sábado, 12 de maio de 2012

D. Gianfranco Ravasi vem a Fátima como «peregrino de um lugar materno para a cultura contemporânea»

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O presidente do Conselho Pontifício da Cultura, que dirige a peregrinação de 12 e 13 de maio em Fátima, considera que o santuário é um espaço de encontro das tendências culturais da atualidade.
Em entrevista à Sala de Imprensa do Santuário de Fátima, D. Gianfranco Ravasi afirma que recebeu o convite para presidir às celebrações com «alguma emoção» e sublinha que se desloca à Cova da Iria «como peregrino de um lugar materno para a cultura contemporânea».

Com que sentimento recebeu o convite de D. António Marto, bispo de Leiria-Fátima, para presidir à peregrinação aniversária da primeira aparição de Nossa Senhora em Fátima?
Acolho o convite com particular interesse e até alguma emoção. Surgem no meu espírito três razões: primeiramente, guardo vivo na memória ter sido peregrino de Fátima na minha juventude; desloquei-me, depois, já como bispo, para falar aos grupos diocesanos da pastoral da cultura e visitei a nova Igreja da Santíssima Trindade. Uma terceira razão que pessoalmente me une ao Santuário é ter favorecido muitas peregrinações organizadas pela Agência Duomo, de Milão, quando era seu Presidente. Uma das grandes metas era precisamente Fátima.
Agora irei, também eu, como peregrino de um lugar materno para a cultura contemporânea.

Quase a chegarem os 100 anos das aparições de Fátima (1917-2017) qual a importância desta revelação para o mundo de hoje?
Sobre a importância e o sentido das aparições foi já escrito e dito tanto. Sublinharia, mais do que as indicações gerais de espiritualidade, ainda que legítimas e oportunas para uma grande maioria dos peregrinos, o valor que a mensagem de Fátima atribui à história, a união da visão cristã com a realidade histórica da vida. Merece grande atualidade o forte apelo a viver a própria história com fidelidade e em permanente conversão  ao querer de Deus.

Que mensagem especial pensa trazer para os peregrinos?
Estou ainda a preparar-me, mas algumas perspetivas tenho já no meu espírito. Primeiro, valorizar o santuário como lugar da escuta da Palavra de Deus. Em segundo, chamar a atenção para a recuperação do extraordinário, para a valorização da experiência de momentos de diversidade da rotina quotidiana. Encontrar-se cada um consigo mesmo, no silêncio, permite distanciar-se de tanta superficialidade a que parece obrigar a agitação da vida contemporânea. Em terceiro lugar, um santuário mariano é lugar para recuperar a festa cristã, com a vivência litúrgica da alegria interior e da participação comunitária. Penso ainda, apelar para a descoberta da riqueza da diversidade e da pluralidade das culturas, que um lugar como Fátima acolhe e potencia.  

 "Antes de mais, conduzir à celebração da dignidade da pessoa humana, que está posta em crise na cultura contemporânea. Basta pensar na internet e na comunicação de massas que promove e cria autómatos isolados e individualistas."

Que balanço fez do encontro do Santo Padre Bento XVI, em maio  de 2010, em Lisboa, com várias personalidades portuguesas do mundo da cultura?
Além da beleza do espaço, relembraria a profundidade dos gestos, como a ternura do encontro entre Manoel de Oliveira e Bento XVI, descendo este da sua cadeira para ir ao encontro do cineasta, atitude da Igreja chamada a ir ao encontro da cultura contemporânea.
Foram tópicos importantes da intervenção do Santo Padre: centrar na beleza da vida as expressões da arte e da literatura, atender à tradição na busca do saber, considerar o futuro nas opções da ciência. A simpatia com que tantas figuras da cultura portuguesa acolheram Bento XVI demonstrou ser campo aberto para um trabalho pastoral. Aliás sei que várias dioceses estão a percorrer esse caminho, animadas por um Secretariado da Pastoral da Cultura bastante criativo.

O Conselho Pontifício a que preside tem conseguido alcançar os objetivos a que se propôs há trinta anos aquando da sua criação?
Mais do que conseguir cumprir objetivos prefixados procuramos andar além. A cultura, por natureza, está sempre em evolução. Temas que eram, então, apenas embrionários adquiriram nos últimos anos um especial vigor. Posso citar o campo da relação entre ciência e fé, entre fé e estética, a dimensão da interculturalidade, o humanismo da economia. Muito criativo e grande desafio tem constituído o Átrio dos Gentios, que desde 2010 corresponde a uma atitude com largo futuro.

Sendo o diálogo entre a igreja e as culturas do nosso tempo um campo de atuação vital desse Conselho, qual a área do vosso trabalho que lhe parece mais difícil consolidar?
Apraz-me registar o que há de positivo e em crescimento, mas devo confessar que o mais exigente, dada a profunda mudança, é o setor da comunicação e linguagem. Assistimos a uma viragem rápida nas formas de linguagem e a fenómenos novos da grande cultura de massas que não podemos negligenciar, mas são meios difíceis, já que requerem uma adaptação que nos despoja de retórica, embora sendo canal para centrar a mensagem cristã no essencial.

Várias personalidades da Igreja, a começar pelo Santo Padre, têm qualificado esta crise que o mundo vive atualmente mais como uma crise de valores, e cultural, que uma crise económica e financeira. Será possível ultrapassar este problema apenas com este, digamos, regresso às origens, à família como célula primeira da sociedade, com a solidariedade entre as pessoas e as instituições?
A crise que vivemos é de ordem global. Não é apenas financeira. A queda das ideologias levou à queda dos valores. É importante interessar-se pelos problemas económicos como primeiro capítulo e como expressão de uma dificuldade muito mais vasta. Com a economia importa conjugar a cultura, a educação, a formação.
Na complexidade de um tratamento para a superação da crise, destacaria dois elementos ou conceitos a valorizar. Antes de mais, conduzir à celebração da dignidade da pessoa humana, que está posta em crise na cultura contemporânea. Basta pensar na internet e na comunicação de massas que promove e cria autómatos isolados e individualistas. Em segundo lugar, educar para a solidariedade, nova palavra para declinar o termo amor, que é muito mais um modo para o tornar compreensível a todos, também aos não crentes. Esta atitude alimentará um empenhamento social concreto e abrir-se-á à dimensão universalista, única capaz de hoje olhar o futuro com esperança.
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Reportagem por: Rui Jorge Martins
Entrevista de D. Gianfranco Ravasi: Santuário de Fátima
Fone Portuguesa:  
http://www.snpcultura.org/d_gianfranco_ravasi_vem_a_fatima_como_peregrino_de_um_lugar_materno_para_cultura_contemporanea.html

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