Michel Aires de Souza*
"Diga-lhes que esta vida não cessou de me maravilhar." Wittgenstein
O
empirismo clássico postula que a experiência é o critério de todo o
conhecimento. Somente as ideias e os conceitos provenientes das
impressões sensíveis são significativos. Dessa forma, somente o
conhecimento proveniente das sensações e percepções são relevantes para
as ciências. Todo conhecimento deve vir dos dados sensoriais.
Wittgenstein, como a figura mais expressiva do Círculo de Viena,
postulou que os critérios ou normas de investigação de todo conhecimento
como de toda ciência estaria na esfera da linguagem. Os significados e o
uso da linguagem é que se tornam -clássico.
Em seu livro Tractatus Logico-Philosophicus Wittgenstein procurou
compreender como a linguagem consegue representar o mundo, ou seja,
como as proposições são capazes de representar estados de coisas. Para
ele, nós só podemos pensar e falar sobre o mundo, porque há algo em
comum entre linguagem e mundo. Ambos possuem uma estrutura lógica. A
lógica possibilita a linguagem representar o mundo. O mundo é lógico.
Ele expressa essa ideia de forma poética em seu livro “Investigações
Filosóficas”. “Há uma aureola a volta do pensamento. – A sua essência, a
lógica, representa uma ordem, de fato a ordem a priori do mundo, isto
é, a ordem das possibilidades que têm que ser comuns ao mundo e ao
pensamento. Mas parece que esta ordem tem que ser supremamente simples. É
a ordem que precede toda experiência, que corre ao longo de toda
experiência, à qual não se deve pegar nada do que é turvo e incerto na
experiência. – Tem que ser do mais puro cristal. Mas este cristal não
parece ser uma abstração, mas algo de concreto, como a coisa mais dura
que há. (Investigações, 97)
A
lógica para Wittegentein deve determinar as condições formais de
qualquer linguagem. Isso significa que todas as proposições das ciências
podem ser reduzidas a uma estrutura lógica A lógica é uma linguagem
formalizada capaz de evitar os erros comuns da linguagem cotidiana. A
partir da lógica Wittgenstein foi capaz de criar critérios para
distinguir as proposições significativas de pseudo-proposições,
demarcando os limites entre ciência e filosofia.
Para caracterizar a ciência em oposição à filosofia, Wittgenstein
mostrou que as proposições da filosofia não são significativas, são
pseudo-proposições. Enunciados só são significativos se, e somente se,
podem ser reduzidos a proposições elementares ou atômicas. Um enunciado
significativo deve descrever fatos atômicos, ou seja, fatos que podem
ser "observados" e "verificados" na experiência. Uma proposição
elementar ou atômica é a figuração de um fato elementar ou atômico na
realidade, isto é, de estados de coisas atômicos. As proposições
elementares ou atômicas são descrições ou "afigurações da realidade".
São como um quadro, um retrato da realidade. Por exemplo, as sentenças: Platão é um bípede sem penas, João é gordo e careca, Oxigênio produz combustão;
são juízos de percepção que descrevem a realidade. Com efeito, são
proposições que podem ser reduzidas a proposições elementares da lógica
formal. A lógica é instrumento de análise, pois ela busca determinar as
proposições significativas, como as inferências legítimas de todas as
ciências.
O conceito de proposição é a pedra angular sobre a qual repousa toda a
estrutura do Tractatus. Para Wittgenstein, somente a proposição é dotada
de sentido e significado, nomes isolados apenas denotam o objeto, não
possuem sentido. A proposição é uma figuração de fatos e não de coisas
isoladas. “O mundo é totalidade dos fatos, não das coisas” (Tract, 1.1).
Para
Wittgentein, "a proposição é uma imagem da realidade. A proposição é um
modelo da realidade tal como nós a pensamos" (Tract., 4.01). Quando
digo: a porta está aberta, faço um recorte da realidade, faço uma
figuração de um fato. Assim, este enunciado só pode ter dois valores de
verdade: ou é verdadeiro, ou é falso. Se corresponder à realidade ele é
verdadeiro, se não corresponder, é falso. Cada elemento que compõe a
realidade deve ter uma correspondência no domínio da proposição. Os
nomes que representam o objeto se combinam para formar a proposição, com
efeito, representam os "estados de coisas". “A proposição é uma imagem
da realidade: se eu compreendo a proposição, então conheço a situação
por ela representada. E compreendo a proposição sem que o seu sentido me
tenha sido explicado” (Tract. 4.021).
