de um computador) e em um determinado momento no tempo (são 10h15 do dia 30 de maio), mas não existe nenhuma relação física obrigatória entre essas duas dimensões de nossa existência. Por que associar o futuro à nossa frente ou às nossas costas ou a um plano mais baixo? Por que o Egito de Cleópatra estaria atrás de nós? Essa associação, em princípio, não seria necessária.
No caso da associação presente nas línguas ocidentais (futuro na frente e passado atrás), talvez a explicação esteja no ato de andar. Ao andar, olhamos para a frente, e o local onde estaremos no futuro próximo está na nossa frente. Já o local por onde passamos recentemente está nas nossas costas.
Mas os aimarás parecem ser mais sofisticados. Quando se pergunta a um deles por que o futuro está nas costas e o passado, na frente, ele tem uma boa explicação. O futuro é desconhecido, inacessível aos nossos sentidos, e ainda não presente na nossa memória. É lógico para eles que algo desconhecido e fora do campo de visão esteja atrás. Já o passado é conhecido, já foi vivido, está presente na nossa memória e disponível para exame. É natural que ele esteja no nosso campo de visão, na nossa frente.
No caso dos yupno, os antropólogos ainda estão tentando entender por que o passado está associado ao fundo do vale onde vivem e o futuro às partes mais altas das montanhas. Uma possibilidade é de que ao longo do tempo a tribo tenha habitando cada vez lugares mais altos.
O fato de nosso cérebro criar esse tipo de relação arbitrária entre duas dimensões físicas (tempo e espaço) nos leva a acreditar que essa relação é natural. A maneira como essa associação se cristalizou em diferentes culturas talvez tenha implicações importantes no desenvolvimento das sociedades e da estrutura de nossa memória. Será que a crença ocidental de que o futuro pode ser previsto (vislumbrado ainda que de maneira opaca na nossa frente) se originou da associação do tempo futuro ao espaço à nossa frente? Se imaginássemos que o futuro está atrás (como os aimarás) e indisponível para nossos sentidos, teríamos tanto interesse em desenvolver conhecimentos que permitem prever o futuro, como as leis da física e da química? E como seria nossa relação com a memória do passado se, para nosso cérebro, se ela estivesse colocada à nossa frente? Viveríamos mais ligados ao passado que ao futuro?
O mais interessante dessa descoberta é que ela demonstra, mais uma vez, que a realidade habitada pela nossa consciência é uma construção de nosso cérebro elaborada durante o processo evolutivo. É muito provável que essa associação tenha sido útil e vantajosa para nossos ancestrais que caçavam nas estepes africanas, se preocupavam com o alimento das próximas horas, mas não com a geometria euclidiana ou com a extinção dos dinossauros. Nossa percepção que o futuro está diante de nós é uma ilusão criada por um cérebro que durante milênios evoluiu dentro de um animal no qual o andar para frente era a atividade dominante. Nessas condições, frente e futuro ficaram associadas e por isso damos as costas para o passado e caminhamos para o futuro. Somos realmente um animal muito estranho, habitado por uma mente que, na melhor das hipóteses, recebe do cérebro uma visão distorcida da realidade.
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* BIÓLOGO
MAIS INFORMAÇÕES: Where time goes up and down. Science vol. 336 pag. 411 2012 Fernando Reinach (fernando@reinach.com)
Fonte: Estadão on line, 31/05/2012 
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1964: Golpe Militar a serviço do Golpe de Classe

Leonardo Boff*

 

Para que a missão da Comissão da Verdade seja completa e satisfatória, caberia a ela fazer um juízo ético-político sobre todo o período da ditadura. O assalto ao poder foi um crime contra a Constituição, uma ocupação violenta de todos os aparelhos de Estado para montar uma ordem regida por atos institucionais, pela repressão e pelo estado de terror.

O objeto da Comissão da Verdade deve sim, tratar dos crimes e dos desaparecimentos perpetrados pelos agentes do Estado ditatorial. É sua tarefa precípua e estatutária. Mas não pode se reduzir a estes fatos. Há o risco de os juízos serem pontuais. Precisa-se analisar o contexto maior que permite entender a lógica da violência estatal e que explica a sistemática produção de vítimas. Mais ainda, deixa claro o trauma nacional que significou viver sob suspeitas, denúncias, espionagem e medo paralisador.

Neste sentido, vítimas não foram apenas os que sentiram em seus corpos e nas suas mentes a truculência dos agentes do Estado. Vítimas foram todos os cidadãos. Foi toda a nação brasileira. Para que a missão da Comissão da Verdade seja completa e satisfatória, caberia a ela fazer um juízo ético-político sobre todo o período do regime militar.

Importa assinalar claramente que o assalto ao poder foi um crime contra a Constituição. Configurou uma ocupação violenta de todos os aparelhos de Estado para, a partir deles, montar uma ordem regida por atos institucionais, pela repressão e pelo estado de terror.

Bastava a suspeita de alguém ser subversivo para ser tratado como tal. Mesmo detidos e sequestrados por engano como inocentes camponeses, para logo serem seviciados e torturados. Muitos não resistiram e sua morte equivale a um assassinato. Não devemos deixar passar ao largo, os esquecidos dos esquecidos que foram os 246 camponeses mortos ou desaparecidos entre 1964-1979.

O que os militares cometeram foi um crime lesa-pátria. Alegam que se tratava de uma guerra civil, um lado querendo impor o comunismo e o outro defendendo a ordem democrática. Esta alegação não se sustenta. O comunismo nunca representou entre nós uma ameaça real. Na histeria do tempo da guerra-fria, todos os que queriam reformas na perspectiva dos historicamente condenados e ofendidos –as grandes maiorias operárias e camponesas– eram logo acusados de comunistas e de marxistas, mesmo que fossem bispos como o insuspeito Dom Helder Câmara.

Contra eles não cabia apenas a vigilância, mas para muitos a perseguição, a prisão, o interrogatório aviltante, o pau-de-arara feroz, os afogamentos desesperadores. Os alegados “suicídios” camuflavam apenas o puro e simples assassinato. Em nome do combate ao perigo comunista, se assumiu a prática comunista-estalinista da brutalização dos detidos. Em alguns casos se incorporou o método nazista de incinerar cadáveres como admitiu o ex-agente do Dops de São Paulo, Cláudio Guerra.

O grande perigo para o Brasil sempre foi o capitalismo selvagem. Usando palavras de Capistrano de Abreu, nosso historiador mulato, “capou e recapou, sangrou e ressangrou” as grandes maiorias de nosso povo.

O Estado ditatorial militar, por mais obras que tenha realizado, fez regredir política e culturalmente o Brasil. Expulsou ou obrigou ao exílio nossas inteligências e nossos artistas mais brilhantes. Afogou lideranças políticas e ensejou o surgimento de súcubos que, oportunistas e destituídos de ética e de brasilidade, se venderam ao poder ditatorial em troca benesses que vão de estações de rádio a canais de televisão.

Os que deram o golpe de Estado devem ser responsabilizados moralmente por esse crime coletivo contra o povo brasileiro.

Os militares já fora do poder garantiram sua impunidade e intangibilidade graças à forjada anistia geral e irrestrita para ambos os lados. Em nome deste status, resistem e fazem ameaças, como se tivessem algum poder de intervenção que, na verdade é inexistente e vazio. A melhor resposta é o silêncio e o desdém nacional para a vergonha internacional deles.

Os militares que deram o golpe se imaginam que foram eles os principais protagonistas desta façanha nada gloriosa. Na sua indigência analítica, mal suspeitam que foram, de fato, usados por forças muito maiores que as deles.

René Armand Dreifuss escreveu em 1980 sua tese de doutorado na Universidade de Glasgow com o título: 1964: A conquista do Estado, ação política, poder e golpe de classe (Vozes 1981). Trata-se de um livro com 814 páginas das quais 326 de documentos originais. Por estes documentos fica demonstrado: o que houve no Brasil não foi um golpe militar, mas um golpe de classe com uso da força militar.

A partir dos anos 60 do século passado, se formou o complexo IPES/IBAD/GLC. Explico: o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) e o Grupo de Levantamento de Conjuntura (GLC). Compunham uma rede nacional que disseminava ideias golpistas, composta por grandes empresários multinacionais, nacionais, alguns generais, banqueiros, órgãos de imprensa, jornalistas, intelectuais, a maioria listados no livro de Dreifuss. O que os unificava, diz o autor “eram suas relações econômicas multinacionais e associadas, o seu posicionamento anticomunista e a sua ambição de readequar e reformular o Estado”(p.163) para que fosse funcional a seus interesses corporativos. O inspirador deste grupo era o General Golbery de Couto e Silva que já em “em 1962 preparava um trabalho estratégico sobre o assalto ao poder” (p.186).

A conspiração, pois estava em marcha, há bastante tempo. Aproveitando-se da confusão política criada ao redor do Presidente João Goulart, tido como o portador do projeto comunista, este grupo viu a ocasião apropriada para realizar seu projeto. Chamou os militares para darem o golpe e tomarem de assalto o Estado. Foi, portanto, um golpe da classe dominante, nacional e multinacional, usando o poder militar.

