Contardo Calligaris*
Há terapeutas que simplificam o pedido dos pacientes e os dispensam na primeira melhora
Na segunda dia 7, a Folha publicou uma entrevista com um jovem
psicoterapeuta nova-iorquino, Jonathan Alpert, autor de um artigo
polêmico nas páginas de opinião do "New York Times".
O artigo opunha a terapia "de resultados" (e milagrosamente rápida) de
Alpert às terapias longas, praticadas por outros terapeutas de várias
obediências. Muitos colegas (dele e meus) sentiram-se incomodados.
As respostas de Alpert têm um tom de autopromoção, que inspira uma certa
vergonha (não nele, claro, mas em quem lê). No entanto, à primeira
vista, elas são mais triviais do que chocantes.
Alpert apresenta a novidade de sua maneira de clinicar, que consiste,
por exemplo, em colocar metas, definir o número de sessões para chegar
até lá e avaliar o processo regularmente. Ora, qualquer um que clinique
nos EUA faz isso com cada paciente -é o que pedem as seguradoras para
aprovar um tratamento: diagnóstico, proposta de um número definido de
sessões, meta terapêutica, reavaliação periódica.
Enfim, a "novidade" efetiva é que terapeutas e seguradoras sabem que as
metas de um tratamento mudam ao longo da terapia, enquanto (descobri
depois) os pacientes de Alpert, misteriosamente, parecem ter sempre
pedidos iniciais claros e inalteráveis. Nunca vi coisa igual.
Outro tema: Alpert não gostou de "O Segredo", o best-seller de autoajuda
de Rhonda Byrne. Ele acha que desejar intensamente não basta: para
conseguir o que a gente quer é preciso agir e ter o acompanhamento de um
terapeuta como Alpert, que nos diga o que fazer. Em suma, Alpert
gostaria que seu livro fosse "O Segredo" que funciona -OK.
No mais, Alpert acha que os praticantes de terapias longas desperdiçam
seu próprio tempo e o de seus pacientes, enquanto ele garante mudanças
radicais em 28 dias. Eu adoraria poder curar quase tudo em 28 dias e
decidi ler o livro de Alpert, "Be Fearless - Change Your Life in 28
Days" (no Brasil, no fim do ano, pela Sextante, como "Seja Destemido -
Mude Sua Vida em 28 Dias" ou algo parecido).
Sinto em dizer: o livro é um desastre, inclusive do ponto de vista da
terapia cognitivo-comportamental, que Alpert professa em tese, mas da
qual ele parece ter esquecido algumas lições essenciais. Em geral, as
terapias cognitivo-comportamentais são mesmo mais rápidas do que as
terapias dinâmicas (como a psicanálise), pois elas são focadas em
identificar e corrigir pensamentos disfuncionais, ou seja, pensamentos
negativos, avaliações e crenças erradas, que são fonte de transtornos
psicológicos.
Ora, Alpert se esquece de que um tratamento cognitivo-comportamental
DEVE continuar por bastante tempo depois de seu eventual sucesso, porque
medos e fobias, mesmo "curados", são reativados facilmente por novos
gatilhos de estresse; ou seja, qualquer tratamento cognitivo inclui um
(longo) treinamento para administrar o estresse futuro.
Além disso (e muito mais grave), na pressa de seduzir seus pacientes,
presentes e futuros, com a promessa de um milagre, Alpert lhes retira
qualquer complexidade: todas as dificuldades, amorosas, profissionais ou
existenciais, são efeito de um medo (medo de mudar, medo de avançar na
vida etc.) -ou seja, para Alpert, não há conflitos de desejos opostos,
nem desejos nefastos, nem escolhas propositalmente sofridas: os
pacientes só querem namorar com alguém legal e subir na vida. Eles
apenas têm medo, e disso logo Alpert vai se ocupar.
Na semana depois da publicação da entrevista, quatro pacientes chegaram
ao meu consultório angustiados pela ideia de que eu poderia desistir
deles, mandá-los embora alegando que eles estão melhor e já passaram dos
28 dias.
A angústia de meus pacientes pode nos indicar qual é o problema de
Alpert. Talvez ele não seja nem inexperiente, nem mal treinado, nem
inculto; talvez, apesar de sua jovem idade, ele esteja, sobretudo, já
cansado.
O exercício da psicoterapia não é gratificante: a persistência do
sofrimento psíquico é grande, o próprio desejo de um paciente se curar é
incerto, e os caminhos da cura são tortuosos (e misteriosos, mesmo
quando a gente consegue se engajar neles). Não estranha que um
terapeuta, no meio disso, prefira simplificar ao máximo o pedido de seus
pacientes, dar-lhes alguns conselhos, fazê-los sorrir e logo mandá-los
embora, depois de 28 dias -rápido, na primeira melhora, ilusória ou não.
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* Psicanalista. Escritor.
ccalligari@uol.com.br@ccalligaris
Fonte: Folha on line, 17/05/2012
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Gostei da análise! Realizou grupos terapêuticos, e sinto o mesmo em alguns momentos...
ResponderExcluir"o próprio desejo de um como ganhar dinheiro paciente se curar é incerto"