Guilherme d'Oliveira Martins*
Para Gianni Vattimo há três experiências
nucleares que estão na base do renascer contemporâneo do interesse
religioso: «a experiência da morte de pessoas queridas com quem se tinha
pensado percorrer um caminho muito mais longo»; a fisiologia da
maturação e do envelhecimento; e os limites temporais da realização
humana, que têm como consequência «avivar a esperança» de que a
plenitude, que «não parece realizável no tempo histórico e no decurso de
uma vida humana média, possa realizar-se num tempo diferente». No
fundo, o fenómeno religioso leva-nos à interrogação sobre os limites. E
que é a inteligência senão essa capacidade de compreender a fronteira
para além da qual a razão fica limitada, não podendo fazer mais do que
duvidar, interrogar-se ou ter fé e esperança? Longe da ideia de que os
limites apelam à irracionalidade, estamos diante do cruzamento exigente e
inexorável da razão e da fé. Não estamos nem no domínio da
demonstração, nem no campo da certeza, mas sim perante a exigência de
aceitar que a incompreensão existe e apela à transcendência – que o
cristianismo consagra na aproximação ao próximo ou «ao outro através do
não outro, que é Deus».
Como
afirma Hannah Arendt: «A questão da natureza do homem não é menos
teológica que a questão de Deus». Daí que a pobreza cristã não seja o
esquecimento dos bens terrenos e da propriedade, mas sim a lembrança da
liberdade e da dignidade - «não sejais escravos de vós próprios».
Afinal, é a consciência de ser mortal que me força a pensar,
colocando-me em estado de constante e inquieta interrogação e abertura
ao mistério. Como disse Gabriel Marcel: «Amar um ser é dizer-lhe: tu não
morrerás». E Montaigne ensinou-nos que o pensamento é a permanente
aprendizagem da morte. Contudo, nos dias de hoje, encontramos, a cada
passo, a tentação da indiferença ou a recusa da compreensão da morte,
como se, esquecendo o tema, fosse possível resolver o mistério. A
sociedade em que vivemos dominada pela tecnociência pratica
paradoxalmente o excesso terapêutico e ao mesmo tempo defende a
eutanásia ativa, que tem como modelo a realização técnica da morte. E
Anselmo Borges (em «Corpo e Transcendência», Almedina, 2012) pergunta:
«Não será precisamente neste paradoxo que se manifesta de modo claro a
crise de uma sociedade poderosíssima nos meios, mas sem finalidade
humana?». E, se Camus pergunta se é possível ser-se santo sem Deus, o
que está em causa é a procura incessante do bem e da dignidade humana,
onde quer que se encontrem, sem preconceitos, indo ao encontro de todas
as pessoas, quem quer que sejam e onde quer que se encontrem, crentes e
não crentes.
Agostinho
de Hipona disse um dia: «Se ninguém me perguntar, eu sei o que é o
tempo; mas se alguém me puser a questão e eu tiver de responder, já não
sei o que é o tempo. De facto, o passado já não é, o futuro ainda não é,
e o presente quando queremos captá-lo já lá não está». A partir daqui
pensamos todos os mistérios que nos abalam. Kant afirmou que o tempo é a
«intuição pura». E Pascal, ao falar de toda a eternidade que o
antecedeu e de toda a eternidade que se seguirá, afirmou: «Só vejo
infinidades por todo o lado, que me encerram como um átomo e uma sombra
que dura só um instante sem regresso. Tudo o que sei é que vou morrer em
breve; mas o que mais ignoro é esta própria morte que não poderei
evitar». E Leslek Kolakowski recorda-nos: «Deus não pode criar uma
evidência empírica da sua existência que pareça irrefutável ou mesmo
sumamente plausível em termos científicos», pois, para isso, teria de
fazer «um milagre lógico em vez do físico». Eis por que motivo fé e
razão se completam naturalmente, em domínios diferentes. E o certo é
que, desde os gregos, que o tempo é naturalmente ambíguo – entre Cronos
que devora os seus próprios filhos, sendo uma divindade mecânica,
repetitiva e efémera; e Kairos, filho de Cronos, mas referido à
liberdade, à duração e à eternidade. E estamos, deste modo, algures
entre o físico e o metafísico, entendendo a relação fecunda que nos leva
à dignidade da pessoa humana.
-----------------------
*
Fonte:http://www.vozdaverdade.org/site/index.php?id=2619&cont_=ver3
Excelente. A perspectiva inelutável da morte deveria automaticamente nos guiar a busca do conhecimento e da dignidade. Nem sempre isso acontece.
ResponderExcluirSugestão: http://www.veduca.com.br/play?c=212&a=1
Um abraço do observador.