Conclui Dreifuss: “O ocorrido em 31 de março de 1964 não foi um mero golpe militar; foi um movimento civil-militar; o complexo IPES/IBAD e oficiais da ESG (Escola Superior de Guerra) organizaram a tomada do poder do aparelho de Estado” (p. 397). Especificamente afirma: “A história do bloco de poder multinacional e associados começou a 1º de abril de 1964, quando os novos interesses realmente tornaram-se Estado, readequando o regime e o sistema político e reformulando a economia a serviço de seus objetivos” (p.489). Todo o aparato de controle e repressão era acionado em nome da Segurança Nacional que, na verdade, significava a Segurança do Capital.

Os militares inteligentes e nacionalistas de hoje deveriam dar-se conta de como foram usados por aquelas elites oligárquicas que não buscavam realizar os interesses gerais do Brasil; mas, sim, alimentar sua voracidade particular de acumulação, sob a proteção do regime autoritário dos militares.

A Comissão da Verdade prestaria esclarecedor serviço ao país se trouxesse à luz esta trama. Ela simplesmente cumpriria sua missão de ser Comissão da Verdade. Não apenas da verdade de fatos individualizados; mas, da verdade do fato maior da dominação de uma classe poderosa, nacional, associada à multinacional, para, sob a égide do poder discricionário dos militares, tranquilamente, realizar seus propósitos corporativos de acumulação. Isso nos custou 21 anos de privação da liberdade, muitos mortos e desaparecidos e de muito padecimento coletivo.

Leonardo Boff é teólogo e escritor.

O modelo econômico atual agrava o déficit de água doce

Mikhail Gorbachev*

 
O déficit de água doce em escala mundial está se tornando cada vez mais grave. Ao contrário de outros recursos naturais, a água é insubstituível e suas existências acessíveis são limitadas, no entanto seu consumo aumenta constantemente.
Simplesmente é impossível que o consumo mundial de água doce prossiga aumentando da mesma forma que durante o século passado. Entretanto, nos países mais pobres, milhões de pessoas morrerem por ingerirem água não tratada. Segundo um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS), a água contaminada é a causa de 80% das doenças infecciosas e epidêmicas.
A premissa de uma política para enfrentar a crise global da água implica o reconhecimento de suas causas. Entre as razões principais destacam-se o crescimento da população mundial e das produções agrícola, industrial e energética, que são as principais consumidoras de água.
Também se contam as consequências ambientais das atividades econômicas e a destruição dos ecossistemas naturais, o desperdício de água e de outros recursos naturais em uma economia concentrada na obtenção de ingentes lucros, na pobreza maciça e na incapacidade dos governos em alguns países atrasados para organizar um manejo eficiente dos recursos hídricos.
Por fim, deve-se mencionar a corrida armamentista e o insensato esbanjamento de cifras enormes de riqueza e recursos em guerras e conflitos.
É, portanto, evidente a inviabilidade de uma estratégia para enfrentar o problema isoladamente de outros desafios globais e do contexto internacional.
Há 20 anos a Green Cross International (GCI) opera com um enfoque de conjunto entre os problemas da segurança, da pobreza e do meio ambiente. Há algum tempo a GCI lançou a iniciativa Água para a Vida. Propusemos-nos realizar uma convenção internacional sobre o direito à água, e em julho de 2010 uma resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas reconheceu explicitamente o direito humano à água e ao saneamento, além de admitir que a água potável e o saneamento são essenciais para a preservação de todos os direitos humanos.
Agora é necessária a instrumentalização prática deste princípio, já que até hoje apenas uns poucos países introduziram o direito à água em sua legislação nacional.
A GCI propicia a adoção de medidas destinadas a preservar e manejar racionalmente a água. Além disso, trabalha para acelerar a entrada em vigor da Convenção sobre o Direito dos Usos dos Cursos de Água Internacionais pra Fins Distintos da Navegação e, ao mesmo tempo, promove projetos específicos para garantir o direito à água.
Estou convencido de que a crise da água está estreitamente relacionada com as falhas da economia e da política contemporâneas. Ainda estamos sofrendo as consequências de uma grave crise econômica global. E não podemos nos enganar com o surgimento de alguns indícios de recuperação na economia mundial.
A crise demonstra que o dominante modelo atual de crescimento econômico é insustentável. Este modelo engendra crises, injustiça social e o perigo de uma catástrofe ambiental.
O mundo necessita de uma nova arquitetura política, uma nova arquitetura de segurança, governança global e desenvolvimento sustentável. Este plano deveria basear-se na rejeição de atitudes agressivas e de tentativas de dominar as relações internacionais, bem com na desmilitarização da política internacional.
Há uma clara necessidade de evoluir rapidamente para um modelo diferente, que deve consistir em uma combinação de mercados e iniciativa privada com os princípios de responsabilidade social e ambiental das atividades produtivas e de uma efetiva regulação governamental.
Sustentamos que a realização de grandes projetos nacionais e internacionais com enfoques qualitativamente inovadores sobre o uso da água poderiam se constituir em motores do desenvolvimento da economia global.
Portanto, necessitamos reconsiderar os objetivos do desenvolvimento econômico. O consumo não deve continuar sendo o único e principal condutor do crescimento. A economia deve ser reorientada para metas que incluam a sustentabilidade ambiental, a saúde das pessoas em seu sentido mais amplo, a educação, a cultura, a coesão social e uma clara redução das enormes desigualdades entre ricos e pobres.
Apenas sobre essa plataforma seremos capazes de responder aos principais desafios deste século: segurança, pobreza, atraso e crise ambiental global.
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* Mikhail Gorbachev, ex-secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética (1989-1991) e ex-presidente da União Soviética (1990-1991).

(Envolverde/IPS) 
Fonte:  http://mercadoetico.terra.com.br/30/05/2012

Sete pessoas que desistiram da civilização para viver na natureza

Para alguns, o peso da civilização pode ser difícil de carregar. O ritmo acelerado, os problemas de relacionamento, a luta política e a complexidade tecnológica… todo mundo já pensou pelo menos uma vez em fugir para uma vida mais simples, em contato com a natureza.

Porém, enquanto para a maioria das pessoas esse sentimento se traduz em um final de semana acampando ou na fazenda, para outras (críticos da civilização, ativistas, espitualistas ou livres de espírito) essa ideia é levada ao extremo. Conheça sete indivíduos que escolheram viver sozinhos com a natureza.

Christopher McCandless
Mais conhecido pelo livro de Jon Krakauer, “Into the Wild”, e pelo filme homônino dirigido por Sean Penn, Christopher McCandless (que chama a si próprio de “Alexander Supertramp”) foi um americano intinerante que sonhou com uma odisséia no Alaska em que ele estaria longe da civilização.
Embora ele tivesse sido bem educado, sua origem de classe média-alta e sucesso econômico só aumentou seu desprezo por aquilo que ele via como materialismo vazio da sociedade.
Tragicamente, após viver uma aventura de 113 dias na vida selvagem do Alaska, McCandless suncubiu à fome em agosto de 1992.

Timothy Treadwell
Timothy Treadwell foi um ambietalista, naturalista amador, guerrilheiro ecológico e documentarista que viveu entre os ursos do Parque Nacional Katmai, no Alaska.
Apesar de viver entre os ursos sem nenhuma proteção por 13 verões, quando estava prestes a voltar à civilização, ele e a namorada AMie Huguenard foram mortos por um urso.
Alguns o chamaram de idealista ingênuo, mas Treadwell lutou para proteger o habitat que amava com ativismo e documentação. A história dele foi imortalizada no documentário “Grizzly Man”.

Henry David Thoreau
O famosos escritor americano, Henry David Thoreau, era naturalista, filósofo e crítico do desenvolvimento. Em seu livro “Walden”, ele escreveu sobre o período de isolamento que viveu em uma cabana ao lado de Walden Pond, em Massachusetts.
Thoreau retornou para a civilização após o período em Walden, mas propôs se isolar novamente da sociedade para ganhar maior compreensão sobre isso. Seu trabalho é reconhecido como uma declaração pessoal de independência, uma viagem espiritual de descoberta e um manual de autossuficiência.

Ted Kaczynski
Mais conhecido como o Unabomber infame, Kaczynski é um primitivista que assumiu suas críticas à civilização e à tecnologia ao extremo. Ele foi um professor universitário de carreira promissora da Universidade da Califórnia, em Berkeley, mas sua instrução educacional não o impediu de viver em uma cabana remota, sem água encanada ou eletricidade, na selvagem Montana.
Lá, Kaczynski começou uma campanha de bombardeamento. Ele enviou 16 bombas mirando universidades e aviões, matando três pessoas e ferindo 23. A justificativa para suas ações foram descritas em seu manifesto intitulado Sociedade Insdustrial e o seu Futuro.
Atualmente, ele está cumprindo prisão perpétua sem condicional em uma prisão federal norte-americana.

Noah John Rondeau
Rondeau foi um eremita muito conhecido que escapou da sociedade para morar nos altos picos de Adirondack, em Nova York. Antes de se retirar para a casa remota, aos 46, Rondeau afirmou que “não estava bem satisfeito com o mundo e as novas tendências”.
Embora tenha permanecido isolado, Rondeau ocasionalmenre aceitava visitantes e ainda tocava violino para eles. Infelizmente, teve que se mudar de casa mas, ainda na mesma cidade, morreu em 1967 de velhice.

