Amália Safatle, da Página 22
Sem
aviso prévio, as empresas dão-se conta de que perderam o controle da
comunicação sobre elas mesmas. O privado virou público, os manuais se
tornaram peças pré-históricas e o greenwashing já era. E agora?
A descoberta de capim no estômago de mamutes congelados na Sibéria
indicaria que estes foram surpreendidos, em meio à refeição, por um
abrupto fenômeno natural naqueles tempos pré-históricos. Essa mesma
imagem é transposta para ilustrar um período mais atual que nunca: é
assim que as empresas se sentem hoje, quando o assunto é a maneira como
se comunicam e se relacionam com a sociedade.
Em plena transição para a pós-modernidade, o modo paquidérmico de se
relacionar é assolado por mudanças implacáveis. Sem aviso prévio, as
empresas dão-se conta de que não controlam mais a comunicação. Não detêm
mais o enunciado sobre elas próprias. Os muros caíram, os reis ficaram
nus e tudo isso foi parar nos facebooks da vida. E agora?
“Agora são tempos muito interessantes para a comunicação
corporativa”, diz Hélio Muniz Garcia, diretor de comunicação do
McDonald’s no Brasil. Nas entrevistas em off que os comunicadores de 11
grandes empresas concederam a um pesquisador, a aflição com os novos
tempos se mostra mais patente, como dá para notar pela metáfora do
mamute, citada por um dos respondentes.
“O pessoal está assustado, vendo que os conceitos mudaram e que a
antiga fórmula de comunicar não dá mais certo. O que não sabem é como
mudar as práticas, até porque percebem que as escolas ainda estão
formando profissionais de relações públicas, propaganda e jornalismo nos
moldes antigos”, diz Rafael Luis Pompeia Gioielli, que trabalha no
Instituto Votorantim e ouviu as companhias para municiar sua tese de
doutorado. (mais sobre formação de comunicadores na reportagem “Pauta a
cumprir“)
Intitulada Empresas, Sociedade e Comunicação: debates e tendências na
transição pós-moderna, a tese defendida na Escola de Comunicações e
Artes (ECA) da USP [1] recheia-se de exemplos para ilustrar como a era
das redes revolucionou a comunicação, e por que comunicação não é mais
passar uma mensagem nem convencer o receptor e, sim, fazer parte do
processo de transformação daquilo que está a sua volta. ( O estudo
estará acessível em teses.usp.br)
O greenwashing já era
Quando a Vale do Rio Doce viu que aparecia em primeiro lugar no ranking de “pior empresa do mundo” da premiação Public Eye Awards
[1], a “crise” foi gerida da forma mais equivocada. A área de
comunicação abriu o acesso dos funcionários da companhia às redes
sociais orientando que votassem na segunda colocada – a Tepco,
responsável pelas usinas nucleares de Fukushima – de modo a escapar da
“liderança”. Mas os funcionários não só não votaram, como a informação,
obviamente, vazou, fazendo com que a emenda ficasse pior que o soneto. E
a Vale foi eleita em primeiro.
[1]Conhecido como o
Nobel da vergonha corporativa mundial, criado pelas ONGs Greenpeace e
Declaração de Berna, é concedido a empresas com graves passivos sociais e
ambientais, por voto popular
Segundo Gioielli, a orientação havia sido baseada na ideia antiga,
verticalizada e funcionalista da comunicação, de que o emissor controla a
informação e o receptor atenderia ao comando. “Mas as empresas não têm
mais o poder que tinham. Sua imagem não é mais construída por elas
mesmas, e, sim, por meio de um processo colaborativo, em rede”, diz. Ele
cita os exemplos da BP e da Chevron, em que os comunicados que
atenuavam a gravidade dos vazamentos foram rapidamente confrontados e
desmentidos pela informação on-line e viral das redes. “Acabou o
greenwashing”, afirma Gioielli. “O greenwashing já era”, reforça um dos
maiores estudiosos da sociedade em rede, Augusto de Franco.
Tem que participar
Não basta só emitir uma mensagem. Que o diga a construtora
responsável por estádios da Copa do Mundo. A empresa mal podia imaginar a
perturbação que causaria uma simples câmera instalada por um vizinho de
um dos canteiros e plugada na web, registrando 24 horas por dia a obra
que não avançava. Enquanto a empresa se perdia em reuniões com a equipe
de comunicação para ver como gerir a crise, a filha do
presidente-executivo da construtora – que sofria bullying dos colegas na
escola, que cobravam a aceleração das obras – sugeriu que a empresa
colocasse um 0800 para prestar as informações.
