Jürgen Moltmann*
As crises ecológicas destroem as condições
de vida da terra.
Para conservá-la, apesar das forças destrutivas,
precisamos de um "sim" à
terra que supere tais forças e
de um amor invencível pela terra. Há
talvez um
reconhecimento maior e um amor mais forte do
que a fé na
presença de Deus na terra e
nas suas condições de vida? Precisamos
de
uma teologia da terra e de uma
nova espiritualidade da criação.
Publicamos aqui a quarta parte da análise do teólogo alemão Jürgen Moltmann, em artigo publicado no sítio Teologi@Internet, 21-05-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Leia também a primeira, a segunda e a terceira partes.
Eis o texto.
4. Teologia natural: Pressuposto ou futuro da teologia da revelação?
Começamos a falar de um tema particular da teologia cristã, tema que, na reviravolta mudança ecológica para a terra e as suas condições de vida, torna-se hoje atual: a teologia natural. Embora com essa expressão, no entanto, tradicionalmente se entendia um conhecimento indireto de Deus a partir da natureza, hoje precisamos de um conhecimento indireto da natureza a partir de Deus.
As crises ecológicas destroem as condições de vida da terra. Para conservá-la, apesar das forças destrutivas, precisamos de um "sim" à terra que supere tais forças e de um amor invencível pela terra. Há talvez um reconhecimento maior e um amor mais forte do que a fé na presença de Deus na terra e nas suas condições de vida? Precisamos de uma teologia da terra e de uma nova espiritualidade da criação.
a) As tradições cristãs entenderam a "teologia natural" como um conhecimento da existência e da essência de Deus a partir do "Livro da Natureza", com a ajuda da razão inato dos seres humanos. Esse conhecimento natural e racional de Deus ainda não é um conhecimento de Deus cristão, mas está ao seu serviço como o seu pressuposto universal:
"Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão humana a partir das coisas criadas", declara o Concílio Vaticano I [19]. Segundo Tomás de Aquino, a quem essa doutrina remonta, a teologia cristã é teologia da revelação sobrenatural. Ela pressupõe a teologia natural do mesmo modo em que a graça pressupõe a natureza. O conhecimento natural de Deus pertence ao preâmbulo do conhecimento sobrenatural de Deus e não é objeto da fé, mas sim uma razoável preparação para a fé. Com a ajuda das provas cosmológicas da existência de Deus, todo ser humano razoável pode conhecer que Deus existe e que é um só.
O protestantismo pré-moderno também entendeu dessa forma a teologia natural: há um conhecimento de Deus a partir do "Livro da Natureza" e um conhecimento sobrenatural de Deus a partir do "Livro dos Livros". O conhecimento natural de Deus é inato no ser humano, na sua consciência, e é por ele obtido através do conhecimento do agir de Deus na natureza. A teologia natural se fundamenta em uma "religião natural". Através desse conhecimento, porém, não nos tornamos bem-aventurados, mas apenas sábios. A beatitude é dada apenas pela autocomunicação de Deus na sua revelação através de Jesus Cristo.
O fenômeno da "religião natural" remete à criação. Ela é um resto do conhecimento paradisíaco de Deus do primeiro ser humano, que, por causa do pecado original, foi sim obscurecida, mas serve à conservação dos seres humanos e motiva o seu desejo de Deus. A revelação sobrenatural de Deus transmite o conhecimento da graça de Deus e leva, por isso, a uma retomada do conhecimento paradisíaco de Deus. O conhecimento da revelação não destrói nem substitui a teologia natural, mas a normaliza e a completa.
A teologia natural não é uma teologia da revelação e não se coloca em concorrência com ela. A teologia da revelação não substitui a teologia natural, nem a torna supérflua. Quando Karl Barth, em 1934, escreveu o seu Nein! contra a teologia natural ignorou essa diferença [20]. Tratava-se então, com efeito, da teologia política dos "cristão-alemães" e do nazismo, isto é, da teologia alemã Blut und Boden.