Paul Gauguin
O artista pós-impressionista Paul Gauguin foi um pintor e escritor conhecido pelo estilo primitivo e filosofia. Em 1891, frustrado pela falta de reconhecimento em casa e a má condição de vida, ele decidiu viajar para os trópicos e fugir da civilização europeia onde “tudo é artificial e convencional”.
Ele passou seus últimos dias vivendo no Tahiti e Ilhas Marquesas, onde se aliou aos nativos e entrou em confronto com as forças coloniais. Seu trabalho foi bastante influenciado pelo ponto de vista dos polinésios.

Os padres do deserto
Escapar da civilização preconceituosa em busca da pureza espiritual da natureza foi a maior motivação de muitos monges e fanáticos de vários credos e religiões ao longo da história, em busca de Deus e iluminação.
Um exemplo dos “Padres do Deserto” foram os cristãos eremitas do terceiro século, que abandonaram cidades “pagãs” para viver na solidão do deserto no Egito. Entre os mais conhecidos estava Antônio, o Grande, que foi o primeiro a ir diretamente para o deserto, uma mudança drástica que contribuiu para a sua fama.
*Com informações da Mother Nature Network
(EcoD)
Fonte: http://mercadoetico.terra.com.br/30/05/2012

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Ars procrastinaria

Antonio Prata*
Temos pressa. Trabalhar é importante. Vagabundear é urgente. Procrastinar, não, minha gente 

PROCRASTINAR, SEGUNDO o "Houaiss", é "transferir para outro dia ou deixar para depois; adiar, delongar, postergar, protrair". Mas o que sabem os dicionários? Bichos afoitos, na ânsia de engolir o mundo, mal têm tempo de mastigar cada palavra, de extrair delas todo o sabor e os nutrientes, de modo que a definição acima diz tanto sobre a complexa arte da embromação quanto "forma de interação psicológica ou psicobiológica entre pessoas, seja por afinidade imanente, seja por formalidade social" explica o "amor".
Percebo, porém, que divago. Em vez de encarar o dever proposto no título e falar sobre a procrastinação, a pratico: passeio por enfadonhos arrabaldes, perco-me nas borradas fronteiras da linguagem e do coração. Tudo bem, não há razão para me afligir, pois as crônicas são redondas como a Terra, e às vezes é indo para trás que chegamos ali na frente. Se o parágrafo anterior fugiu à teoria, serve ao menos como demonstração prática do que entendo por procrastinar: adiar alguma obrigação chata arrumando outra atividade igualmente tediosa para pôr em seu lugar.
Veja, caro leitor: ir ao cinema em vez de trabalhar não é procrastinação. É vagabundagem, no melhor sentido do termo. Fazer sexo num sábado de manhã, quando se deveria pendurar estantes, não é procrastinação: é sabedoria, compreensão de que a vida é breve, é besta e que os instintos são muito mais importantes que as estantes. Já abrir o site do banco e ficar digitando a infinita sequência numérica do código de barras de uma conta de luz que só vence no fim de junho, quando se está cheio de trabalho para amanhã, eis o mais nítido retrato da procrastinação. Pois essa praga dispersória é filha de Deus com o Diabo, é um pecado que já vem com penitência. O procrastinador só se permite gozar o adiamento do trabalho maltratando-se no interlúdio. Troca-se de aborrecimento, mais do que dele se desvia; eis como o saci da procrastinação oculta sua presença e surrupia nosso tempo, nossa vida.
Quantas vezes, atrasado na escrita, me pego limpando o antispam, arrumando papéis na gaveta, aceitando solicitações de amizade no Facebook, lendo, na internet, uma matéria sobre a tendência de queda nos juros do financiamento imobi-liário? Nunca, no entanto, nessas inconscientes delongas, me encontro gargalhando com uma crônica do Verissimo, tomando sol no quintal, assistindo a um antigo episódio de "Seinfeld", ouvindo um disco de ska.
A procrastinação é um mal, meus caros, não por arrancar-nos do trabalho, mas por nos grilar o ócio. Não é aferrando-me à labuta, portanto, que pretendo combater este vício, mas buscado forças para me entregar totalmente à lassidão. Da próxima vez que me flagrar pagando conta de luz às duas da tarde, vou desligar o computador, fechar os olhos e repetir os versos de Fernando Pessoa: "Ai que prazer/ Não cumprir um dever,/ Ter um livro para ler/ E não o fazer!/ Ler é maçada,/ Estudar é nada./ O sol doira/ Sem literatura./ O rio corre, bem ou mal/Sem edição original./ E a brisa, essa/ De tão naturalmente matinal,/ Como tem tempo não tem pressa...".
Nós temos pressa. Trabalhar é importante. Vagabundear é urgente. Procrastinar, não, minha gente. 
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* Escritor. Cronista da Folha
antonioprata.folha@uol.com.br
@antonioprata
Fonte: Folha on line, 30/05/2012
Imagem da Internet 

Hino ao Espírito Santo, de Edith Stein

El Greco
ImagemNum clima místico, poucos meses antes da sua deportação para Auschwitz, nasce uma das mais belas orações de Edith Stein, Santa Benedita da Cruz. Um hino ao Espírito Santo. Foi o seu «último pentecostes».

I
Quem és tu,
Doce luz que me preenche
e ilumina a obscuridade do meu coração?
Conduzes-me como a mão de uma mãe
E se me soltasses,
não saberia nem dar mais um passo.
És o espaço que envolve todo meu ser e o encerra em si.
Se Fosse abandonado por ti
cairia no abismo do nada,
de onde tu o elevas ao Ser.
Tu, mais próximo de mim que eu mesmo
e mais íntimo que minha intimidade,
E, sem dúvida,
permaneces inalcançável e incompreensível,
E que faz brotar todo nome:
Espírito Santo — Amor eterno!

II
Não és Tu
O doce maná
que do coração do Filho flui para o meu,
alimento dos anjos e dos bem aventurados?
Aquele que da morte à vida se elevou,
Também a mim despertou a uma nova vida
Do sono da morte.
E nova vida me doa
Dia após dia.
E um dia me cumulará de plenitude.
Vida de minha Vida.
Sim, Tu mesmo,
Espírito Santo, – Vida Eterna!

III
Tu és o raio
que cai do Trono do Juiz eterno
e irrompe na noite da alma,
que nunca se conheceu a si mesma?
Misericordioso e impassível
penetras nas profundezas escondidas.
Se ela se assusta ao ver-se a si mesma,
Concedes lugar ao santo temor,
princípio de toda sabedoria
que vem do alto,
e no alto com firmeza nos unes à tua obra,
que nos faz novos,
Espírito Santo — Raio penetrante!

IV
Tu és a plenitude do Espírito
e da força
com a qual o Cordeiro rompe o selo
do segredo eterno de Deus?
Impulsionados por ti
os mensageiros do Juiz
cavalgam pelo mundo
e com espada afiada separam
o reino da luz do reino da noite.
Então surgirá um novo céu
E uma nova terra,
e tudo retorna ao seu justo lugar
graças a teu alento:
Espírito Santo — Força triunfante!
Imagem 
Anthony van Dyck

V
Tu és o mestre construtor da catedral eterna
que se eleva da terra aos céus?
Por ti vivificadas as colunas se elevam
Para o alto e permanecem imóveis e firmes.
Marcadas com o nome eterno de Deus
se elevam para a luz
sustentando a cúpula,
que cobre, qual coroa,
a santa catedral,
tua obra transformadora do mundo,
Espírito Santo — Mão criadora!

VI
Tu és quem criou o claro espelho,
Próximo ao trono do Altíssimo,
como um mar de cristal
aonde a divindade se contempla amando?
Tu te inclinas
sobre a obra mais bela da criação,
e resplandecente te ilumina
com teu mesmo esplendor.
E a pura beleza de todos os seres,
Unida à amorosa figura da Virgem,
tua esposa sem mancha:
Espírito Santo — Criador do Universo!
Imagem 
Emil Nolde

VII
Tu és o doce canto do amor
e do santo recato,
que eternamente ressoa
diante do trono da Trindade,
e desposa consigo os sons puros de todos os seres?
A harmonia
que une os membros com a Cabeça,
onde cada um encontra feliz
o sentido secreto de seu ser,
e jubilante irradia,
livremente desprendido em teu fluir:
Espírito Santo — Júbilo eterno!
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Santa Benedita da Cruz
In Pátio dos Gentios
© SNPC | 29.05.12
Fonte: Site Português:  http://www.snpcultura.org/30/05/2012

O importante é ter charme

 MARTHA MEDEIROS*

Amanhã é o Dia Mundial sem Tabaco, data impensável nos anos 70, quando fumar ainda era uma atitude de classe. Não por acaso, uma das marcas mais vendidas chamava-se Charm, que contava com garotas-propaganda do quilate de Danuza Leão, Adalgisa Colombo e Ilka Soares, todas mulheres de personalidade, reconhecidas por sua beleza e sofisticação. Mesmo quem não fumava tinha vontade.