Foi daí que surgiu a ideia de a empresa criar um hotsite, pelo qual
passou a ser possível a qualquer cidadão acompanhar on-line o andamento
das obras – assim como fazia o vizinho “bisbilhoteiro”. Só que, desta
vez, a empresa passava a assumir o compromisso com a transparência – e
precisava realmente de acelerar a construção, para ter o que mostrar.
“Percebe como uma menina de 11 anos encontrou a solução para nos
comunicarmos de forma adequada com a sociedade?”, ressalta o diretor de
comunicação da empresa, ouvido pelo pesquisador.
Mais que o surgimento de ideias e estratégias, produtos e serviços,
essa nova dinâmica de diálogo propicia mudanças de comportamento e de
cultura também na “psique” organizacional, na opinião de Guilherme
Patrus Mundim Pena, diretor de comunicação institucional da Copersucar.
(Leia a entrevista na íntegra)
Para ele, a área mais competente para lidar com essa nova demanda
complexa é a de comunicação – mas não de forma isolada, pois a profusão
dos meios e dos produtores de conteúdos também quebrou seu “monopólio da
fala” dentro da instituição. “Nesse novo ambiente, a fala é cada vez
mais transversal, interagindo com as áreas de TI, RH, marketing e também
com o jurídico, sem falar na constante calibração estratégica com o
alto-comando”, diz.
Hélio Muniz, do McDonald’s, lembra que pouco tempo atrás o
alto-comando relacionava-se com a área de comunicação assim: “Escreve um
press release e espera minha aprovação em uma semana”. Mas, com a
informação que flui praticamente livre e incontrolável pelas redes, não
só a comunicação passa a ser feita de forma instantânea, em tempo real,
como vem abrir um novíssimo capítulo na Teoria da Comunicação.
A grande crítica dos estudiosos da Escola de Frankfurt [2] é que a
chamada esfera pública midiática era mediada por veículos controlados
por interesses privados, usando a comunicação como instrumento de
dominação das massas, para fins específicos. Entre seus principais
expoentes, Theodor Adorno, Max Horkheimer, Walter Benjamin, Herbert
Marcuse e Jürgen Habermas disseminaram expressões como “indústria
cultural” e “cultura de massa”.
[2] Escola de teoria social interdisciplinar neomarxista, criada na década de 1920, associada à Universidade de Frankfurt
Essa importante discussão que permeia a grade curricular das escolas
de comunicação desde o século XX agora deve ser revista com o advento
das redes, que diluem o poder dos chamados “interesses privados”. Aliás,
o que é privado que ainda não se tornou público? Algumas escolas, como a
ECA, até criaram disciplinas como Novas Mídias, mas, no entender de
Gioielli, estas ainda não aprofundam o debate sobre a mudança estrutural
que o advento da sociedade em rede traz à comunicação.
Novo contexto cultural
Como um adolescente cheio de novas ideias e que não cabe mais nas
roupas de criança, essa mudança do moderno (visão linear, cartesiana,
verticalizada e insustentável) para o pós-moderno (visão complexa,
multidimensional, horizontalizada e mais sustentável) provoca um choque
cultural quando confrontada com as velhas e limitadas estruturas
organizacionais.
“Tudo que é sustentável tem padrão de rede”, afirma Franco,
articulador da Escola de Redes. “A vida na Terra se organizou dessa
forma, não tem hierarquias. O que é vivo tem membranas permeáveis, e não
paredes.” Somente de 6 mil anos para cá é que a civilização “inventou” a
verticalidade, expressão na qual Franco remete não somente às
construções arquitetônicas, como à hierarquia do patriarcado e do
Estado. “São 3,9 milhões de anos [de expertise da natureza]
desperdiçados.”
Para Franco, estamos vivendo uma mudança cultural que questiona tudo
isso e usou a tecnologia para acelerar o processo. “Se não houvesse esse
desejo de mudança, a internet não seria usada para quebrar as
hierarquias. Foi a mudança social que levou a esse uso da intenet, e não
o contrário”, defende.
