Paulo Ghiraldelli Jr.*
De
um taxista: “não é preconceito, mas não é natural o homem casar com
outro homem”. Bem, mas se não é preconceito isso, então o que é?
De um colega: “não é racismo, mas o
certo é cada um com seu par, o branco com a branca e o negro com a
negra, não é?” Ora, se isso não é uma forma de racismo, então o que é?
De uma dona de casa da classe média:
“não tenho nada com a vida dos outros, mas essa minha vizinha sai com
todo mundo, parece uma puta!” Imagine então se tivesse a fim de opinar
sobre a vida alheia, heim?
De um estudante: “ele é um cara legal, é
meu amigo, é certo que não paga ninguém, mas não é que seja caloteiro, é
o jeito dele que assim mesmo”. Alguém que não paga ninguém não é
“caloteiro”?
Todas essas frases são comuns. Ouvimos
isso em nosso cotidiano. As pessoas não percebem que estão, em um mesmo
enunciado, afirmando e negando, e que isso não vale. Não entendem algo
comum até pouco tempo, que era a preocupação de falar sem se desmentir.
Tratava-se da preocupação do senso comum de evitar aquilo que no âmbito
filosófico chamamos de contradição. Mas agora, isso foi para o espaço,
ao menos no Brasil. O que está ocorrendo?
Não é que de um modo geral estamos com
um país que está emburrecendo. Mas é quase isso. O que ocorre é que uma
parte da população que não consumia, agora está consumindo e, portanto,
está aparecendo em lugares em que não aparecia, está ganhando
visibilidade social. No passado, quando havia algum momento de
melhoramento de vida e de incorporação de mais grupos sociais no
consumo, era fácil de ver a ascensão social coligada com a ampliação da
escolarização de qualidade. Então, mais gente consumindo não significava
o surgimento rápido, no campo de visibilidade social, de pessoas
incapazes de usar a linguagem com uma propriedade mínima. Todavia, não é
isso que ocorreu agora, nos anos FHC e Lula. Muita gente que não tinha
visibilidade social ganhou rosto, e esse fenômeno, o da visibilidade,
foi potencializado pela existência da Internet. Mais de um terço da
população brasileira tem Internet em casa. Esse pessoal chegou ao
mercado e à visibilidade, mas sem qualquer escolarização de qualidade.
Essas pessoas estão entrando em contato direto, em conversação, com
setores com os quais nunca tiveram contato, ou seja, a classe média
melhor escolarizada e até mesmo os intelectuais. O resultado disso é,
então, o confronto visível de grupos muito díspares quanto ao uso da
linguagem. Assim, não é difícil para a classe média melhor escolarizada
ficar estarrecida com a facilidade com que muitos, em redes sociais, se
dêem o direito de escrever qualquer coisa, sem saber o que estão
escrevendo. Muitos desconhecem as palavras que usam e, portanto, afirmam
coisas que em seguida negam. Aparecem como mais estúpidos do que são
realmente. Quando corrigidos, ficam enraivecidos e se afastam, perdendo
então a oportunidade de aprender
A foto que acompanha este texto é um
exemplo claro dessa situação em que alguém pode achar que “vegetariano” é
um nome chave para restaurantes, fica bonito, tem a ver com alguma
coisa que ele, o dono, viu na TV ou na Internet, mas, enfim, sendo
restaurante, que possa ser um restaurante que sirva tudo que a população
local queira comer – caso contrário daria prejuízo! A semântica é posta
de lado, pois a cultura oral e visual suplanta a cultura raciocinada,
ciosa da lógica. Isso é falta de escola, ou seja, de boa escola. Mas,
sabemos bem, o Brasil tem optado por crescer economicamente, tem se
preocupado em ampliar o consumo das pessoas – e isso é muito bom –, mas
nenhum setor social percebeu ainda, com seriedade, que há limites para o
país se desenvolver se não formos capazes de conversar com lógica, se
não respeitarmos a semântica e se, enfim, não soubermos mais o que
estamos falando.
Falta dinheiro para investimento em
educação? Ora, mas quando, no passado, quisemos ter dinheiro para o
esporte, fizemos a “loteria esportiva”. Claro que o dinheiro acabou
sendo usado para mais coisa que o esporte. Mas, é certo que a quantia
que ficou o esporte fez com que o país, depois de três décadas, visse
surgir ao menos um ginásio de esportes em cada cidade – e nosso
melhoramento nas Olimpíadas ocorreu mesmo. Bem, não é possível uma
loteria assim só visando o benefício da escola pública básica? Não seria
isso um apoio imediato, que resolveria de vez o problema? Pois o
problema da escola pública é, em parte, um único: as boas cabeças jovens
da sociedade não se dirigem mais para o magistério, pois o salário de
professor é o mais baixo entre todos os que fazem o ensino superior.
Então, com professores cada vez piores e com falta de professores, não
há chance de alguma pedagogia funcionar a contento.
Soluções desse tipo são fáceis de adotar
e, em boa medida, resolveriam o problema. Mas, é evidente que os nossos
governantes, todos eles, não estão mesmo interessados nisso à medida
que a sociedade não tem se mostrado preocupada com tal coisa. O Brasil,
mais uma vez, vai acabar optando não pela criação própria de mão de obra
para o seu crescimento, mas pela importação dela. Assim, seguindo essa
linha, seremos uma nação que poderá sair do Terceiro Mundo, mas de um
modo único, talvez inédito, de modo a criar um país rico com um povo de
classe média, mas bem mais burro que qualquer outra nação, do Primeiro
ou do Terceiro Mundo. Será interessante saber como será essa “nova
civilização brasileira”.
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* Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor e professor da UFRRJ
Fonte: http://ghiraldelli.pro.br/2012/05/24/ricos-porem-burros/
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