Em 20 anos, todo esse glamour virou fumaça. Acender um cigarro passou a ser uma atitude deselegante, que não agrega nada de positivo à imagem daquele que dá suas baforadas. Outro dia, estava dentro do meu carro, esperando o sinal abrir, quando uma senhora chique, com os cabelos brancos bem cortados, de porte monárquico, começou a atravessar pela faixa. Minha admiração murchou quando reparei que a rainha estava dando suas últimas e aflitivas tragadas antes de entrar em um shopping. Fumar caminhando na rua já é feio, e pra completar, a madame jogou a bituca no chão. Muita gente já não joga lixo no chão (amém), mas parece que a regra não vale para o cigarro. Largam em qualquer lugar, pisam em cima e vão em frente.

A propaganda tabagista saiu do ar, e o charme também – não o cigarro, mas o atributo. Ninguém mais acha importante ter charme.

Não jogar lixo na rua é uma questão de educação, sei disso, mas ser educado também é uma atitude charmosa. Ainda mais nos dias atuais, em que a grosseria impera, as pessoas são folgadas, os gestos são espalhafatosos, o tom de voz é alto, a megalomania é indisfarçada, a falta de cerimônia é geral. Não há mais espaço para a sutileza, para o pedido de licença, para as atitudes suaves, para a discrição. Adeus à vida em slow, a uma presença insinuada e sensual. Agora tudo acontece sob os holofotes, é escancarado, gritado, a atenção é requerida à força.

A distorção de valores chegou a tal ponto, que pessoas discretas são consideradas arrogantes, os modestos são vistos como dissimulados e os que não se rendem a modismos são tachados de esnobes. Ser autêntico – requisito número 1 para se ter charme – virou ofensa. Ou a criatura faz parte do rebanho, ou é um metido a besta.

A cena clássica da mulher fatal segurando uma piteira e a do homem viril com o toco de cigarro no canto da boca ainda povoam o imaginário dos nostálgicos, mas o importante é ter charme, hoje, sem precisar de acessórios.

O modo de mexer no cabelo, uma fala pausada, um olhar direto, um sorriso espontâneo, a segurança de não precisar se valer de estereótipos para agradar – charme. Bom gosto nas escolhas, saber a hora de sair de cena, fazer as coisas do seu jeito – charme. Estar confortável no corpo que habita, ter as próprias opiniões, alimentar sua inteligência com livros e pessoas interessantes – charme. Não se mumificar, não ser tão inflexível, não virar uma caricatura de si mesmo – charme. Que o mantenhamos, sem precisar voltar a fumar.
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* Escritora. Cronista da ZH. 
Fonte: ZH on line, 30/05/2012
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terça-feira, 29 de maio de 2012

''O Vaticano continua sendo uma corte medieval''.

  Entrevista com Hans Küng

"É uma situação muito grave e dolorosa e, como dizemos em alemão, faltam cinco minutos para a meia-noite: o tempo máximo ainda não terminou para salvar a Igreja e a Fé do sistema da Cúria Romana". O professor Hans Küng, talvez o teólogo mais rebelde do nosso tempo, foi, em sua juventude, amigo e companheiro de estudos de Bento XVI. Aqui, ele analisa o escândalo do Vaticano.

A reportagem é de Andrea Tarquini, publicada no jornal La Repubblica, 28-05-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis a entrevista.

Professor Küng, o quão grave é, segundo o senhor, a situação criada no Vaticano com o escândalo do vazamento de notícias?


É triste quando, justamente coincidindo com a festa do Espírito Santo, ficamos sabendo, no Vaticano, de tantos eventos e comportamentos ocorridos lá, que na verdade não são exatamente algo santo nem sagrado. Os escândalos relacionados ao vazamento de notícias confidenciais por obra do ajudante de quarto, as questões que atingiram o banco IOR e também, ao mesmo tempo, a intenção aparente do Papa Bento XVI de ir rumo à reconciliação com a Fraternidade de São Pio X [os seguidores ultraconservadores de Dom Lefebvre], em minha opinião, tudo isso, infelizmente, é um conjunto de eventos, escolhas, tendências que fazem parte de um todo. Não são casos isolados uns dos outros.

E que opinião o senhor amadureceu dessa situação, que o senhor descreve justamente como uma coincidência de eventos relacionados uns aos outros?

Todos esses eventos parecem ser sintomas da crise de um sistema inteiro em seu conjunto. Eu falo do sistema da Cúria Romana, do sistema romano, de cujas características negativas toda a Igreja Católica sofre, no mundo inteiro. E, naturalmente, esses eventos contemporâneos dão a impressão de uma incapacidade papal. De um pontífice incapaz. A respeito disso, recém escrevi um livro, Salviamo la Chiesa, que está para ser lançado na Itália. O que me preocupa é aprofundar a problemática da indispensável reforma da Igreja.

O senhor também entrevê, como pano de fundo, um problema pessoal para Bento XVI?

Seguramente sim. Há também isso. Ele dedica horas e horas, todos os dias, à escrita de livros, em vez de governar a Igreja. E, nas fileiras da Cúria, está difundida a opinião de que ele não governa. Se queria escrever livros, o melhor era ter permanecido como um grande professor e teórico.

Por que o senhor fala ao mesmo tempo de crise estrutural, de sistema?

Porque a estrutura e a organização da Cúria Romana busca facilmente, mas em vão, nos enganar, esconder o fato-chave: que o Vaticano, em seu núcleo, continua sendo, ainda hoje, uma Corte. Uma Corte em cuja cúpula ainda se senta um reinante absoluto, com trajes e ritos medievais, barrocos e às vezes modernos e tradições cristalizadas, costumes. No seu coração, o Vaticano continua sendo uma sociedade de Corte, dominada e marcada pelo celibato masculino, que se governa com um código próprio de etiquetas e atmosferas. E, quanto mais você se aproxima do príncipe reinante subindo na carreira eclesiástica, menos valem ou contam, na primeira linha, a sua competência, a sua força de caráter, as suas capacidades e talentos, mas conta, ao contrário, que você tem um caráter maleável, com uma capacidade de se adaptar sobretudo aos desejos do reinante. É só ele, o reinante, estabelece se você é persona grata ou, ao invés, persona non grata.

E, mais especificamente, os problemas do Banco Vaticano?

O Vaticano vive em grande parte de doações dos fiéis, das receitas das dioceses. E ele administra bilhões de euros de economias de instituições eclesiásticas, de ordens e de dioceses de todo o mundo, e coloca os lucros à disposição do papa. O que foi pedido ao Kremlin pode ser pedido também ao Vaticano: primeiro, a glasnost, isto é, transparência. O Vaticano deveria se preocupar, em primeiro lugar, com a transparência dos negócios financeiros perante a opinião pública. E, segundo, a perestroika, reconstrução, reestruturação. O Vaticano deveria reestruturar as suas finanças e reorientar os fins da sua política financeira. E, por fim mas não por último, a reconciliação com a ordem de Pio X. O papa acolheria definitivamente na Igreja bispos e sacerdotes cuja consagração não é válida. Com base na Constituição Apostólica de Paulo VI Pontificalis romani recognitio, do dia 18 de julho de 1968, as ordenações sacerdotais e episcopais realizadas por Lefebvre são não só ilícitas, mas também nulas. Em vez de se reconciliar com essa irmandade ultraconservadora, antidemocrática e antissemita, o papa deveria se preocupar com a maioria dos católicos que está pronta para as reformas e com a reconciliação com todas as Igrejas reformadas e com todo o âmbito ecumênico. Assim, ele uniria ao invés de dividir.

De acordo com uma análise tão pessimista, não é tarde para salvar esse pontificado e a credibilidade do Vaticano?

Faltam apenas cinco minutos para a meia-noite, mas ainda não bateu a meia-noite. Um único ato construtivo de reformas lançado por esse papa ajudaria a restabelecer a confiança. Eu espero que o meu ex-colega Joseph Ratzinger não fique na História da Igreja como um papa que não fez nada pela reformar a Igreja.
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Fonte: IHU on line, 29/05/2012

Sexta Carta às Esquerdas

Boaventura de Sousa Santos*

 

Não estando o socialismo, por agora, na agenda política — mesmo na América Latina a discussão sobre o socialismo do século XXI perde fôlego — as esquerdas parecem dividir-se sobre os modelos de capitalismo. À primeira vista, esta divisão faz pouco sentido. Mas, de fato, não é assim.

Historicamente, as esquerdas dividiram-se sobre os modelos de socialismo e as vias para os realizar. Não estando o socialismo, por agora, na agenda política — mesmo na América Latina a discussão sobre o socialismo do século XXI perde fôlego — as esquerdas parecem dividir-se sobre os modelos de capitalismo. À primeira vista, esta divisão faz pouco sentido pois, por um lado, há neste momento um modelo global de capitalismo, de longe hegemónico, dominado pela lógica do capital financeiro, assente na busca do máximo lucro no mais curto espaço de tempo, quaisquer que sejam os custos sociais ou o grau de destruição da natureza. Por outro lado, a disputa por modelos de capitalismo deveria ser mais uma disputa entre as direitas do que entre as esquerdas.

