Verissimo *
PARIS - Nos últimos anos criou-se um novo tipo de
intelectual francês, produto da televisão e misto de filósofo e pop
celebridade. Eles aparecem nos painéis de discussão política ou debate
cultural na televisão - e como tem painéis de discussão política e
debate cultural na televisão francesa! - são bem articulados, muitas
vezes controvertidos e acima de tudo fotogênicos. Na sua maioria são
jovens e têm uma quantidade assustadora de cabelo.
Eu estava vendo um desses programas em que eles aparecem e me ocorreu
o seguinte: o Albert Camus nasceu na época errada. Tinha tudo para ser
uma estrela da mídia, só que não existia a mídia, pelo menos não na
maneira avassaladora com que existe hoje. Era um homem bonito, e devia
muito do seu destaque no mundo intelectual de Paris - e certamente sua
vantagem na comparação com o outro filósofo público da época, Jean-Paul
Sartre - ao seu ar de galã "noir". Segundo maldosa fofoca contemporânea,
os dois tinham sorte com as mulheres, o Sartre só precisava se esforçar
mais um pouquinho.
Tanto Camus quanto Sartre eram celebridades, mas de um círculo
restrito. Suas diferenças mais evidentes, e as opiniões políticas que
acabaram determinando o fim da sua amizade, foram expostas em artigos e
réplicas e tréplicas na imprensa de esquerda, com escassa repercussão
fora do círculo. Pode-se imaginar os dois debatendo suas ideias num
programa de televisão moderno. Como no debate entre Kennedy e Nixon,
que, segundo se diz, definiu a eleição de Kennedy e inaugurou o uso
efetivo da televisão como arma eleitoral, Camus e Sartre talvez
empatassem nas ideias mas Camus ganharia longe nos quesitos imagem e
simpatia. Como o carismático Kennedy ganhou do lúgubre Nixon.
Por menor que seja o público dos seus debates, os novos filósofos
eletrônicos têm sempre uma plateia algumas centenas de vezes maior do
que a que ouvia Sócrates, por exemplo, na Grécia, ou a dos admiradores
de Camus ou Sartre em volta de uma mesa de café em Paris. No caso de
Camus, só se pode lamentar seu nascimento precoce. Se há um filósofo que
mereceria uma projeção e um público de superstar é ele. Bom, Sócrates
também, mas duvido que ele se acostumasse com as luzes.
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*Luis Fernando Verissimo. Escritor. Cronista
Fonte: Estadaão on line, 24/05/2012
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