Por isso, Gioielli afirma que não se trata de “criminalizar” as
empresas, que até então estavam apenas respondendo a um determinado
modelo mental e cultural da sociedade. “Antes, por exemplo, a imagem de
uma empresa admirável era a de uma chaminé soltando fumaça. O que mudou
foi o entendimento da sociedade sobre ela mesma”, diz.
Mas o efeito disso, diz Franco, é que hoje as empresas estão
“malucas”, porque são obrigadas a inovar, quando nasceram formatadas
apenas para copiar e aperfeiçoar processos já conhecidos. Assim, querem
ser inovadoras ao mesmo tempo que as pessoas ficam presas em cinco
reuniões por dia, são proibidas de usar o Facebook na empresa e
obrigadas a ir todos os dias bater cartão no mesmo horário para fazer
coisas que poderiam fazer de outros lugares ou de casa. Isso se chama
teletrabalho [3], que permite mais mobilidade, flexibilidade, evita
perda de tempo, emissões de carbono e desgates no deslocamento físico,
aumentando a produtividade e a qualidade de vida.
[3] Há uma expectativa
de que o instrumento do teletrabalho passe a ser mais usado pelas
empresas com a promulgação da Lei nº 12.551/2011, que regulamenta o
trabalho à distância no Brasil
Alta mortalidade
E Afora isso, Franco diz que há um entendimento equivocado do que é
ser sustentável. No caso das empresas, acredita-se que signifique
perpetuar o negócio. “Mas o que é sustentável não dura para sempre, e,
sim, muda sempre”. No livro Vida e Morte das Empresas na Sociedade em
Rede, editado pela Escola de Redes, Franco registra um dado perturbador
sobre a expectativa de vida média das empresas americanas, segundo a
S&P500: de 75 anos, em 1937, caiu vertiginosamente para 15, em 2011.
Se mantida essa curva, o que acontecerá com as empresas?
Ao mesmo tempo, existe uma alta natalidade, e não mais atrelada a
acúmulo de dinheiro guardado e nem ao bom relacionamento com políticos –
fatores que no passado eram cruciais para criar uma empresa. “Não se
precisa mais de capital inicial, e sim saber inovar.”
É na gerência média das empresas que Franco vê a menor receptividade à
inovação. “São funcionários que desejam crescer na empresa usando o
modelo conhecido.” Não que o fortalecimento do status quo seja algo
perseguido apenas no ambiente corporativo. “A rotatividade na alta
chefia das ONGs é menor que no Partido Comunista”, dispara Franco.
Em um vislumbre do futuro, ele enxerga as empresas como comunidades
móveis de negócios, formada por redes de stakeholders. Tudo isso é uma
revolução tanto na forma de se relacionar como de comunicar, interagir e
transformar a realidade. Até porque, a esta altura, todas essas
caixinhas já terão se fundido em uma só.
Comunicar crescimento e sustentabilidade?
Por ser considerada empresa benchmark em sustentabilidade, procuramos
a Natura para abordar um ponto nevrálgico: a questão do consumo.
Perguntamos como a empresa lida com o fato de que sustentabilidade
pressupõe limites – ao consumo, ao uso de recursos e de energia, à
geração de resíduos – mas ao mesmo tempo precisa comunicar ao mercado
que é uma empresa em crescimento.
“Não existe só uma comunicação, existem muitas. Na comunicação com o
mercado, com o acionista, preciso falar da continuidade, da perpetuação
do negócio”, diz Rodolfo Guttilla, diretor de assuntos corporativos da
Natura. Ele afirma que não existe contradição entre comunicar
sustentabilidade e crescimento simultaneamente se a empresa crescer em
receita, mas não aumentar o uso de recursos, com ganho de produtividade e
aumento de eficiência.
Questionado sobre os limites ao crescimento, considerando que já
estamos usando um planeta e meio, Guttilla responde que a Natura tem
como meta futura atingir um modo de produção craddle to craddle (do
berço ao berço, ou seja, por meio de um ciclo fechado) “Mas, mesmo em
uma situação de ciclo fechado, existe um limite ao crescimento, que a
gente não sabe qual é”, admite.
(Página 22)Fonte: http://mercadoetico.terra.com.br/arquivo/caiu-na-rede/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=mercado-etico-25/05/2012
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