De fato, assim não é. Apesar da sua globalidade, o modelo de capitalismo agora dominante assume características distintas em diferentes países e regiões do mundo e as esquerdas têm um interesse vital em discuti-las, não só porque estão em causa as condições de vida, aqui e agora, das classes populares que são o suporte político das esquerdas, como também porque a luta por horizontes pós-capitalistas — de que algumas esquerdas ainda não desistiram, e bem — dependerá muito do capitalismo real de que se partir.

Sendo global o capitalismo, a análise dos diferentes contextos deve ter em mente que eles, apesar das suas diferenças, são parte do mesmo texto. Assim sendo, é perturbadora a disjunção atual entre as esquerdas europeias e as esquerdas de outros continentes, nomeadamente as esquerdas latino-americanas. Enquanto as esquerdas europeias parecem estar de acordo em que o crescimento é a solução para todos os males da Europa, as esquerdas latino-americanas estão profundamente divididas sobre o crescimento e o modelo de desenvolvimento em que este assenta.

Vejamos o contraste. As esquerdas europeias parecem ter descoberto que a aposta no crescimento econômico é o que as distingue das direitas, apostadas na consolidação orçamental e na austeridade. O crescimento significa emprego e este, a melhoria das condições de vida das maiorias.

Não problematizar o crescimento implica a ideia de que qualquer crescimento é bom. É uma ideia suicida para as esquerdas. Por um lado, as direitas facilmente a aceitam (como já estão a aceitar, por estarem convencidas de que será o seu tipo de crescimento a prevalecer). Por outro lado, significa um retrocesso histórico grave em relação aos avanços das lutas ecológicas das últimas décadas, em que algumas esquerdas tiveram um papel determinante. Ou seja, omite-se que o modelo de crescimento dominante é insustentável. Em pleno período preparatório da Conferência da ONU Rio+20, não se fala de sustentabilidade, não se questiona o conceito de economia verde mesmo que, para além da cor das notas de dólar, seja difícil imaginar um capitalismo verde.

Em contraste, na América Latina as esquerdas estão polarizadas como
nunca sobre o modelo de crescimento e de desenvolvimento. A voracidade da China, o consumo digital sedento de metais raros e a especulação financeira sobre a terra, as matérias-primas e os bens alimentares estão a provocar uma corrida sem precedentes aos recursos naturais: exploração mineira de larga escala e a céu aberto, exploração petrolífera, expansão da fronteira agrícola. O crescimento econômico que esta corrida propicia choca com o aumento exponencial da dívida socio-ambiental: apropriação e contaminação da água, expulsão de muitos milhares de camponeses pobres e de povos indígenas das suas terras ancestrais, deflorestação, destruição da biodiversidade, ruina de modos de vida e de economias que até agora garantiram a sustentabilidade.

Confrontadas com esta contradição, uma parte das esquerdas opta pela oportunidade extrativista desde que os rendimentos que ela gera sejam canalizados para reduzir a pobreza e construir infraestruturas. A outra parte vê no novo extrativismo a fase mais recente da condenação colonial da América Latina a ser exportadora de natureza para os centros imperiais que saqueiam as imensas riquezas e destroem os modos de vida e as culturas dos povos. A confrontação é tão intensa que põe em causa a estabilidade política de países como a Bolívia ou o Equador.

O contraste entre as esquerdas europeias e latino-americanas reside em que só as primeiras subscreveram incondicionalmente o “pacto colonial” segundo o qual os avanços do capitalismo valem por si, mesmo que tenham sido (e continuem a ser) obtidos à custa da opressão colonial dos povos extraeuropeus. Nada de novo na frente ocidental enquanto for possível fazer o outsourcing da miséria humana e da destruição da natureza.

Para superar este contraste e iniciar a construção de alianças transcontinentais seriam necessárias duas condições. As esquerdas europeias deveriam pôr em causa o consenso do crescimento que, ou é falso, ou significa uma cumplicidade repugnante com uma demasiado longa injustiça histórica. Deveriam discutir a questão da insustentabilidade, pôr em causa o mito do crescimento infinito e a ideia da inesgotável disponibilidade da natureza em que assenta, assumir que os crescentes custos socio-ambientais do capitalismo não são superáveis com imaginárias economias verdes, defender que a prosperidade e a felicidade da sociedade depende menos do crescimento do que da justiça social e da racionalidade ambiental, ter a coragem de afirmar que a luta pela redução da pobreza é uma burla para disfarçar a luta que não se quer travar contra a concentração da riqueza.

Por sua vez, as esquerdas latino-americanas deveriam discutir as antinomias entre o curto e o longo prazo, ter em mente que o futuro das rendas diferenciais geradas atualmente pela exploração dos recursos naturais está nas mãos de umas poucas empresas multinacionais e que, no final deste ciclo extrativista, os países podem estar mais pobres e dependentes do que nunca, reconhecer que o nacionalismo extractivista garante ao Estado receitas que podem ter uma importante utilidade social se, em parte pelo menos, forem utilizadas para financiar uma política da transição, que deve começar desde já, do extrativismo predador para uma economia plural em que o extrativismo só seja útil na medida em que for indispensável.

As condições para políticas de convergência global são exigentes mas não são impossíveis e apontam para opções que não devem ser descartadas sob pretexto de serem políticas do impossível. A questão não está em ter de optar pela política do possível contra a política do impossível. Está em saber estar sempre no lado esquerdo do possível.
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*Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).
Fonte:  http://www.cartamaior.com.br/29/05/2012
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Palavras proibidas revelam desejos inconscientes

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Noam Chomsky e James W. Pennebaker esclarecem como estas proibições podem afetar a manutenção do preconceito

Freud é conhecido por grande parte da população por seus estudos sobre a sexualidade e sua investigação dos significados dos sonhos. Uma de suas maiores contribuições, porém, foi para o campo da psicolinguística, área que estuda os fenômenos da língua e seus significados. Para ele, erros e deslizes comuns na fala denunciavam os verdadeiros motivos ou medos do falante.
Em uma leva de mudanças na língua e no comportamento social, países têm proibido o uso de determinadas palavras. É o caso da França que recentemente decidiu excluir dos documentos oficiais a palavra Mademoiselle (senhorita), que denunciaria o estado civil da mulher. Enquanto a palavra Monsieur (senhor) não designaria a situação matrimonial. A iniciativa, segundo o governo, visa contribuir para o fim da discriminação entre homens e mulheres.
Para o linguista norte-americano Noam Chomsky, deletar ou proibir o uso de uma palavra não acaba com o preconceito em si. “[Deletar uma palavra] pode até mesmo ter um impacto negativo, estimulando a raiva pela esforço de suprimir pontos de vista, que por mais que nós possamos nos opor, são defendidos com compromisso e, geralmente, paixão. Supressão não é a abordagem correta;  e sim educação”, diz em entrevista por e-mail ao Opinião e Notícia.
James W. Pennebaker, chefe do departamento de psicologia da Universidade do Texas, nos Estados Unidos, acredita ser difícil definir como o não-uso de uma palavra afeta um comportamento. “Existem evidências de que o modo como usamos as palavras para nos referirmos a determinado grupo pode influenciar o que pensamos sobre este grupo. O problema é que a própria maneira como nós começamos a mudar o nosso pensamento sobre esse grupo também afeta como nos referimos a esse grupo”, explica em entrevista ao Opinião e Notícia.
O Brasil também tem se posicionado em relação ao uso de palavras que privilegiem uma visão mais igualitária. É o caso recente da polêmica envolvendo determinadas acepções da palavra “cigano” no dicionário Houaiss: burlador; aquele que trapaceia; sovina. Apesar de a publicação explicitar que se trata de uso pejorativo, o Ministério Público Federal considera as expressões preconceituosas e ofensivas e, por isso, entrou com uma ação na Justiça Federal em Uberlândia, Minas Gerais, para proibir a circulação do livro.
Essa discussão, para o professor Pennebaker, revela tabus e mudanças culturias na sociedade. “Nós podemos observar com o que a sociedade está preocupada se eles começam a falar muito sobre determinado assunto ou, em alguns casos, se eles param de falar sobre isso quando deveriam estar debatendo mais sobre o tema”, diz. “A sociedade muda sua fala e escrita dependendo das questões culturais vividas no momento. Após os ataques de ‘11 de setembro’, por exemplo, as pessoas mudaram radicalmente o uso de pronomes em blogs”, conclui.
Os termos favela e comunidade são outras palavras que tiveram seu uso modificado ao longo dos anos, como mostra o estudo do jornalista Átilas Campos. No Rio de Janeiro, as favelas eram vistas como espaços urbanos marginalizados até meados da década de 1980. A partir de então, o governo estadual adotou a política de urbanização das favelas – e não mais sua remoção.
O Plano Diretor de 1992 criou a definição oficial do que seria favela. Assim, os espaços favorecidos pelo programa “Favela Bairro”, implementado em 1994, passaram a não ser mais considerados favelas, segundo o próprio Plano Diretor. Apesar de o termo comunidade começar a ser mais utilizado, atualmente, por convenção, designa apenas as favelas que foram pacificadas e receberam a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Muitos desses locais, porém, se enquadram ainda como favela, de acordo com a definição adotada pelo Plano Diretor.
“Pessoalmente, não acredito que comunidade seja um termo melhor do que favela. A palavra apenas não carrega consigo a carga pejorativa que envolve favela. Em um primeiro momento, fiquei intrigado que o termo comunidade não é utilizado em referências aos bairros originalmente constituídos – como Leblon, Copacabana, Madureira, Campo Grande. Quando se ouve alguém falar em comunidade, sabe-se que ela está se referindo a uma favela”, fala ao Opinião e Notícia.
O que podemos perceber, segundo Campos, é que a integração desses espaços à cidade promoveu o uso do termo comunidade pelo poder público e pela mídia, como forma de amenizar o estigma em torno da palavra favela e contribuir para a produção do imaginário social de que as favelas e seus moradores estariam integrados à cidade.
Seja senhorita, cigano ou favela, o uso ou a proibição revelam o poder que as palavras têm – ainda subestimado por nós. Se os conceitos expressos por esses termos designam algo ‘pejorativo’ conscientemente, por outro lado não são acepções que bastam por si. Elas estão inseridas em um contexto cultural, social, temporal distintos e são modificadas segundo os nossos desejos inconscientes.
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Reportagem  por Layse Ventura
Fonte:  http://opiniaoenoticia.com.br/29/05/2012

Somos antropófagos ou autofágicos?

