Michel Aires de Souza*
Vivemos
numa sociedade estratificada em função da ocupação social. As
diferenças entre os individuos numa sociedade surgem em função da
ocupação social. Algumas ocupações ou funções conferem prestígio, fama,
poder e dinheiro. Ser um grande médico, ser um grande engenheiro, um
bom jornalista ou administrador de empresas não é uma tarefa fácil. Para
se adquirir uma boa formação é necessário ter capital cultural, capital
financeiro e capital social. Não é possível formar um bom profissional
sem o respaldo de uma familia educada e consciente da importância da
cultura e do conhecimento. Também é necessário ter posses e dinheiro
para pagar boas escolas e ter bons professores. Além disso, é
imprescindível ter uma rede durável de relações interpessoais de
conhecimento e reconhecimento mútuo.
Em nossa sociedade se valoriza o trabalhador competente e habilidoso.
Afinal, vivemos numa sociedade do conhecimento. O mercado de trabalho
está cada vez mais flexível. Hoje as empresas associam uso intensivo da
tecnologia, terceirização e flexibilidade na produção. Com isso nos
últimos trinta anos o perfil do trabalhador se modificou. Ele se tornou
multifuncional e polivalente. O que começou a se valorizar foi a
interioridade do trabalhador, não sua força física. Devido a uma maior
automação e complexidade da produção o trabalhador tornou-se mais
criativo, inteligente e crítico. Exige-se dele a capacidade de mobilizar
saberes, conhecimentos e esquemas mentais para resolver problemas. Para
ser desejado pelo mercado de trabalho os indivíduos devem adquirir
recursos, obrigações, comportamentos e trabalhos pesados que são
essenciais ao mercado. Eles devem ter conhecimentos, habilidades
diversificadas e uma sólida formação profissional e cultural. Dessa
forma, para alcançar as melhores funções, os indivíduos devem se
esforçar para se tornarem competentes. Cada vez mais temos que agregar
valor ao nosso eu. Temos que falar inglês, fazer cursos, ter mais de uma
faculdade e adquirir de maneira pérpétua e constante competências
esperadas por nossos empregadores.
"Num mundo onde se valoriza a vitória e o
desempenho, os
vencedores são poucos e os
logrados são milhares."
Mas o que isso tem a ver com a vitória do Corinthians? Significa que o
futebol é um recurso simbólico para satisfazermos nossa incompletude.
Numa sociedade estratificada pela ocupação social muitos são os
logrados. As posições na hierarquia social são limitadas, enquanto o
número de indivíduos é ilimitado. O resultado disso é a frustração, a
impotência e o desajustamento social. A sociedade nos ensina que temos
que lutar, temos que nos esforçar, temos que vencer. As propagandas de
carros, de bancos, de faculdades e de lojas de comércio constantemente
dizem isso. Num mundo onde se valoriza a vitória e o desempenho, os
vencedores são poucos e os logrados são milhares. Se no vestibular de
medicina da USP 14.400 se escrevem e apenas 200 conseguem as vagas, a
culpa deve recair sobre os indivíduos. Eles não estudaram o suficiente,
eles não se esforçaram como deviam. É exatamente isso o que acontece. O
indivíduo culpa-se por sua incompetência. Acham que o problema está na
sua incapacidade, na sua falta de esforço, na sua falta de perseverança.
Mas o que não se deram conta, é que somente alguns superam as
expectativas do sistema. O indivíduo deve se sacrificar para alcançar um
lugar ao sol. Contudo, o sol nasceu para poucos. Só alguns
privilegiados podem sentir o gosto da glória, mas isso a duras penas.
Dessa forma, a satisfação simbólica é o único recurso. A vitória do
Corinthians é uma satisfação efêmera cuja função é manter o equilibrio
mental de milhares de torcedores. A vitória não alcançada na vida é uma
vitória que pode ser alcançar no futebol simbolicamente.
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* Professor.
Fonte: http://filosofonet.wordpress.com/author/filosofonet/
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