quarta-feira, 9 de maio de 2012

Veja no que deu

Juremir Machado da Silva*

<br /><b>Crédito: </b> Arte João Luis Xavier
Caiu a casa. Aquela que se considerava a última flor da ética extinguiu-se com uma conversa telefônica interceptada. A revista Veja, órgão quase oficial da direita brasileira, desabou no último domingo à noite. A reportagem do "Domingo Espetacular", da Rede Record, soou como um dobrar de sinos para uma publicação acostumada a ditar as regras, manipular e acabar com reputações nem sempre com razão. Aos poucos, a revista que ajudou a revelar o mensalão petista atolou-se numa cegueira total.

Quem viu a reportagem ficou estarrecido. Carlinhos Cachoeira, o gângster mais famoso do momento, aparece no papel de editor, diretor de redação, publisher. Dá ordens. Manda publicar uma notinha. Define a sessão. É para sair no "Radar", espaço assinado por Lauro Jardim. Raramente se viu neste país de imprensa lambedora de botas militares ou de sapatos luxuosos de civis uma situação tão humilhante. O bicheiro, o contraventor, o larápio, o bandido estabelece o que deve ser publicado, quando e onde, assim, sem tirar nem pôr, na pretensamente mais importante e independente revista semanal brasileira. De babar a cueca.

Nestes meus 50 anos, vi escândalos de políticos de todos os tipos, sempre mais vergonhosos, sempre mais acachapantes, mas nunca tinha visto um escândalo de mídia tão avassalador. Sou obrigado a buscar adjetivos no fundo do poço para descrever essa situação inusitada. Veja saltou direto do jornalismo com suas oscilações e limites para a condição de capacho. Uma coisa é usar fontes comprometidas com o crime, outra bem diferente é servir aos interesses de criminosos plantadores de notícias, de intrigas e malfeitorias. Um limite foi ultrapassado.

Veja praticou o crime simbolicamente mais repugnante: o incesto. Nem mesmo depois de aberta a caixa de Pandora teve a dignidade de publicar uma capa detonando Cachoeira e seu cúmplice Demóstenes Torres. Preferiu continuar abraçada com o mal. O jornalista Policarpo Jr. maculou uma carreira cheia de troféus. Agora se sabe como se produzem certas medalhas da mídia nacional. Se estivéssemos no tempo do jornalismo panfletário do final do século XIX, eu chamaria Veja de rastaquera, rameira, vadia. Não farei isso. Não tenho direito de ofender as vadias, que lutam arduamente e honestamente pelo pão.

Não é fácil ser um profissional sério. Ter de ler a revista Veja toda semana provoca diarreia, vômito, tontura e dor na coluna. Como suportar aqueles textos falaciosos sobre novas dietas e aquele eterno jogo de compadres incensando amiguinhos e explodindo adversários? Como levar a sério aquelas verborragias ideológicas pretensamente modernas? Veja, sejamos justos, tem qualidades; nada melhor para aplacar o medo da broca num consultório de dentista. Contra o pavor, o horror. Outro aspecto indiscutível é a qualidade do papel. Quem tiver alguma reclamação sobre a revista escreva para Carlos Cachoeira.
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*Sociólogo. Prof. Universtiário. Escritor. Tradutor. Colunista do Correio do Povo
 | juremir@correiodopovo.com.br
Crédito: Arte João Luis Xavier
Fonte: Correio do Povo on line, 08/05/2012

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