Carlos Roberto Spehar*
 
No mundo moderno, ao analisar a condição humana, nos deparamos com variantes que desafiam, em essência, as manifestações mais puras da alma. Avançamos, experimentamos grande progresso, porém sem nos livrar do contraditório.

Quando se evidencia a venda de esperança, no meio religioso e político, em nome da solução dos males individuais, tão comum, seja por ignorância ou por impossibilidade, percebemos que a sociedade humana está longe de atingir o seu ponto de equilíbrio.

Essa é a realidade da organização social em que vivemos. Somos capazes de realizar, em escala, o que na geração passada parecia impossível. Temos canais de comunicação poderosos. Trazemos o mundo para o ambiente confortável, onde quer que estejamos. Que espetáculo se descortina e quantos outros estão por vir! Nada mais é segredo ou restrito.

Por conquistas subsequentes somos mais poderosos e submissos: ao tempo, às conquistas mesmas e ao sucesso pessoal, num ambiente de dualidade. Temos de superar o outro, não mais nosso semelhante. Na percepção da geração antecessora, temos tudo o que se almejaria para ser feliz. Ainda assim, sofremos de estresses cruéis, fruto de nossas ambições, proporcionalmente maiores. Essa sede insaciável nos tem mudado para pior.

Por ameaçarmos o outro e vice versa, dormimos menos, queremos mais e sem perda de tempo e tréguas. O mundo virtual nos veste de poderes muito além dos limites físicos. Não é incomum, que alguns jovens experimentem hipertensão, fruto da falta de tempo e dos desajustes da saúde a ele relacionados. São inúmeros sinais de fadiga, resultantes da opção de competir, hoje com sensação de mais poder.

Isso ocorre no nível de sociedade. Por exemplo, temos necessidades que só se realizam apoiadas no trabalho dos outros. Entre e dentro de nações, povos e países o fenômeno adquire a força de tsunami. Donde, muito do conforto moderno depende da apropriação do esforço alheio. Não desfrutaríamos tanto se muitos, trabalhando por bem menos do que ambicionamos, não estivessem por trás. Vejam-se as contradições no mundo, a despeito do aumento da eficiência.

Quantos bens nos chegam dessa forma; poucos paramos para analisar as circunstâncias. Possivelmente, saem da condição subumana, à qual não temos tempo de perceber.  Pessoas que antes viviam ainda pior realizam um pouco de avanço; elas se contentam e nós nos beneficiamos. Pelas razões apresentadas, conclui-se que somos autofágicos e antropófagos ao mesmo tempo. É só analisar as diferenças dentro de países e nações e as relações entre eles.

Concordamos com esse cenário; convivemos com a desigualdade que passa a ser imprescindível. Contudo, o sacrifício do sonho alheio a favor do nosso será como um tiro no próprio pé. As desigualdades nos ameaçarão em um crescendo infindo. Portanto, o mundo do futuro depende cada vez mais do agora. Mas, imersos em projetos pessoais exclusivos, deixamos de perceber o valor da solidariedade, sem o que estaremos em constantes jogos de incertezas.
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*Professor da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Brasília. Artigo enviado ao JC Email pelo autor.
Fonte: http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=82617 - 29/05/2012
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Novo mico da Veja?

Juremir Machado da Silva*

<br /><b>Crédito: </b> ARTE JOÃO LUIS XAVIER
Se o ex-presidente Lula realmente tentou fazer um toma-lá-dá-cá com o ministro Gilmar Mendes, do STF, ele pisou feio na bola. Oferecer blindagem na CPI do Cachoeira em troca do adiamento do julgamento do mensalão é entrar de sola. Merece cartão vermelho. Claro que a população ficou interessada em saber mais sobre a tal viagem do pomposo togado a Berlim nas águas do Cachoeira. Mendes garante que foi com o seu próprio dinheiro e que Berlim é São Bernardo do Campo para ele. Não duvido. Num caso desses, Lula teria retrocedido ao velho "Lulla". O petismo revigorado anda apregoando que não houve mensalão e que tudo não passou de intriga do Cachoeira. É dose para rinoceronte. O Brasil poderia fazer um coro para Lulla: "Por que não te calas?". Cuida da tua garganta.

O mensalão existiu e precisa ser passado a limpo. É aconselhável que os mensaleiros sejam punidos. Todos os mensaleiros. Nessa guerra de mídia e de partidos, o interessante é ver como alguns assuntos incendeiam a mente de uns e deixam outros com cara de paisagem. Lula cumpriu um papel decisivo na política brasileira. Brilhou nos gramados da política nacional como um Pelé. Na seleção brasileira da política de todos os tempos, Lula e Getúlio Vargas vestem as camisas nove e dez. Não tem para ninguém. Só que chega a hora de pendurar as chuteiras. Lula não precisa sair do estádio. Pode palpitar, fazer comentários, ajudar com a sua experiência e sabedoria. Mas já não pode nem deve ser titular. O seu tempo passou, assim como no futebol já se foi a época do 4-3-3, dos ponteiros abertos, dos dribles quase sem marcação e do triunfo do jeitinho e da malandragem. Os tempos são outros. A bola está com Dilma Rousseff. A criatura vem superando o seu criador. É a jogadora certa para agora.

Lula fez a sua parte. Questão de estilo. O jogo agora é outro. Mais vertical. Menos sinuoso. No lance do Código Florestal, por exemplo, Dilma mostrou a sua maneira de atuar. Não deu um chocolate nem fez gol da placa. Jogou com o regulamento embaixo do braço. Chamou a atenção da mídia internacional. Lula teria embolado mais o jogo. Dilma emplacou a Comissão da Verdade que Lula deixou no banco de reservas. Dilma dispensou quase um time inteiro de ministros. Lula, como certos árbitros, deixava o jogo correr mais, indiferente a certos contatos mais chocantes. Essa malemolência foi útil para driblar resistências e marcações mais duras em certo momento. Agora, no entanto, o que se quer é aprofundar o estilo Dilma: toque rápido, posicionamento mais frontal, lançamentos longos. O PT precisa fazer o luto do passado, aceitar as punições cabíveis e botar a bola no chão.

Quem compreendeu a regra do jogo só falta exclamar: "Lula, deixa a bola com a Dilma, que ela resolve". Vai, Lula, é hora de entrar na Gaviões da Fiel. Tudo isso deveria ser dito assim não houvesse um mas: o ex-ministro Nelson Jobim, em cujo escritório teria acontecido o papo entre Lula e Gilmar Mendes, diz que não houve conversa alguma. Lula e Gilmar nem teriam ficado a sós. Sepúlveda Pertence, que seria encarregado por Lula de aumentar a pressão sobre o STF, também nega qualquer pedido. Quem está mentido? Gilmar? Jobim? Veja? De novo? Mais um mico.
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* Sociólogo. Escritor. Cronista do Correio do Povo. Tradutor. Prof. Universitário.
juremir@correiodopovo.com.br
 Crédito: ARTE JOÃO LUIS XAVIER 
Fonte: Correio do Povo online, 29/08/2012

O Deus de Etty Hillesum

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A vida como um grande diálogo
Dialogar no grande átrio do quotidiano, onde indistintamente, se cruza o humano, em “carne e osso” (Husserl), é o apelo forte deste tempo. Partir da pergunta é sempre um bom começo. C.S. Lewis no seu diário interroga-se: «Porque parece assim presente (Deus) quando nós, para dizer com franqueza, não O procuramos?». E se for Ele a vir ao nosso encontro? (Jo 1,14) É necessário colocarmo-nos no modo de discernimento do mistério que se está a viver. Não há linguagem absoluta para descrever este tipo de abertura. Deus é a origem desta aproximação. A mistagogia do quotidiano, de “olhos abertos” (Metz), medeia a presença do mistério na quotidianidade.
A imagem que Etty apresenta de Deus é uma frescura de esperança no meio dos escombros. Crer em Deus significa viver de tal maneira e com tanta intensidade que não é possível viver como se Ele não existisse. «A minha vida tornou-se um diálogo ininterrupto contigo, meu Deus, um único grande diálogo» (Etty, Páginas místicas). Os seus escritos revelam um ser humano com uma rara capacidade de viver e de assumir dialogicamente em si a dor do mundo. O diálogo situa-se no drama da alteridade. É na perceção e na vivência do absurdo humano que esta hebreia faz a sua incursão no mundo de Deus, redescobrindo a fé escondida no seu «coração pensante». Na sua disposição crente não há separação entre as diversas dimensões do acreditar (fé-razão, afeto-pensamento). O encontro do homem com Deus «não tem lugar, senão no milagre e no paradoxo da fé» (Bouillard).

