Mikhail Gorbachev*
O
déficit de água doce em escala mundial está se tornando cada vez mais
grave. Ao contrário de outros recursos naturais, a água é insubstituível
e suas existências acessíveis são limitadas, no entanto seu consumo
aumenta constantemente.
Simplesmente é impossível que o consumo mundial de água doce prossiga
aumentando da mesma forma que durante o século passado. Entretanto, nos
países mais pobres, milhões de pessoas morrerem por ingerirem água não
tratada. Segundo um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS), a água
contaminada é a causa de 80% das doenças infecciosas e epidêmicas.
A premissa de uma política para enfrentar a crise global da água
implica o reconhecimento de suas causas. Entre as razões principais
destacam-se o crescimento da população mundial e das produções agrícola,
industrial e energética, que são as principais consumidoras de água.
Também se contam as consequências ambientais das atividades
econômicas e a destruição dos ecossistemas naturais, o desperdício de
água e de outros recursos naturais em uma economia concentrada na
obtenção de ingentes lucros, na pobreza maciça e na incapacidade dos
governos em alguns países atrasados para organizar um manejo eficiente
dos recursos hídricos.
Por fim, deve-se mencionar a corrida armamentista e o insensato
esbanjamento de cifras enormes de riqueza e recursos em guerras e
conflitos.
É, portanto, evidente a inviabilidade de uma estratégia para
enfrentar o problema isoladamente de outros desafios globais e do
contexto internacional.
Há 20 anos a Green Cross International (GCI) opera com um enfoque de
conjunto entre os problemas da segurança, da pobreza e do meio ambiente.
Há algum tempo a GCI lançou a iniciativa Água para a Vida.
Propusemos-nos realizar uma convenção internacional sobre o direito à
água, e em julho de 2010 uma resolução da Assembleia Geral das Nações
Unidas reconheceu explicitamente o direito humano à água e ao
saneamento, além de admitir que a água potável e o saneamento são
essenciais para a preservação de todos os direitos humanos.
Agora é necessária a instrumentalização prática deste princípio, já
que até hoje apenas uns poucos países introduziram o direito à água em
sua legislação nacional.
A GCI propicia a adoção de medidas destinadas a preservar e manejar
racionalmente a água. Além disso, trabalha para acelerar a entrada em
vigor da Convenção sobre o Direito dos Usos dos Cursos de Água
Internacionais pra Fins Distintos da Navegação e, ao mesmo tempo,
promove projetos específicos para garantir o direito à água.
Estou convencido de que a crise da água está estreitamente
relacionada com as falhas da economia e da política contemporâneas.
Ainda estamos sofrendo as consequências de uma grave crise econômica
global. E não podemos nos enganar com o surgimento de alguns indícios de
recuperação na economia mundial.
A crise demonstra que o dominante modelo atual de crescimento
econômico é insustentável. Este modelo engendra crises, injustiça social
e o perigo de uma catástrofe ambiental.
O mundo necessita de uma nova arquitetura política, uma nova
arquitetura de segurança, governança global e desenvolvimento
sustentável. Este plano deveria basear-se na rejeição de atitudes
agressivas e de tentativas de dominar as relações internacionais, bem
com na desmilitarização da política internacional.
Há uma clara necessidade de evoluir rapidamente para um modelo
diferente, que deve consistir em uma combinação de mercados e iniciativa
privada com os princípios de responsabilidade social e ambiental das
atividades produtivas e de uma efetiva regulação governamental.
Sustentamos que a realização de grandes projetos nacionais e
internacionais com enfoques qualitativamente inovadores sobre o uso da
água poderiam se constituir em motores do desenvolvimento da economia
global.
Portanto, necessitamos reconsiderar os objetivos do desenvolvimento
econômico. O consumo não deve continuar sendo o único e principal
condutor do crescimento. A economia deve ser reorientada para metas que
incluam a sustentabilidade ambiental, a saúde das pessoas em seu sentido
mais amplo, a educação, a cultura, a coesão social e uma clara redução
das enormes desigualdades entre ricos e pobres.
Apenas sobre essa plataforma seremos capazes de responder aos
principais desafios deste século: segurança, pobreza, atraso e crise
ambiental global.
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* Mikhail Gorbachev, ex-secretário-geral do Partido Comunista
da União Soviética (1989-1991) e ex-presidente da União Soviética
(1990-1991).
(Envolverde/IPS)
Fonte: http://mercadoetico.terra.com.br/30/05/2012
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