O que há de comum entre a proposição e a realidade é a forma dos
objetos, isto é, a forma lógica. Devemos entender essa forma como uma
determinada possibilidade de combinação dos objetos entre si. É a forma
lógica que estabelece a conexão necessária entre as proposições e os
fatos. “O que cada figuração, de forma qualquer, deve sempre ter em
comum com a realidade para poder figurá-lo em geral - correta ou
falsamente - é a forma lógica, isto é, a forma da realidade” (Tract., 2.18).
Compreender
o sentido de uma proposição para Wittgentein é saber como devemos
chegar a uma decisão sobre sua verdade ou falsidade. Devemos mostrar se
ela é suscetível de ser verificada por uma evidência do tipo
observacional. Uma proposição é significativa se ela espelha os fatos,
isto é, se ela pode ser verificada na experiência, ou se ela é uma
consequência lógica de proposições de observação. "A verificabilidade
completa, aqui exigida, de forma alguma é a verificação completa, mas a
possibilidade lógica de um conjunto de dados verificadores concludentes,
formulados em proposições de observação. Isto significa que proposições
referentes a regiões inacessíveis do espaço e do tempo, por exemplo,
podem muito bem ser completamente verificáveis" (Châtelet, 1974,
p.81).
Para Wittgenstein, portanto, tudo
o que ocorre no mundo pode ser expresso pela linguagem. A linguagem é o
retrato do mundo, de tudo o que ocorre, e de tudo que não ocorre.
Através da estrutura lógica da linguagem, podemos compreender a
estrutura lógica do mundo. “Se eu conheço um objeto, eu também conheço
todas as suas possíveis ocorrências nos estados de coisas. (Cada uma
dessas possibilidades deve ter parte na natureza do objeto)” (Tract.,
2.0123). Dessa forma, as proposições verdadeiras das ciências são o
espelho do mundo, pois procuram descrever a totalidade da realidade e,
por conseguinte, a essência do mundo.
Mas
devemos fazer algumas ressalvas, se a lógica é o mundo da necessidade, a
realidade é o mundo da contingência. Isso significa que a causalidade é
apenas uma crença. Para Wittgenstain "a fé no nexo causal é uma
supertição". (Tract., 5.1361). Não existe um reino da necessidade, tudo é
como é, tudo acontece como acontece. Os fatos são independentes uns dos
outros. Isso se reflete na lógica. De uma proposição elementar não se
pode inferir nenhuma outra, isso porque uma proposição elementar é um
fato atômico. Os fatos atômicos são independentes uns dos outros. "Não
existe nenhuma necessidade que obrigue uma dada coisa a acontecer pelo
simples facto de outra ter acontecido. Só existe necessidade lógica.".
(Tract. 6.37). Desse ponto de vista, as leis naturais também não são
suscetíveis de serem testadas e confirmadas pela experiência e não podem
ser deduzidas de enunciados observacionais. As leis científicas não
podem logicamente ser reduzidas a enunciados elementares da
experiência. A regularidade que o cientista acredita existir na
natureza é uma ilusão da linguagem. A regularidade que as leis naturais
exprimem, pertencem apenas à lógica, "Que o sol nascerá amanhã é uma
hipótese, que dizer, não sabemos se nascerá” (Tract. 6.36311).
Podemos concluir, portanto, que pensar cientificamente é manter uma
relação intrínseca com a realidade, as proposições da teoria devem
possuir uma significação empírica. O espaço lógico para toda ciência
possível é a realidade. Esse espaço se constitui pela soma dos estados
de coisas subsistente, isto é, dos fatos e dos estados de coisas
possíveis, ou seja, daqueles que não subsistem, mas podem vir a existir.
São por estas razões que em geral o que pode ser dito, o pode ser
claramente, mas o que não se pode falar deve-se cala.
Bibliografia
CHÂTELET,
F. História da Filosofia; In: A teoria e a observação na
filosofia das ciências do positivismo lógico. Por Jacques Bouveresse.
Rio de Janeiro: Zahar. 1974, p.71-118
CONDÉ, Mario L.Leitão. Wittgentein: linguagem e mundo. São Paulo: Annablume, 1998.
WITTGENTEIN, L. Tratado lógico-Filosófico. Lisboa: Fundação Calouste Gulberkian, 1995.
WITTGENSTEIN, L. Investigações Filosóficas. Lisboa: Fundação Calouste Gulberkian, 1995.
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* Professor
Fonte: http://filosofonet.wordpress.com/2012/05/24/wittgenstein-o-que-e-pensar-cientificamente/
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