Ordenar os afetos
Etty sente a debilidade e a impotência para travar não só a crueldade dos acontecimentos mas também os ímpetos das suas emoções e afetos. A desorientação inicial, experiência transversal a todo o humano, não a impede de olhar o presente tensionalmente. Aprendeu a viver no «mundo que Deus criou [que] continua belo apesar de tudo» (Diário). Conhecer-se a si mesma, possuir o sentimento de si, é condição de abertura à exterioridade, ao sentimento do outro, enquanto realidade presente que a afeta. Aqui se une a feliz expressão do «coração pensante da barraca» (Diário) onde a sua presença floresce como «um ramo de amendoeira» (Jr 1,11) no meio do nada. O ser humano «é uma cana pensante» (Pascal) no qual residem razões e emoções que escapam à mensurabilidade científica.
Leitora atenta das grandes narrativas (da Sagrada Escritura a Dostoievski), de Rilke aprende o conceito de espaço interior do mundo. Isto significa conter em si a experiência de Deus e a experiência literária; manter a consciência da sua corporeidade como ser no mundo; estar diante dos outros numa atitude afetiva de compaixão vivida; dialogar abertamente com Deus; «aprender a ajoelhar-se» diante do Mistério porque «é preciso ousar pronunciar o nome de Deus» (Diário).

Poética da Esperança
Mulher atenta e entranhada nos desafios do seu tempo, Etty interroga-se sobre o novo mundo que estava a surgir. Procura uma síntese harmoniosa: «Deve manter-se o bom contacto com o efetivo mundo atual, e tentar estabelecer o nosso lugar nele […]. Viver plenamente, externa e interiormente, nada de sacrificar a realidade exterior a favor da interior, e vice-versa de igual modo, eis uma bela tarefa» (Diário). A sua vida é um tender para o amor absoluto de Deus que a desassossega radicalmente a amar absolutamente o mundo. «Estou grata por não me teres deixado ficar sossegada a esta secretaria, mas teres-me colocado no meio do sofrimento e das relações desta época» (Diário).
Uma poética da esperança que reintegra a tragicidade sem a ocultar. A sua originalidade está no modo como Etty antecipa escatologicamente a sua presença diante da iminência do sofrimento e da morte. Ela sabia o que a esperava. Mas como encarar este futuro ofuscado pela tragicidade? «Esta conjuntura da época em que vivemos é algo que consigo suportar, que posso aguentar sobre os ombros sem vergar sob o seu peso e consigo mesmo perdoar a Deus por permitir que tudo seja como provavelmente deve ser. Termos amor suficiente dentro de nós para conseguirmos perdoar a Deus» (Cartas 1941-43). Este excesso de confiança torna-a disponível para o amor humano e de exercer a sua compaixão na contingência concreta do campo de concentração de Westerbok. Sem uma preparação interior seria impossível sobreviver a tragicidade do momento.

Aprender a crer e a ver
A fé de Etty, que paulatinamente se torna teologal e oracional, é um «aprender a viver artisticamente», de tal modo que a sua «porção ateia racional e crítica» se vai desvanecendo. Aprender a viver crendo em abertura ao futuro pela via do silêncio, da solidão, da atenção, da imaginação, da leitura e da escuta. Uma cisão entre teologia e mistagogia torna inabitável o universo cristão porque nos coloca sempre na necessidade de credibilizar a nossa fé face às mutações da história. Uma mistagogia que não é reação (ao racionalismo, indiferentismo, secularismo…) mas descoberta de uma presença que nos habita e nos torna «livres para acreditar» (M.P. Gallagher) no interior da pluralidade.
É uma via que é capaz de revelar o mistério da graça nas experiências vividas e que torna explícito o que era implícito no encontro iniludível com Deus. Num rasgo da contemporaneidade, Etty descobre progressivamente a presença de Deus na sua vida. Não a antecede uma prática ou pertença religiosa. Dialoga com um Deus discreto, por vezes vulnerável, que «precisa de ajuda»! A atitude crente abre-nos para a invocação e para o encontro com a alteridade, «que lentamente vai-nos tornando capazes de ver» (Bento XVI). Um desafio a crer para quem habita na margem mas também a acreditar de novo para quem habita no centro de uma pertença religiosa!
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Reportagem por João Paulo Costa
Fonte: Site português:  http://www.snpcultura.org/o_Deus_de_etty_hillesum.html

Mística bolivariana

Marcelo Barros*
Aparentemente esses dois termos não se articulam. Mística é um termo empregado pelas religiões para designar experiências fortes e extraordinárias de intimidade com o Divino. Bolivarianismo é o movimento latino-americano, inspirado em Simon Bolívar, o grande libertador do continente. O bolivarianismo visa à plena libertação política, econômica e cultural de nossos povos, assim como uma verdadeira integração dos diversos países do continente. É o processo que atualmente ocorre em vários países do continente, como Bolívia, Equador, Venezuela e outros. O bolivarianismo propõe uma unidade que preserva a autonomia de cada país, mas impulsiona a solidariedade e a profunda consciência de pertencermos todos a uma só "pátria grande”, ou como chamou José Martí: "Nuestra América”.
É verdade que o cientista político Daniel Hellinger considera Bolívar um "santo secular”. Isso significa que ele viveu uma profunda espiritualidade humana, mesmo sem ter sido especificamente religioso. Desde o tempo de Bolívar e principalmente na segunda metade do século XX, surgiu especialmente na América Latina uma mística de olhos abertos à injustiça do mundo e ao compromisso de transformá-lo. Desde então, pessoas e comunidades vivem essa mística da solidariedade e se consagram à libertação de todos como caminho de intimidade com Deus. Outros vivem essa dedicação profunda à revolução cultural e social como algo que reflete uma experiência amorosa que as próprias pessoas não explicam, mas não as leva diretamente ao religioso.
Como afirma o cientista português Boaventura de Souza Santos: "A América Latina tem sido o continente, onde o socialismo do século XXI entrou na agenda política”(1). Esse processo de luta vem desde os tempos de Bolívar e passou por muitos momentos diversos. Muitos mártires deram a vida por isso. Desde os anos 60, em nome de sua fé e como atitude espiritual, muitos cristãos participam ativamente dessa caminhada de libertação. Em uma carta circular, enviada de Roma e escrita na noite de 16 de novembro de 1965, Dom Hélder Câmara, então arcebispo de Recife, afirma: "Monsenhor Dell’acqua, assessor e secretário especial do papa Paulo VI, entende e estimula o novo Bolivarismo, (era a forma que então se usava), no sentido do esforço conjunto para a independência econômica do continente, em articulação sempre maior com o 3º mundo... A Igreja precisa aceitar participar desse processo para colaborar com ele. Sem mística, as vaidades naturais de cada povo, os melindres e jogos de interesses não serão superados”(2).
Aí vemos que existe sim uma mística bolivariana e somos chamados a vivê-la. Ela consiste em desenvolvermos em nós um amor solidário organizado e que se concretize em um caminho político libertador. Propõe que vejamos no processo social e político emergente hoje em vários países do continente uma mediação incompleta, mas em caminho para a realização do projeto divino no mundo. E devemos, pessoalmente, viver de acordo com esse projeto. Se realizarmos isso, compreenderemos o que, no século IV, um grande místico cristão, Santo Agostinho escreveu: "Apontem-me alguém que ame e ele sente o que estou dizendo. Deem-me alguém que deseje, que caminhe neste deserto, alguém que tenha sede e suspira pela fonte da vida. Mostre-me esta pessoa e ela saberá o que quero dizer”(3).
Notas:
(1) Cf. BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, A esquerda tem o poder político, mas a direita continua com o poder econômico. In Caros Amigos, março 2010, p. 42.
(2) Cf. DOM HELDER CÂMARA, Circulares Conciliares, vol I, tomo III, Recife, CEPE, 2009, p. 253.
(3) AGOSTINHO, Tratado sobre o Evangelho de João 26, 4. Cit. por Connaissance des Pères de l’Église32- dez. 1988, capa.
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* Monge beneditino e escritor
Fonte: Adital
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Alimentos envenenam crianças

