Juremir Machado da Silva*
As tecnologias mudam o mundo até mesmo
daqueles que as rejeitam. Profissões desaparecem. Outras surgem. O
telégrafo alterou radicalmente os jornais e até o estilo do texto
jornalístico. A informática e a Internet estão provocando mutações
incríveis. Pierre Lévi garante que ficaremos coletivamente mais
inteligentes. Numa época em que se falava muito do teletrabalho,
eliminando a necessidade de deslocamentos e de enfrentar
engarrafamentos, imaginei um personagem de ficção científica que
precisava explicar para a neta o uso que se fazia no passado das pernas,
transformadas em apêndices sem qualquer utilidade. Surgia, em algum
momento, alguém que ainda usava as pernas para escalar montanhas ou
fazer caminhadas de demonstração, o chamado uso residual. Continuo
pensando nessas transformações.
A que mais me interessa é bastante factível: uma revolução em nossa maneira de interpretar o passado graças ao uso de programas de busca e à digitalização dos acervos dos arquivos históricos, que estão abarrotados de documentos preciosos que só podem ser descobertos pela busca paciente e penosa de pesquisadores. O grande salto tecnológico permitirá entrar num site, colocar palavras, por exemplo, "escravidão, diários, negros" e obter tudo o que se tem guardado em fundos diferentes. Tenho certeza de que pérolas virão à tona, algumas levando a derrubar verdades seculares. Quero entrar no acervo do Arquivo Nacional e colocar "últimos dias da escravidão no Brasil" e ter acesso imediato a documentos de origens variadas. A tarefa do pesquisador não será mais ter paciência, espremer os olhos ou desenvolver furúnculos, mas ter imaginação para colocar boas perguntas ao computador.
Tecnologia para pesquisadores preguiçosos? Pode ser. Mas não importa. O resultado é que interessa. Isso já está acontecendo. Nossos arquivos é que estão atrasados por falta de recursos ou de crença no potencial tecnológico investigativo. Tenho certeza que será possível comprovar ou refutar as teses do livro "Reis que Amaram como Rainhas". Teria dom Pedro I, o português mesmo, não o nosso, o apaixonado por Inês de Castro, preferido meninos? E dom Sebastião - aquele que ainda não voltou, embora seja esperado pelos sebastianistas, que até, no Brasil, confundiram-no com Collor e, mais recentemente, com o senador Demóstenes Torres - teria mesmo sofrido abusos sexuais quando era criança e, de fato, sido encontrado no colo de um africano, num bosque cerrado, tendo explicado que o confundira com um javali?
A Revolução Francesa de 1879, que recebe nova leitura a cada 20 anos, poderá ser virada de cabeça para baixo. Max Gallo já transformou o considerado poltrão Luís XVI num soberano antenado e até vanguardista. Dá para imaginar o que acontecerá assim que tivermos toda a documentação sobre o Brasil colonial e imperial digitalizadas e acessíveis por buscadores de última geração. Quanto mensalão jamais mencionado poderá aparecer! Quanto escândalo sexual! Quanta promessa política descumprida! Quanto homem confundido com javali!
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A que mais me interessa é bastante factível: uma revolução em nossa maneira de interpretar o passado graças ao uso de programas de busca e à digitalização dos acervos dos arquivos históricos, que estão abarrotados de documentos preciosos que só podem ser descobertos pela busca paciente e penosa de pesquisadores. O grande salto tecnológico permitirá entrar num site, colocar palavras, por exemplo, "escravidão, diários, negros" e obter tudo o que se tem guardado em fundos diferentes. Tenho certeza de que pérolas virão à tona, algumas levando a derrubar verdades seculares. Quero entrar no acervo do Arquivo Nacional e colocar "últimos dias da escravidão no Brasil" e ter acesso imediato a documentos de origens variadas. A tarefa do pesquisador não será mais ter paciência, espremer os olhos ou desenvolver furúnculos, mas ter imaginação para colocar boas perguntas ao computador.
Tecnologia para pesquisadores preguiçosos? Pode ser. Mas não importa. O resultado é que interessa. Isso já está acontecendo. Nossos arquivos é que estão atrasados por falta de recursos ou de crença no potencial tecnológico investigativo. Tenho certeza que será possível comprovar ou refutar as teses do livro "Reis que Amaram como Rainhas". Teria dom Pedro I, o português mesmo, não o nosso, o apaixonado por Inês de Castro, preferido meninos? E dom Sebastião - aquele que ainda não voltou, embora seja esperado pelos sebastianistas, que até, no Brasil, confundiram-no com Collor e, mais recentemente, com o senador Demóstenes Torres - teria mesmo sofrido abusos sexuais quando era criança e, de fato, sido encontrado no colo de um africano, num bosque cerrado, tendo explicado que o confundira com um javali?
A Revolução Francesa de 1879, que recebe nova leitura a cada 20 anos, poderá ser virada de cabeça para baixo. Max Gallo já transformou o considerado poltrão Luís XVI num soberano antenado e até vanguardista. Dá para imaginar o que acontecerá assim que tivermos toda a documentação sobre o Brasil colonial e imperial digitalizadas e acessíveis por buscadores de última geração. Quanto mensalão jamais mencionado poderá aparecer! Quanto escândalo sexual! Quanta promessa política descumprida! Quanto homem confundido com javali!
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* Sociólogo. Prof. Universitário. Escritor. Tradutor. Cronista do Correio do Povo
juremir@correiodopovo.com.br
Crédio Arte João Luis Xavier
Fonte: Correio do Povo on line, 21/05/2012
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