sexta-feira, 25 de maio de 2012

Fernando Collor "rides again"

                            Renato Janine Ribeiro *

José Cruz/Agência Brasil / José Cruz/Agência Brasil 
Collor cumprimenta Carlinhos Cachoeira em sessão da CPI: na eleição de 1989, as paixões se acirraram
 como nunca depois. Tanto assim que muitos pensavam que ele nunca voltaria
 
Foi o presidente mais jovem de nossa história. Disse Millor Fernandes, quando ele concorreu, em 1989: "Sinto-me velho, ao ver que todos os candidatos à Presidência, depois de 28 anos sem eleições, são mais moços do que eu". Uma geração inteira ficou fora do poder. (Em compensação, a geração seguinte - FHC, Lula, Dilma - pode permanecer um quarto de século no Planalto).
Começou a todo vapor. Competiu numa eleição solteira. Em 1989, somente se elegia o presidente. O mandato presidencial era de cinco anos, portanto coincidiria com as demais eleições federais somente uma vez a cada quatro pleitos. Nos primeiros meses do ano, sua retórica avassaladora o consagrou como crítico devastador do presidente Sarney, mas também como alternativa para a direita, em face de uma esquerda - Lula ou Brizola - que ameaçava chegar ao Planalto. (Seria cedo demais, teria sido um desastre).
Deu errado. Não tinha apoio orgânico. Nem o empresariado, que o apoiou, nem os partidos, que o engoliram, viam nele um dos seus. Seu projeto de acabar com a inflação com um golpe certeiro - um "ippon", disse, do nome de um golpe de judô - malogrou. Não tardou a se tornar impopular. Além disso, a esquerda, que ficou chocada com a baixaria de seus ataques ao favorito, Lula, na quadra final da campanha eleitoral, jamais reconheceu a legitimidade de sua eleição.
Foi bem diferente de Fernando Henrique. Embora este tenha implementado várias políticas de Collor, contou com apoio orgânico dos partidos e da burguesia. Também, em que pese uma iniciativa de Tarso Genro em 1999 de contestar sua reeleição, o presidente-sociólogo teve uma aceitação e legitimidade que o misto de Parsifal e cangaceiro, como o alcunhou um intelectual, nunca alcançou. Fim de espetáculo.

A corrupção não parece ter os dias contados. É a pior comemoração posssível dos 20 anos das denúncias contra o então presidente 

Por que, então, retorna agora com força? Por que ocupa a cena da CPI que investiga Cachoeira? Por que o PT o apoia, por que se alia ao mesmo partido que ele impediu, faz quase 25 anos, de governar o Brasil?
Antes de mais nada, porque a política pode ser assim. É triste. Afinidades pouco eletivas não são monopólio do PT. Afinal, o PSDB se construiu essencialmente contra um nome, Orestes Quércia. E o mesmo PSDB apoiou Quércia pouco antes de ele morrer, e foi apoiado por ele, na política paulista e nacional. Na política, parece valer o princípio de que nunca você deve ter um amigo com quem não possa romper, nunca um inimigo com quem não possa se aliar.
Isso porque a ética na política, sonho dos que defenderam o impeachment de Collor, foi um sonho. A corrupção não parece ter os dias contados. Essa é a pior comemoração que podemos fazer dos 20 anos das denúncias contra o então presidente. Houve denúncias e punições. Mas predomina a sensação de impunidade.
Há, porém, outro lado. No Brasil, vários partidos ocupam o centro do espectro político. Não é assim nos Estados Unidos, Chile, Argentina, França, Alemanha e Reino Unido, onde as forças políticas se dividem em dois lados. Republicanos e democratas, nos Estados Unidos, são os únicos partidos minimamente relevantes. Nos demais países, coligam-se os democratas cristãos e socialistas chilenos contra a direita, na França os socialistas e verdes contra os ex-gaullistas, na Argentina os kirchneristas contra os conservadores ou liberais. No Reino Unido, a terceira força parece ter falhado, na Alemanha parece não ter grandes perspectivas. Já no Brasil, há um amplo espaço para essa terceira força, que não é terceira via porque não tem projeto próprio (quem poderia ter são os verdes), mas pelo menos dispõe de votos, legítimos, e além disso não demoniza nenhum dos lados, o que é bom. Se são interesseiros e maria-vai-com-as-outras, esse é o preço que pagamos para ter uma dose menor de conflitos letais na política.

O único presidente a sofrer impeachment volta à cena. Tem futuro? Duvido. Só acho importante que não expanda sua influência no Senado

Politicamente falando, esse quadro nem tão polarizado não é tão ruim. No Brasil, num até frequente segundo turno, elege-se alguém que tem o apoio da maioria. Se o "pântano", para usarmos o termo da Revolução Francesa para os que ora estão de um lado, ora de outro, vai sempre apoiar o vitorioso, pelo menos este recebeu os votos da maior parte dos eleitores. Melhor assim. É curioso: acabo de dizer que é bom não ter polarização acentuada; ora, a eleição de 1989, que guindou Collor à Presidência, foi a mais polarizada do Brasil recente. As paixões se acirraram como nunca depois. Tanto assim que muitos pensavam que ele nunca voltaria. Tanto assim que estamos discutindo seu futuro.
Fica um travo amargo. O único presidente do Brasil a sofrer impeachment, a ser condenado por crime de responsabilidade, volta à cena, ainda por cima querendo promover um ajuste de contas com quem o atacou, no passado. Penso na sua disposição a atacar a revista "Veja", que o denunciou em 1992. Parece vingança, não justiça. Enquanto isso, feridas que deveriam ter ficado abertas, como a de sua agressão à vida pessoal de Lula, são relevadas em nome da política. Quem não perdoa é porque segue a vida pessoal, não a política. Dona Mariza nunca perdoou Eduardo Paes porque, quando era da oposição, o atual prefeito do Rio - hoje na base governista - ofendeu o filho dela. Certamente, ela também não deve perdoar Collor. Políticos calculam custos e benefícios. Cidadãos, também, mais do que imaginamos. Afinal, cidadãos precisam de seus empregos ou negócios. Calculam ganhos possíveis, perdas prováveis. Já para as mães, há custos que nenhum benefício compensa.
Collor tem futuro político? Duvido. Em 1989, ele se elegeu sozinho. A hiperinflação abria lugar para esperanças mágicas. Depois de uma longa ditadura, não havíamos testado os poderes constitucionais. Ora, as eleições hoje são simultâneas. O país tem instituições fortes e uma moeda segura. Seria difícil conquistar a Presidência numa aventura pessoal. Collor pode se reeleger para o Senado ou receber de Dilma Rousseff o merecido reconhecimento por ter aberto arquivos da ditadura. Mas não creio que terá muito mais que isso. Só acho importante que ele não expanda sua influência no Senado.
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* Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo (USP)
Fonte: Valor Econômico on line, 25/05/2012

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