Frei Betto*
"As crianças de todas as regiões das Américas estão sujeitas à publicidade invasiva e implacável de alimentos de baixo ou nenhum valor nutricional, ricos em gordura, açúcar ou sal”, constata pesquisa da Organização Pan-Americana da Saúde (2012).
Basta olhar em volta para verificar que nossas crianças (com menos de 16 anos de idade) apresentam elevada taxa de obesidade e doenças crônicas relacionadas à nutrição, como diabetes e distúrbios cardiovasculares.
Um dos fatores que mais influenciam maus hábitos alimentares nesta faixa etária é a publicidade de produtos de baixo valor nutritivo, como cereais matinais já adoçados, refrigerantes, doces, sorvetes, salgadinhos e fast food. Eles "enchem” a barriga, trazem sensação de saciedade sem, no entanto, suprir as necessidades nutricionais básicas.
Resolução da Organização Mundial da Saúde, de maio de 2010, instou os governos a se esforçarem por restringir a promoção e a publicidade de alimentos para crianças.
O mais poderoso veículo de promoção de alimentos nocivos é a TV. Expostas excessivamente a ela, as crianças tendem a querer consumir as marcas ali anunciadas. Em geral, a propaganda cria vínculos emocionais entre o produto e o consumidor, e envolve brindes, concursos e competições.
Sob o pretexto de atividades filantrópicas nas escolas, empresas de alimentos não saudáveis aumentam seu poder de domesticação. Pesquisas brasileiras indicam que assistir TV por mais de duas horas por dia influi no aumento do índice de massa corporal em meninos.
Relatório de agência de pesquisa de mercado aponta que, no Brasil, na Argentina e no México, 75% das mães com filhos de 3 a 9 anos acreditam que a publicidade influencia os pedidos das crianças na compra de alimentos (no Brasil, 83%).
No Reino Unido, é proibida na TV a publicidade de alimentos não saudáveis. A Irlanda limita a presença de celebridades nesses anúncios e exige o uso de advertências. A Espanha desenvolveu um código autorregulatório e restringe o uso de celebridades e a distribuição de produtos no mercado.
Segundo relatório do Ministério da Saúde (2008), durante um ano, no Brasil, mais de 4 mil comerciais de alimentos foram veiculados na TV e em revistas, dos quais 72% referiam-se a alimentos não saudáveis.
No Brasil, regulamentação vigente obriga colocar advertências nos comerciais de alimentos, embora a Abia, principal associação da indústria de alimentação do país, se recuse a fazê-lo. Ela obteve liminar garantindo a não aplicação das novas regras e a decisão final depende agora da Justiça.
É preciso, pois, que famílias e escolas se dediquem à educação nutricional das crianças. Peças publicitárias devem ser projetadas em salas de aula e debatidas. Cria-se, assim, distanciamento crítico frente ao produto e melhor discernimento por parte dos consumidores.
Em São Paulo, alunos projetaram em sala de aula propagandas gravadas em casa. Após debaterem as peças publicitárias, decidiram adquirir determinada marca de iogurte. Remetido o conteúdo à análise clínica, constatou-se não conferir com as indicações contidas na embalagem. Assim, os alunos aprenderam o que significa propaganda enganosa.
A Organização Pan-Americana da Saúde recomenda que sejam anunciados, sem restrição, os alimentos naturais, aqueles nos quais não há adição de adoçantes, açúcar, sal ou gordura. São eles: frutas, legumes, grãos integrais, laticínios sem gordura ou com baixo teor, peixes, carnes, ovos, frutas secas, sementes e favas. No caso de bebidas, água potável.
Eis o dilema: enquanto famílias e escolas querem formar cidadãos, a publicidade investe na ampliação do consumismo. A ponto de, no Brasil, se admitir o uso de celebridades, como atletas, na propaganda de alimentos não saudáveis e obviamente nocivos, como bebidas alcoólicas.
É preocupante constatar que, em nosso país, o alcoolismo se inicia por volta dos 12 anos, e aumenta a ingestão de vodca na faixa etária inferior a 16 anos.
A fiscalização em bares e restaurantes é precária, e padarias e supermercados vendem, quase sem restrição, bebidas alcoólicas a menores de idade.
Mas, o que esperar de uma família ou escola que oferece na mesa e na cantina os mesmos produtos nocivos vendidos pelo camelô da esquina?
Essa é a crônica de graves enfermidades anunciadas.
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 * Escritor e assessor de movimentos sociais
Fonte: Adital
www.freibetto.org - Twitter:@freibetto.

Vandana Shiva - Fronteiras do Pensamento


 Vandana Shiva afirma que a humanidade passa por um período de incertezas Diego Vara/Agencia RBS

A humanidade passa por um período de incertezas. A principal delas é relacionada à separação do ser humano e da natureza.


Em busca de um caminho de diálogo entre sustentabilidade e justiça social, a física e ecofeminista indiana Vandana Shiva palestrou na noite de segunda-feira durante o evento Fronteiras do Pensamento, no Salão de Atos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Falando para um público ávido por caminhos para a mudança socioambiental e por respostas para a crise ecológica atual, Vandana falou sobre como o agronegócio causa uma ação devastadora na biodiversidade e nos sistemas de saber.

A palestrante agradeceu à plateia pela herança que o Estado deixou com a realização do Fórum Social Mundial (FSM):

— Estive aqui pela primeira vez para participar do FSM e digo a vocês que foi grandiosa a contribuição que deram ao mundo. A minha viagem também é para prestar um tributo para meu amigo José Lutzenberger (ambientalista, morto em 2002) e a sua região, que acreditou que um outro mundo é possível.

Vandana acredita que a humanidade passa por uma época de incertezas, e que a principal delas é relacionada à separação do ser humano e da natureza. Isso ocorre, segundo ela, porque antes o ser humano era muito dependente dos recursos da terra.


Foto: Diego Vara

— Quando eu era estudante, enfrentávamos no mundo o Apartheid, que visava a separação entre os negros e brancos. Entendo que na sociedade contemporânea ocorre o "eco apartheid", a separação do homem e da natureza — afirma.

Para Vandana, as estruturas da relação humana com a terra tem a ver com os limites impostos para a criação pelo novo sistema socioeconômico. Questionamentos sobre quem produz, onde se produz e como se produz remetem diretamente à relação do conhecimento com a ciência, e como isso se reflete na cadeia de alimentos.

A palestrante explicou que as ideias do filósofo e jurista Francis Bacon, na Royal Society, em Londres, foram inspiradas na proposta de que, até então, o conhecimento havia sido tratado como algo feminino, e que passaria a ser masculino, pela forma como se decidiu transformar a natureza em algo subserviente à economia.

Segundo Vandana, pensava-se que a visão dos índios na nova Inglaterra estava atrasando o progresso. Convergência de patriarcado com a ascensão do capitalismo tinham a ver, conforme a ecofeminista, com a morte da natureza, o que se prestava a exploração do capitalismo que a Royal Society estava querendo. Tudo isso, no século XVII.

— A fronteira da criação também está associada com a ascensão do pensamento mecânico, aquele que não vê relações entre os tipos de conhecimentos. A fronteira continua sendo reintroduzida de maneiras novas. O patenteamento da vida é uma forma de determinar novas fronteiras.
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Reportagem por 
LARA ELY
Fonte: ZH on line, 29/05/2012

Homens e mulheres em decadência

Aos 13 anos, Alice virou três doses de pinga de uma vez, para parecer mais velha e descolada na frente dos amigos. Não largou mais a muleta da bebida alcoólica. Aos 56 anos, Manoel bebeu quase três litros de cachaça após perder o emprego e brigar com a mulher. Naquele porre, acredita, firmou o longo casamento com a dependência química. Ela tão nova, ele na meia-idade. Ambos exemplificam o padrão nocivo de uso de álcool que acaba de ser detectado por uma pesquisa financiada pela Organização Mundial de Saúde. O estudo, chamado Megacity – feito nas Américas e na Europa – foi realizado no Brasil em parceria com o Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP). Foram ouvidos 5.037 adultos da região metropolitana de São Paulo. Os recortes dos dados nacionais sobre dependência de álcool em homens e mulheres foram antecipados com exclusividade ao iG Saúde e revelam percursos diferentes do vício na comparação dos gêneros.
“Enquanto no sexo feminino o maior índice de uso abusivo e de dependência de álcool está na faixa-etária mais jovem (até 24 anos), no recorte masculino essa maioria apareceu mais tarde, após os45”, afirma Camila Magalhães Silveira, autora do estudo no País e coordenadora do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa).
A diferença, inesperada pelos pesquisadores, mostra uma mudança no comportamento da população dependente, já que há duas décadas a maior parte dos abusadores homens também era concentrada em uma fase mais precoce. No passado, pontuam os especialistas, para cada cinco usuários problemáticos de álcool existia uma mulher na mesma condição. Atualmente, mostra o estudo, a razão comparativa é de 1 para 1. Elas já bebem tanto quanto eles, mas concentradas em fases distintas.
Alice, 23 anos, acumula mais de 120 meses de uso descontrolado “de toda e qualquer coisa alcoólica”, está no grupo de 6% de mulheres que antes mesmo dos 25 já apresentam problemas de saúde graves motivados pela bebida. O índice é mais do que o dobro do identificado entre as com mais de 45 anos – nesta parcela a taxa soma 2,9%.
No sexo masculino, entretanto, a curva é inversa. Os jovens com menos de 25 anos que apresentam as sequelas do consumo exagerado de cerveja, destilados e vinho somam 11,1%, contra 27,6% entre os que já completaram ou passaram dos 45 aniversários (16,5 pontos porcentuais a mais).
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Fonte:  http://www.criacionismo.com.br/2012/05/