Vânia de Morais*
“Suspeitar é negar-se à certeza.”
Bartolomeu Campos de Queirós
Desde muito cedo andei buscando pela vida algum caminho que me levasse até onde morassem as certezas. Busquei nas religiões, nas palavras dos mais vividos, nos livros. Optei pela ciência e empilhei mais e mais livros nas prateleiras dos meus pensamentos. No entanto, a cada passo nesta longa busca, me deparo cada vez mais com a incerteza.
Hoje, tenho uma relação ambivalente com as certezas ou, se preferirem, com as verdades. Às vezes ainda as desejo intensamente como forma de aquietar o meu espírito, de dar-lhe o descanso de perguntar. Mas, na maior parte do tempo, convivo com as incertezas e suspeito das verdades.
As verdades disponíveis, geradas pela cultura, pela sociedade, pelas religiões, são parciais e estão comprometidas por interesses econômicos e ideológicos. Ao mesmo tempo, não podemos prescindir dos valores compartilhados, pois sem eles não haveria ética possível. Vivemos nos equilibrando na corda bamba de acreditar duvidando.
Apego às verdades
O apego de cada um às próprias verdades é a maneira mais comum de se lidar com as incertezas, muitas delas avassaladoras. Para a maioria de nós, é difícil considerá-las sem que se abra no peito um vão sem fim. As incertezas sobre a duração e os rumos da vida dos que amamos, sobre os resultados dos nossos esforços, as dúvidas sobre o amor, o desconhecido final da vida de cada um são temas angustiantes que pedem respostas, às quais não se pode obter, a não ser recorrendo ao campo da fé.
Mesmo sem ter apego a alguma religião, para acudir às suas dúvidas, muitos recorrem à crença no destino, ideia que nos oferece uma resposta simples. Mas essa é uma crença provisória, pois, quando o desejo se apresenta, as pessoas lutam pelo que querem e não esperam que o destino providencie sua realização. Ao contrário, frequentemente amoldam a convicção no destino ao desejo, afirmando que este é uma manifestação daquele.
Não... Não sabemos nada sobre o futuro, nem sobre a morte, nem sobre o que se passa nos sentimentos e pensamentos de outra pessoa, nem mesmo sobre os mecanismos das nossas próprias engrenagens, que nos surpreendem com sonhos, imagens e pensamentos que independem da nossa vontade. Não sabemos quase nada e vivemos pisando num terreno novo a cada instante.
É claro que isso é assustador e algumas pessoas criam estratégias sofisticadas na tentativa de controlar a vida, em vez de serem levadas na corrente viva do tempo. Mas, quanto mais tentam, menos conseguem. Nos extremos, encontramos pessoas que ritualizam suas vidas, obcecadas por controlar ações e pensamentos e por manter firmes as rédeas do tempo nas mãos. Tudo em vão. A vida faz emergir, a cada instante, o novo, e não há como impedir.
O grande desafio
Eis o grande desafio que temos pela frente todos os dias: o novo. Temos que encará-lo e aprender, com o correr dos dias, novas maneiras de interagir com ele. Nossas fórmulas pré-estabelecidas podem não ser úteis ao lidar com o que surge e por isso é bom que não nos apeguemos a elas.
As incertezas movem o homem em suas tentativas de compreender o mundo em que vive. Como resultado da busca, temos muitas respostas dadas pelas ciências, mas elas não respondem à pergunta sobre como devemos viver.
Essa resposta precisa ser recriada a cada dia e, para isso, a aprendizagem deve ser incessante. Aprender a perceber o empuxo da correnteza, a se entregar boiando nas águas dos dias, a nadar a braçadas firmes, a mergulhar e conhecer as profundezas, a invocar as forças da natureza, a apreciar a paisagem.
Observar a vida – e observar-se na vida – é fundamental para que a tomemos nas mãos. Temos que conviver diariamente com as incertezas. A disposição de refletir e de discernir nos dá o poder de escolher a direção e de dar sentido às nossas experiências. Sem isso, seríamos carregados, sem escolha, pelas correntes. E de nada serviria nos agarrar à margem e negar-nos à força do rio. Não há meio de controlar as águas. Ninguém pode impedir o fim da viagem.
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* Vânia de Morais Psicóloga, doutoranda em Linguística (PUC Minas, bolsista pela Fapemig), mestre em Ciências da Saúde (UFMG), pesquisadora em cognição e linguagem. Concentra seus estudos nas questões relativas à linguagem em psicoterapia. Professora em cursos de capacitação de psicoterapeutas e de Especialização em Terapias cognitivas da UFMG.
