Jürgen Moltmann*
Os sentidos do nosso corpo nos unem ao mundo.
Não devemos
somente usá-los para viver e trabalhar;
devemos também cuidar deles,
moldá-los e
cultivá-las com respeito à vida e à
presença do Deus vivo.
Publicamos aqui a última parte da análise do teólogo alemão Jürgen Moltmann, em artigo publicado no sítio Teologi@Internet, 21-05-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Leia também a primeira, a segunda, a terceira e a quarta partes.
Eis o texto.
5. Espiritualidade dos sentidos. Mística da vida vivida
Há uma razão das ideias e um intelecto dos sentimentos. Há o esprit de geometrie, dizia Pascal, e o esprit du coeur. A espiritualidade é dinamismo do coração. Na espiritualidade, nós nos voltamos para onde experimentamos o Espírito de Deus. Por muito tempo, dominou uma espiritualidade da alma e do homem interior. O poeta místico evangélico Gerhard Tersteegen escreveu:
"Fecha as portas dos teus sentidos
e busca a Deus lá dentro, em profundidade".
Ela, no entanto, também pode se tornar uma espiritualidade dos sentidos, se o Espírito Santo é experimentado na natureza da terra, como ocorreu com a mística cósmica Hildegard de Bingen e no Cântico das Criaturas de Francisco de Assis. Então, não se deve "re-entrar" no próprio íntimo, mas, ao contrário, sair de si mesmo e experimentar com todos os sentido o mundo exterior. Devemos nos jogar entre os braços da vida. Essa mística cósmica se move, de fato, de Agostinho em diante, em sentido contrário à espiritualidade ocidental, mas ela é hoje interpelada por um futuro ecológico dos seres humanos e da terra [24].
Os sentidos do nosso corpo nos unem ao mundo. Não devemos somente usá-los para viver e trabalhar; devemos também cuidar deles, moldá-los e cultivá-las com respeito à vida e à presença do Deus vivo.
Na realidade, com os nossos olhos, vemos as coisas do mundo, mas não aprendemos a olhar. Só se ficarmos em silêncio e olharmos, percebemos a beleza de uma árvore ou a essência de uma flor. Só se olharmos e nos deixamos impressionar pelo outro que está diante de nós, amamos as coisas e as pessoas por si mesmas.
Escutamos com os nossos ouvidos os rumores do mundo externo, escutamos o ruído, as vozes, a música. Mas talvez aprendemos a escutar, ou seja, a escuta desinteressada do outro, do novo? O judaísmo e o cristianismo são religiões da escuta: "Ouve, ó Israel...", assim inicia o She'ma Israel, e Maria "escutava" a voz do anjo e guardava as suas palavras em seu coração. Não há apenas uma escuta com os ouvidos, mas também um "escutar com o coração". Essa é uma escuta profunda com todo o corpo. Depois, como se diz, chegamos "ao fundo da alma".
Deus respira através de toda a criação. Se o seu Espírito de vida se apodera de nós, desperta novamente em nós um amor inimaginável pela vida, e os nossos sentidos são despertados:
"Com a tua luz, iluminas os sentidos,
infundes o amor nos nossos corações",
canta-se no hino de Pentecostes, de Rabano Mauro.
Para combater o cinismo da aniquilação da vida, hoje difundido no nosso mundo, devemos superar a crescente indiferença do coração. A nova mística da vida dissolve esses desfalecimentos interiores, a aridez dos sentimentos para com o sofrimento alheio e o hábito de ignorar o sofrimento da natureza. Quem começa a amar a vida, a vida comum, se oporá à morte de seres humanos e à exploração da terra, e lutará por um futuro comum. Ele rezará com os olhos abertos e ouvirá o gemido da criatura oprimida.
Se amamos a Deus,
abraçamos o mundo inteiro.
Amamos a Deus com todos os nossos sentidos
nas criaturas do seu amor.
Deus espera por nós em tudo o que encontramos.
Notas:
24. J. Moltmann, Die Quelle des Lebens. Der Heilige Geist und die Theologie des Lebens. Gütersloh, 1997 [tradução italiana, La fonte della vita. Lo Spirito santo e la teologia della vita. Queriniana, Bréscia 1998].
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Fonte: IHU on line, 27/05/2012
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