Através do conhecimento da autorrevelação de Deus, um ser humano se torna bem-aventurado, mas não sábio; através do conhecimento de Deus na natureza, ele se torna sábio na relação com a terra, mas não bem-aventurado. O ser humano só se torna feliz se se torna tanto bem-aventurado quanto sábio. Karl Barth retomou tudo isso mais tarde, na sua Lichterlehre [21].
b) Ainda em 1946, o meu mestre Hans-Joachim Iwand defendeu uma tese: "A revelação natural é de onde proviemos, mas sim a luz para a qual vamos. O lumen naturae é o reflexo do lumen gloriae... A conversão, que é hoje exigida à teologia, consiste nisto: indicar a revelação para o nosso éon, mas a teologia natural para o éon futuro. A questão da verdadeira religião é o fim da teologia escatológica" [22].
As tradições proféticas do Antigo Testamento lhe dão razão: "Colocarei minha lei em seu peito e a escreverei em seu coração... Ninguém mais precisará ensinar seu próximo ou seu irmão, dizendo: 'Procure conhecer o Senhor'. Porque todos, grandes e pequenos, me conhecerão – oráculo do Senhor" (Jeremias 31, 33.34).
Esta é a "nova aliança" prometida. Então, o conhecimento de Deus habitará na terra; então todos os países serão repletos da sua glória; então, a promessa particular de Deus a Israel se cumprirá universalmente. Se Deus aparece em uma nova presença real e prepara um fim a este mundo sem Deus, o conhecimento de Deus será assim "natural", e evidentemente ninguém terá que "ensiná-la" aos outros: todos o conhecerão e todos cumprirão o bem, porque a lei de Deus está escrita em seus corações, de modo que ninguém deverá exortar os outros. Se esse novo dia de Deus tiver início, a teologia cristã entrará em eclipse, pois terá encontrado cumprimento.
Se essa teologia é a verdadeira "teologia natural" no reino da glória de Deus, então a "religião natural" e a "teologia natural", que são agora possíveis ao ser humano, são aqui apenas uma antecipação e uma promessa do seu futuro [23]. Mas isso significa:
- Uma teologia realista da natureza, na situação atual, compreende todas as coisas como promessas reais do seu futuro no reino da glória. Todas as coisas são transparente para o seu futuro.
- Uma teologia realista da natureza expressa o "gemido da criação" e o seu desejo de libertação da caducidade. Esta terra não é um paraíso, mas deve ser compreendida em uma história de ordem e caos. A teologia natural é uma visão do seu futuro bom no advento de Deus. Portanto a verdadeira teologia natural, no presente da terra e dos seres humanos, não é condição final, mas sim uma teologia viatorum. Todas as criaturas, que estão conosco a caminho, sofrem e esperam. A harmonia de cultura humana e natureza da terra é uma comunidade a caminho. Ao "coração inquieto" dos seres humanos corresponde um mundo inquieto.
- A teologia natural assim descrita é uma teologia do Espírito Santo e da Sabedoria de Deus. O Espírito de Deus, que inabita em todas as coisas, é a ponte atual entre a criação no início e o reino da glória. Por isso, é importante reconhecer, no presente, em todas as coisas e em todas as condições de vida, as energias do Espírito divino e sentir em seu próprio coração o desejo do Espírito que conduz à vida eterna do mundo futuro.
(Continua...)
Notas:
19. DENZINGER, Enchiridion Symbolorum. Friburgo, 1947, nr. 1785 e 1806.
20. K. BARTH, Nein! (Theol. Ex. Heute 14). München, 1934.
21. K. BARTH, Kirchliche Dogmatik IV/3, 125ss.
22. H.-J. IWAND, Nachgelassene Werke I. München, 1952, 290s.
23. Sobre isso em termos mais amplos: J. MOLTMANN, Erfahrungen theologischen Denkens. Wege und Formen christlicher Theologie. Gütersloh, 1999, 68-84 [tradução italiana, Esperienze di pensiero teologico. Vie e forme della teologia cristiana. Queriniana, Bréscia 2001].
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* Teólogo alemão.
Fonte: IHU on line, 26/05/2012
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