Fonte: http://www.domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=2884
Bartolomeu Campos de Queirós
Desde muito cedo andei buscando pela vida algum caminho que me levasse até onde morassem as certezas. Busquei nas religiões, nas palavras dos mais vividos, nos livros. Optei pela ciência e empilhei mais e mais livros nas prateleiras dos meus pensamentos. No entanto, a cada passo nesta longa busca, me deparo cada vez mais com a incerteza.
Hoje, tenho uma relação ambivalente com as certezas ou, se preferirem, com as verdades. Às vezes ainda as desejo intensamente como forma de aquietar o meu espírito, de dar-lhe o descanso de perguntar. Mas, na maior parte do tempo, convivo com as incertezas e suspeito das verdades.
As verdades disponíveis, geradas pela cultura, pela sociedade, pelas religiões, são parciais e estão comprometidas por interesses econômicos e ideológicos. Ao mesmo tempo, não podemos prescindir dos valores compartilhados, pois sem eles não haveria ética possível. Vivemos nos equilibrando na corda bamba de acreditar duvidando.
Apego às verdades
O apego de cada um às próprias verdades é a maneira mais comum de se lidar com as incertezas, muitas delas avassaladoras. Para a maioria de nós, é difícil considerá-las sem que se abra no peito um vão sem fim. As incertezas sobre a duração e os rumos da vida dos que amamos, sobre os resultados dos nossos esforços, as dúvidas sobre o amor, o desconhecido final da vida de cada um são temas angustiantes que pedem respostas, às quais não se pode obter, a não ser recorrendo ao campo da fé.
Mesmo sem ter apego a alguma religião, para acudir às suas dúvidas, muitos recorrem à crença no destino, ideia que nos oferece uma resposta simples. Mas essa é uma crença provisória, pois, quando o desejo se apresenta, as pessoas lutam pelo que querem e não esperam que o destino providencie sua realização. Ao contrário, frequentemente amoldam a convicção no destino ao desejo, afirmando que este é uma manifestação daquele.
Não... Não sabemos nada sobre o futuro, nem sobre a morte, nem sobre o que se passa nos sentimentos e pensamentos de outra pessoa, nem mesmo sobre os mecanismos das nossas próprias engrenagens, que nos surpreendem com sonhos, imagens e pensamentos que independem da nossa vontade. Não sabemos quase nada e vivemos pisando num terreno novo a cada instante.
É claro que isso é assustador e algumas pessoas criam estratégias sofisticadas na tentativa de controlar a vida, em vez de serem levadas na corrente viva do tempo. Mas, quanto mais tentam, menos conseguem. Nos extremos, encontramos pessoas que ritualizam suas vidas, obcecadas por controlar ações e pensamentos e por manter firmes as rédeas do tempo nas mãos. Tudo em vão. A vida faz emergir, a cada instante, o novo, e não há como impedir.
O grande desafio
Eis o grande desafio que temos pela frente todos os dias: o novo. Temos que encará-lo e aprender, com o correr dos dias, novas maneiras de interagir com ele. Nossas fórmulas pré-estabelecidas podem não ser úteis ao lidar com o que surge e por isso é bom que não nos apeguemos a elas.
As incertezas movem o homem em suas tentativas de compreender o mundo em que vive. Como resultado da busca, temos muitas respostas dadas pelas ciências, mas elas não respondem à pergunta sobre como devemos viver.
Essa resposta precisa ser recriada a cada dia e, para isso, a aprendizagem deve ser incessante. Aprender a perceber o empuxo da correnteza, a se entregar boiando nas águas dos dias, a nadar a braçadas firmes, a mergulhar e conhecer as profundezas, a invocar as forças da natureza, a apreciar a paisagem.
Observar a vida – e observar-se na vida – é fundamental para que a tomemos nas mãos. Temos que conviver diariamente com as incertezas. A disposição de refletir e de discernir nos dá o poder de escolher a direção e de dar sentido às nossas experiências. Sem isso, seríamos carregados, sem escolha, pelas correntes. E de nada serviria nos agarrar à margem e negar-nos à força do rio. Não há meio de controlar as águas. Ninguém pode impedir o fim da viagem.
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* Vânia de Morais Psicóloga, doutoranda em Linguística (PUC Minas, bolsista pela Fapemig), mestre em Ciências da Saúde (UFMG), pesquisadora em cognição e linguagem. Concentra seus estudos nas questões relativas à linguagem em psicoterapia. Professora em cursos de capacitação de psicoterapeutas e de Especialização em Terapias cognitivas da UFMG.
Fonte: http://www.domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=2884
Levando em consideração que o texto inicia-se com uma citação de Bartolomeu, desconfiei logo que só poderia tratar-se de algo interessante...Suspeita confirmada...Texto muito bom!
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