Em seu novo livro, de capa dura e ricamente ilustrado, Richard Dawkins explica conceitos básicos de ciência para jovens leitores. Apesar do exímio trabalho de popularização, o biólogo evolucionista mantém a ciência no pedestal.
Por: Barbara Axt
Cada capítulo do livro novo de Dawkins começa com menções a
lendas e mitos usados pela humanidade para abordar os fenômenos
naturais. Em seguida, apresenta-se a explicação científica para tal
fenômeno, a exemplo do arco-íris. (imagens: reprodução)
A magia da realidade: como sabemos o que é verdade, escrito
por Richard Dawkins e ilustrado por Dave McKean, é um livro de
divulgação científica direcionado a “jovens leitores”, com o objetivo de
ser uma introdução geral à ciência que desperte o seu interesse pelo
assunto. Em uma primeira olhada, o livro é mais ou menos como voltar às
aulas de ciência da escola, só que com um professor muito mais
articulado e provavelmente mais bem informado do que a maioria dos
professores de ciência que tivemos.
As explicações sobre a formação do arco-íris, os movimentos das
placas tectônicas e, principalmente, os mecanismos por trás da evolução
são tão claras e interessantes que nos lembram que muito antes de ficar
conhecido por suas pregações anti-religiosas, Dawkins se tornou um best seller por sua impressionante capacidade de expor, de maneira elegante, conceitos científicos complicados. Em A magia da realidade se vê que, como divulgador de ciência, ele continua em plena forma.
Acompanhando
tudo isso, as belas ilustrações de McKean – conhecido quadrinista e
ilustrador da série Sandman – são bem-sucedidas tanto quando se trata de
expor criaturas fantásticas, como goblins e deuses estranhíssimos,
quanto na hora de ajudar o leitor a compreender os detalhes técnicos e
científicos do texto.
Mas esta não é uma obra dedicada apenas a estimular o gosto de jovens
pela ciência. E é aqui que Dawkins revela a sua faceta mais atual e
atuante. Cada capítulo começa com menções a lendas e mitos usados pela
humanidade ao longo da história para explicar fenômenos naturais. Em
seguida, a ‘verdadeira explicação’ (ou seja, a explicação científica) é
desfiada – com uma linguagem agradável, simples e coloquial.
O autor coloca no mesmo saco crenças aborígenes, de aldeias
africanas, histórias da Bíblia, lendas orientais, entre outras,
aparentemente demonstrando a irracionalidade comum a todas elas. No
entanto, deixa de fora mitos e histórias islâmicas – um esquecimento
curioso para um livro escrito no Reino Unido, onde é impossível passar
um dia sem lembrar da existência – e da força – dos muçulmanos no mundo.
A ciência e seu superpoderes
Como não poderia deixar de ser – pelas menções à magia, realidade e
verdade feitas no próprio título –, o livro se propõe a responder
questões filosóficas complexas. Logo nos capítulos iniciais, discorre
sobre o que é ciência, como funciona o método científico, por que
devemos ver o mundo com olhos críticos – tudo isso de forma sóbria e
ponderada. Essas e outras questões são essenciais para se entender o
intenso debate sobre ciência e religião que, parece, é o objetivo final
de todas as palavras, atos e respirações de Dawkins – autor de Deus, um delírio.
Perpassando a obra, há a crença de que a ciência tudo entende e tudo explica. E o que ela não explica,
explicará um dia
No entanto, não se sabe se por razões didáticas e de simplificação –
afinal, é um livro para “jovens adultos” – ou se por razões de fé do
autor, a ciência apresentada no livro é um tanto positivista.
Perpassando a obra, há a crença de que a ciência tudo entende e tudo
explica. E o que ela não explica, explicará um dia.
Esse posicionamento, que está no cerne do discurso de Dawkins, costuma enfurecer seus críticos. O jornal inglês The Independent,
por exemplo, chegou a posicionar a visão científica do biólogo ali no
século 19, por causa de afirmações como: “seria preguiçoso, e mesmo
desonesto, afirmar que algo é impossível de ser explicado [através da
ciência]”.
A explicação do livro para “o que é realidade” também não é lá muito
satisfatória: “realidade é o que existe” ou aquilo que conhecemos por
meio dos nossos sentidos – ou por instrumentos, que funcionam como uma
extensão destes. Coisas imateriais, como sentimentos, até existem, mas
dependem inteiramente dos cérebros que lhes dão origem.
Nem tão preto no branco assim
Na penúltima página do livro, porém, o autor admite que para explicar
certas coisas talvez seja necessário que se invente um dia um “tipo de
ciência radicalmente novo, tão estranho que os antigos cientistas teriam
dificuldade até mesmo para reconhecer como ciência”. E complementa:
“Isso já aconteceu antes”.
Fica subentendido, portanto, que o raciocínio de Dawkins não é assim
tão preto no branco. Mas, por alguma razão, ele acha por bem, nas 264
páginas anteriores – e na maioria de suas declarações públicas – pregar
um discurso um tanto mais radical do que essa pequena observação leva a
crer.
Para Dawkins, “a realidade é mais mágica do que qualquer mito”
Passando ao largo dessas questões de filosofia da ciência e do eterno embate ciência e religião, é inegável que A magia da realidade
é bem-sucedido em transmitir a sensação de ‘maravilhamento’ com a
realidade, mostrando como a ciência pode ser fascinante e, ao mesmo
tempo, explicar (quase) tudo. Para Dawkins, afinal, “a realidade é mais
mágica do que qualquer mito”.
É verdade que o livro deixa transparecer um positivismo e fé na
ciência um tanto exagerados e uma visão antiquada sobre a infalibilidade
do método científico. Mas nada que boas conversas sobre arte e
filosofia – tarefa extra para pais e educadores – e um lembrete de que a
ciência é, no final das contas, feita por seres humanos e condicionada
por contextos diversos, não resolvam e ajudem a complementar a cultura
científica dos jovens leitores.
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Fonte: http://cienciahoje.uol.com.br/resenhas/2012/05/a-catequese-da-ciencia
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