Noam Chomsky e James W. Pennebaker esclarecem como estas proibições podem afetar a manutenção do preconceito
Freud é conhecido por grande parte da população por seus estudos
sobre a sexualidade e sua investigação dos significados dos sonhos. Uma
de suas maiores contribuições, porém, foi para o campo da
psicolinguística, área que estuda os fenômenos da língua e seus
significados. Para ele, erros e deslizes comuns na fala denunciavam os
verdadeiros motivos ou medos do falante.
Em uma leva de mudanças na língua e no comportamento social, países
têm proibido o uso de determinadas palavras. É o caso da França que
recentemente decidiu excluir dos documentos oficiais a palavra Mademoiselle (senhorita), que denunciaria o estado civil da mulher. Enquanto a palavra Monsieur
(senhor) não designaria a situação matrimonial. A iniciativa, segundo o
governo, visa contribuir para o fim da discriminação entre homens e
mulheres.
Para o linguista norte-americano Noam Chomsky, deletar ou proibir o
uso de uma palavra não acaba com o preconceito em si. “[Deletar uma
palavra] pode até mesmo ter um impacto negativo, estimulando a raiva
pela esforço de suprimir pontos de vista, que por mais que nós possamos
nos opor, são defendidos com compromisso e, geralmente, paixão.
Supressão não é a abordagem correta; e sim educação”, diz em entrevista
por e-mail ao Opinião e Notícia.
James W. Pennebaker, chefe do departamento de psicologia da
Universidade do Texas, nos Estados Unidos, acredita ser difícil definir
como o não-uso de uma palavra afeta um comportamento. “Existem
evidências de que o modo como usamos as palavras para nos referirmos a
determinado grupo pode influenciar o que pensamos sobre este grupo. O
problema é que a própria maneira como nós começamos a mudar o nosso
pensamento sobre esse grupo também afeta como nos referimos a esse
grupo”, explica em entrevista ao Opinião e Notícia.
O Brasil também tem se posicionado em relação ao uso de palavras que
privilegiem uma visão mais igualitária. É o caso recente da polêmica
envolvendo determinadas acepções da palavra “cigano” no dicionário
Houaiss: burlador; aquele que trapaceia; sovina. Apesar de a publicação
explicitar que se trata de uso pejorativo, o Ministério Público Federal
considera as expressões preconceituosas e ofensivas e, por isso, entrou
com uma ação na Justiça Federal em Uberlândia, Minas Gerais, para
proibir a circulação do livro.
Essa discussão, para o professor Pennebaker, revela tabus e mudanças
culturias na sociedade. “Nós podemos observar com o que a sociedade está
preocupada se eles começam a falar muito sobre determinado assunto ou,
em alguns casos, se eles param de falar sobre isso quando deveriam estar
debatendo mais sobre o tema”, diz. “A sociedade muda sua fala e escrita
dependendo das questões culturais vividas no momento. Após os ataques
de ‘11 de setembro’, por exemplo, as pessoas mudaram radicalmente o uso
de pronomes em blogs”, conclui.
Os termos favela e comunidade são outras palavras que tiveram seu uso
modificado ao longo dos anos, como mostra o estudo do jornalista Átilas
Campos. No Rio de Janeiro, as favelas eram vistas como espaços urbanos
marginalizados até meados da década de 1980. A partir de então, o
governo estadual adotou a política de urbanização das favelas – e não
mais sua remoção.
O Plano Diretor de 1992 criou a definição oficial do que seria
favela. Assim, os espaços favorecidos pelo programa “Favela Bairro”,
implementado em 1994, passaram a não ser mais considerados favelas,
segundo o próprio Plano Diretor. Apesar de o termo comunidade começar a
ser mais utilizado, atualmente, por convenção, designa apenas as favelas
que foram pacificadas e receberam a Unidade de Polícia Pacificadora
(UPP). Muitos desses locais, porém, se enquadram ainda como favela, de
acordo com a definição adotada pelo Plano Diretor.
“Pessoalmente, não acredito que comunidade seja um termo melhor do
que favela. A palavra apenas não carrega consigo a carga pejorativa que
envolve favela. Em um primeiro momento, fiquei intrigado que o termo
comunidade não é utilizado em referências aos bairros originalmente
constituídos – como Leblon, Copacabana, Madureira, Campo Grande. Quando
se ouve alguém falar em comunidade, sabe-se que ela está se referindo a
uma favela”, fala ao Opinião e Notícia.
O que podemos perceber, segundo Campos, é que a integração desses
espaços à cidade promoveu o uso do termo comunidade pelo poder público e
pela mídia, como forma de amenizar o estigma em torno da palavra favela
e contribuir para a produção do imaginário social de que as favelas e
seus moradores estariam integrados à cidade.
Seja senhorita, cigano ou favela, o uso ou a proibição revelam o
poder que as palavras têm – ainda subestimado por nós. Se os conceitos
expressos por esses termos designam algo ‘pejorativo’ conscientemente,
por outro lado não são acepções que bastam por si. Elas estão inseridas
em um contexto cultural, social, temporal distintos e são modificadas
segundo os nossos desejos inconscientes.
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