LUIZ WERNECK VIANNA*
Ainda não é oficial, mas o processo em curso que nos
embala, nessa marcha batida rumo aos grandes do mundo, animada pelas
fanfarras dos nossos êxitos econômicos e sociais, já conta com um nome à
espera de consagração na pia batismal: desenvolvimentismo.
Desenvolvimentismo assim sem mais, sem a pesada qualificação de tempos
de antanho, que o associou à fórmula, hoje cediça, do nacional-popular,
criada, por volta das décadas de 1950-60, a partir de uma de suas
costelas, vindo a povoar a imaginação da esquerda brasileira da época.
Sob esse nome, com raízes na tradição republicana brasileira,
especialmente de suas florações autoritárias - cite-se, para encurtar
razões, apenas o regime militar -, talvez se pretenda deixar para trás o
tempo dominado pela contingência, como foi aquele em que o PT iniciou o
seu ciclo governamental, confrontado com uma realidade que não
suportava o seu programa e as ideias-força que o tinham trazido ao
primeiro plano da cena política brasileira. Diante da pressão coercível
dos fatos, como é sabido, o PT adaptou-se às circunstâncias, dando
continuidade ao cerne da política do seu antecessor a ponto de serem
pouco distinguíveis as diferenças entre eles em matéria de política
econômica.
A crise política e institucional de 2005, deflagrada pelos episódios
nada republicanos vindos à tona na CPI dita do mensalão, se não importou
mudanças nessa dimensão, em termos de orientação política levou a um
movimento defensivo por parte do governo do PT, reagindo a uma
contingência ameaçadora à sua reprodução, já às portas do processo
sucessório de 2006, que trouxe consigo uma verdadeira mutação na forma
de esse partido se pôr no mundo. A partir daí, declina da interpretação
que lhe serviu de viga mestra para a fixação do discurso com que iniciou
a sua escalada vitoriosa nas eleições e na conquista da direção de
importantes movimentos sociais, que identificou na ideologia do
nacional-desenvolvimentismo os suportes para uma política populista que
teria atrelado o sindicalismo ao Estado e à coalizão pluriclassista que o
dirigia. Produzida essa metamorfose - categoria plenamente admitida no
léxico partidário, enunciada várias vezes por sua principal liderança -,
deu início a uma deriva rumo ao encontro com a tradição republicana
brasileira, incluídas todas as suas dicções, a de Getúlio Vargas, a de
Juscelino Kubitschek e, inclusive, a do regime militar, nesse caso,
sobretudo a do governo Geisel.
Exemplar desse movimento a mudança de política quanto ao sindicalismo
- ponto de referência estratégico quanto à sua formação -, quando,
nesse mesmo ano aziago de 2005, o PT abriu mão do seu programa de
reforma sindical, confirmado num fórum nacional realizado no ano
anterior, abdicando dos seus princípios em favor da pluralidade sindical
e contrários à contribuição sindical. A Central Única dos Trabalhadores
(CUT) cede lugar à Força Sindical, cuja proximidade quanto à tradição
republicana se fazia garantir com a entrega do Ministério do Trabalho ao
presidente do PDT, partido fundado por Leonel Brizola, um cultor da
herança de Vargas. Um dos resultados dessa recomposição foi a admissão
das centrais sindicais como figuras institucionalizadas do sindicalismo,
passando a ser contempladas com recursos da contribuição sindical,
fortalecendo-se os vértices em detrimento das bases da vida associativa
dos trabalhadores.
Tal guinada em termos de orientação não foi acompanhada de razões que
a justificassem, mas o fato é que, pragmaticamente, tangido pelas
circunstâncias, o PT se vai descobrir instalado num território ideal
antípoda ao de sua formação. O processo de modernização, bête noire de
ícones intelectuais de suas primeiras horas, como Raimundo Faoro, é
incorporado à sua política econômica, emprestando-se ao tema do
desenvolvimento das forças produtivas materiais uma centralidade
imprevista, até mesmo pela razão de esse partido ter vindo à luz com a
incorporação de setores influentes da catolicidade de esquerda,
refratárias doutrinariamente a construções desse tipo. Seu panteão se
renova com a inclusão em lugar de honra de Celso Furtado, e sua própria
interpretação da História republicana é revista, instituindo-se pontes
de comunicação entre Vargas e Lula, vistos como lideranças maiores na
adoção de políticas sociais inclusivas. Insinua-se, então, se bem que
veladamente, o diagnóstico de que na origem dos nossos males estaria
mais a falta de capitalismo do que os efeitos da sua presença.
Expandir o capitalismo brasileiro, projetá-lo além-fronteiras,
torna-se o projeto in pectore do segundo mandato de Lula, consagrando-se
sans phrase no governo de Dilma Rousseff. Ressurgências do passado
costumam assombrar os vivos, trazendo de volta tempos mal vividos,
enredos que não se completaram, espectros que saem das sombras a fim de
nos cobrar ações para que, afinal, possam repousar em paz, como na
tragédia clássica de Hamlet, na bela leitura de Derrida (Espectros de
Marx, Relume Dumará, 1994). Espectros que nos rondam, quando os vivos
não enterram bem seus mortos, e se investem desajeitados dos papéis que
tão bem couberam neles em farsas que são pantomimas do que eles viveram,
nas poderosas imagens de Marx de O Dezoito Brumário.
O desenvolvimentismo que ameaça retornar com galas oficiais que
venha, então, com suas roupas próprias, no estilo prosaico do
agronegócio, do empreendedorismo e da associação crescente com as
empresas multinacionais. Ele não conhece a face amedrontadora de um
inimigo fatal nem a necessidade heroica de mobilizar a Nação para
combatê-lo. Seu mundo não é o da encarniçada luta política sem quartel,
mas o do cálculo da racionalização de mandarins, que, como na China,
tentam tecer por cima o rumo dos nossos destinos. Quanto aos espectros,
basta abrir uma janela que eles se dissipam no ar.
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* professor-pesquisador da PUC-Rio; e-mail: lwerneck096@gmail.com - O Estado de S.Paulo
Fonte: Estadao on line, 27/05/2012
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