«A esperança cura, enquanto
a desesperança
adoece-nos»,
considera o padre
José Tolentino Mendonça
em entrevista
publicada esta
quarta-feira no jornal "Destak".
O diretor do Secretariado Nacional da Pastoral
da Cultura acentua a importância da oração: «Devemos rezar para abrir o
coração à vontade de Deus. Rezar para viver bem, em plenitude, todos os
momentos da vida, inclusivamente os de contradição, de ferida, de
doença, de crise. Rezar para que sejamos capazes de tirar partido
desses momentos».
Para o vice-reitor da Universidade Católica é
preciso dar mais tempo ao encontro com outros e com Deus: «O nosso
ativismo às vezes é uma barreira na relação. Precisamos de uma
pedagogia da audição, de nos escutarmos mais uns aos outros: há
demasiada vida calada, vida submersa».
O amor e a amizade têm a mesma raiz?
O nosso coração é só um, e nesse coração habitam
sentimentos que têm a mesma raiz de afeto, de relação com o outro e
connosco mesmos, mas a expressão desses sentimentos e a sua intensidade
é diferente. São primos.
Quis reabilitar a amizade?
Hoje a palavra amor corre o risco de se tornar
gasta. Para tudo utilizamos amor, como se não houvesse uma gramática
para declinar os sentimentos profundos do nosso coração. Ama-se o
chocolate, o pai, a mãe, o marido, a música que está no top. O que
neste livro proponho é uma viagem espiritual e cultural, em que se
mostra como a amizade tem sido uma constante decisiva na história da
humanidade.
Diz que Deus, como um grande amigo, só deseja que sejamos nós próprios. Mas mandaram-nos ser como os santos...
Os modelos são importantes na educação. Quando a
mãe dá a papa a uma criança, abre também a boca, num mimetismo. O bem
faz bem, e o contacto, a admiração por quem viveu uma vida plena é um
estímulo. Outra coisa é hipotecar aquilo que se é, em nome de um ideal.
A ideia de perfeição é um equívoco, a formação não é colocar-nos numa
forma, mas uma inspiração. É preciso mudar a forma como se vive e
transmite o cristianismo.
Vivemos presos da culpa?
Quando escrevi esta Teologia da Amizade ["Nenhum
caminho será longo", ed. Paulinas] foi sobretudo para isso, para dizer
que Deus não se intromete, não invade. Dá-nos liberdade, alegra-se com
as nossas alegrias, ampara as nossas dores, e é capaz de dizer uma
palavra que nos reorienta, mas faz isto com aquela discrição que é
típica da amizade. É muito importante pensar a relação com Deus como de
amizade.
O problema é que, no fundo, imaginamos
Deus à nossa imagem e semelhança. Eu, por exemplo, não concebo um Deus
sem sentido de humor...
E Deus tem sentido de humor (risos). Aliás, um
dos capítulos é sobre o humor de Deus, porque é impossível falar de
amor e amizade sem falar da capacidade de nos rirmos de nós próprios,
da alegria profunda e quotidiana das nossas vidas.
Também não é bombeiro.
É muito importante não ficarmos numa lógica
providencialista, como se Deus fosse o resolve tudo da nossa vida, o “ai
ai” a quem apelamos continuamente. Devemos manter com Ele uma relação
criativa, sincera, feita de perguntas. Não podemos reduzir a oração a
uma lista de pedidos.
Uma carta ao Pai Natal?
Mas Deus não é o Pai Natal. Temos de relacionar com ele as nossas vidas, não as nossas necessidades.
Para não ficarmos presos «no porque é que permite que alguns sofram e outros não»?
Exatamente, exatamente. A lógica do
providencialismo primeiro parece uma grande afirmação de Deus, mas
realmente é um nó cego, porque depressa se torna num Deus terrível,
aparentemente indiferente ao sofrimento do mundo.
Se as orações não devem ser uma carta ao Pai Natal, devem ser o quê, nomeadamente em momentos difíceis?
Devemos rezar para abrir o coração à vontade de
Deus. Rezar para viver bem, em plenitude, todos os momentos da vida,
inclusivamente os de contradição, de ferida, de doença, de crise. Rezar
para que sejamos capazes de tirar partido desses momentos. A esperança
cura, enquanto a desesperança adoece-nos. Kierkegaard dizia que a
angústia é doença mortal e cada vez mais vemos que é assim. A paz e a
serenidade que o caminho espiritual pode oferecer são uma terapia.
Os amigos conhecem-se bem. Mas na
prática a maioria de nós tem uma licenciatura nisto ou naquilo, mas
apenas a 4.ª classe do catecismo…
Os crentes em Portugal são uma minoria. Hoje em
dia são mais os católicos culturais, que interiorizaram os valores do
cristianismo, do que os católicos da prática, da pertença. E a Igreja e
os cristãos têm o dever da explicação, não podem dar por adquirido que
um determinado conhecimento se transmite, que faz parte da gramática
cultural, porque não faz, deixou de fazer. Hoje, Portugal é uma terra
de missão.
Como é que isto aconteceu?
Julgo que, entre outras coisas, o facto de o
cristianismo ter sido a religião social teve e tem o seu preço. Não era
uma adesão de coração, era uma tradição. Mas a fome de Deus, de
infinito, de sentido, de razões de viver, isso existe no coração das
pessoas.
Diz que o cristianismo é a chave da cultura ocidental. Sem essa chave não percebemos o nosso passado?
Sem as chaves cristãs entramos no Museu de Arte
Antiga e sentimo-nos como se estivéssemos perante as estátuas na ilha
de Páscoa, tudo parece um enigma. Hoje há um debate, um debate laico,
em que se pensa se da mesma forma que na escola se ensina a Odisseia e a
Ilíada, não se devia ler também a Bíblia. A Bíblia é um código para
abrir a cultura ocidental. Não possuir esse código é ficar como um
deserdado, expropriado de um património humano e cultural de
excelência. Sem perceber uma pintura, sem perceber Gil Vicente, Camões…
Diz que os cristão voltam a sê-lo por decisão pessoal...
Sim, e isso é uma nota de grande esperança, uma
nova oportunidade. Quando se faz uma opção há um caminho, um
compromisso, que não vem por um automatismo sociológico qualquer.
Fala de Marta e Maria. Sempre garanti à minha mãe que Jesus preferia a que ficava a falar com ele. Diga-me que tenho razão.
(risos) Todos temos um pouco de Marta e
de Maria. Não é que o trabalho dos tachos não seja necessário, mas como
dizia Ruy Cinatti, “Quem não me deu amor, não me deu nada” . Cada
pessoa que nos visita traz consigo uma história, e a melhor dádiva que
podemos dar é tempo para que o outro se conte, e se diga. O nosso
ativismo às vezes é uma barreira na relação. Precisamos de uma
pedagogia da audição, de nos escutarmos mais uns aos outros: há
demasiada vida calada, vida submersa.
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Entrevista de Isabel Stilwell
In Destak, 21.11.2012
22.11.12
In Destak, 21.11.2012
22.11.12
Fonte: Site de Portugal: http://www.snpcultura.org/esperanca_cura_desesperanca_adoece.html
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