Francisco Daudt*
Formar uma raça 'pura' de iguais é construir um desastre, é empobrecer nossas defesas e aptidões
EUGENIA É coisa de Hitler? Bem, são dois assuntos diferentes. Traduzido
direto do grego, eugenia significa "boa origem". Produzir boa origem
para nossos filhos é um desejo universal inscrito na natureza humana. É
quando a seleção natural se mistura com a artificial. Explico: a natural
não tem intenção. Ela simplesmente impede que os não adaptados ao
ambiente deixem descendentes.
Pense que extraordinário: nenhum de nossos ancestrais, nos últimos quase
quatro bilhões de anos, morreu antes de procriar, o que faz de cada um
de nós um verdadeiro milagre de sobrevivência em série. Já a seleção
artificial é intencionada: as diversas raças de cães foram forjadas por
homens que queriam caçadores, pastores, defensores de territórios
(terriers), companheiros pacíficos, cães de luta (pitbulls) ou bibelôs
(poodles, malteses etc.), a partir de lobos, escolhendo que filhotes
deveriam procriar.
Quando pensamos em ter filhos, queremos que eles sejam belos, altos,
fortes e inteligentes, pois assim terão mais chances na vida. Nossos
conceitos de beleza humana estão ligados à saúde (simetria e
musculatura) e à fertilidade feminina (relação cintura-quadris; formas
cheias - apreciadas pelos homens e abominadas pelas mulheres - seios
fartos). Nesta hora a seleção natural nos induz à artificial.
Belos, nascidos nas periferias, são pinçados para se acasalar com pessoas mais ricas e passam a habitar centros prósperos.
Compare os fregueses de shoppings populares com os de shoppings caros e
você vai ter uma ideia do que é seleção artificial. Reconheço que isso
deva ser difícil de ler para quem foi abduzido ao "politicamente
correto". É duro constatar certos aspectos da condição humana. Mas, aqui
que ninguém nos ouça, você ambicionaria que sua filha se casasse com um
nanico feio, incompetente, burro e encostado? "Não me importaria, desde
que ela se sentisse feliz". Está bem, então você é uma raridade da
espécie.
É importante lembrar que a igualdade ambicionada pela democracia é
aquela frente à lei. De resto, somos todos diferentes, e é bom que seja
assim, já que vivemos com desconhecidos que precisamos respeitar e
esperar que nos respeitem.
O processo de civilização democrática é o aprendizado do respeito pelas
diferenças. Mas esta ambição convive com um desejo de estar cercado de
"iguais", e de que nossos filhos sejam "melhores".
O que nos leva a Hitler. Seu desejo de eugenia era imbecil, em termos
biológicos. Formar uma raça "pura" de iguais (não importa se de arianos
de olhos azuis, ou se de negros retintos, de exclusiva afrodescendência)
é construir um desastre de fragilidade imunológica, é empobrecer nossas
defesas e nossas aptidões, duramente conquistadas através da reprodução
sexual, que mistura genes diferentes, portadores de sabedorias
diversas.
O projeto de Hitler beirava o incestuoso das famílias coroadas
europeias. E conhecemos os frutos do incesto pelos defeitos que
acumulam. Este último parágrafo revela o meu desejo de uma "eugenia boa,
não imbecil". É, sou humano.
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* Colunista da Folha
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