terça-feira, 27 de novembro de 2012

"Falta confiança aos empresários", diz Delfim Netto

Antônio Delfim Netto (Foto: divulgação/wikipedia)

 

O ex-ministro diz que a desconfiança dos empresários em relação ao governo está impedindo investimentos – e afirma que os críticos do Banco Central estão mal informados

Uma das coisas que explicam a vitalidade do economista Antônio Delfim Netto aos 84 anos é a sua disposição de combate. Neste momento, o ex-ministro dos governos militares (Fazenda, Agricultura e Planejamento) e czar da economia nos anos 1960, 70 e 80 está empenhado em defender a gestão da presidente Dilma Rousseff na economia. Concede que o governo se “comunica mal” e que às vezes lhe “falta jeito”, mas diz que, no essencial, o ativismo da equipe de Dilma tem sido na direção correta – embora venha sendo mal interpretado.
O empresariado, diz ele, desconfia das intenções do governo, que é percebido como estatizante, e isso paralisa os investimentos. “Minha maior preocupação é superar essa dificuldade, porque assim nós consagraremos um crescimento de 3,5% a 4%", diz ele. “Eu acho que não há nenhuma razão para catastrofismo. Quando você olha a realidade mundial, vê que estamos em uma situação melhor que a maioria dos países. Somos um país em pleno emprego.” A entrevista que segue foi feita no escritório de Delfim, localizado a lado do estádio do Pacaembu, em São Paulo, na manhã de sexta-feira, dia 23, numa janela de 30 minutos da sua agenda lotada de consultor.

ÉPOCA – Por que os investimentos não estão crescendo?
Antônio Delfim Netto –
Não estão crescendo porque as pessoas não têm confiança. A confiança é a roda dentada que mexe tudo. A economia é simplesmente uma questão de confiança. É um circuito. E a roda dentada que mexe tudo é a confiança. É a confiança que faz o trabalhador acreditar que vai continuar no emprego e, portanto, comprar geladeira. É confiança que faz o fabricante de geladeira comprar aço, para fazer uma nova geladeira. É a confiança que faz um banco emprestar para outro banco, emprestar para o empresário e emprestar para o trabalhador, para comprar a geladeira a prazo. Tudo depende da confiança. Essa roda dentada é que perdeu os dentes – em cima de uma hipótese falsa. A hipótese de que existe um complô contra o setor privado, de que o governo quer nacionalizar a economia.Tudo isso, na verdade, é pura invenção, que se autoalimenta.

ÉPOCA – Algo alimenta esse sentimento?
Delfim Netto –
O ativismo do governo estimula a crença. Mas é um ativismo na direção correta. Quando o governo iniciou esse processo de redução da taxa de juros, estava na direção certa. Está provado que podia baixar os juros e que devia baixar os juros. Alguém tem dúvida sobre isso? A coisa mais divertida é ver um “cientista” dizer: “eu duvido que isso dure cinco anos”. Não sei se o mundo vai durar cinco anos. Essas opiniões não têm fundamento em coisa nenhuma. Não adianta vir com regressões, com estudos econométricos, que simplesmente representam o passado. O que me parece é que há sim um ativismo do governo, mas na direção correta. Não é contra o setor privado. É um ativismo que está tentando cooptar o setor privado. Só que um pouco de mau jeito. É este que, eu acho, é o ponto central. Onde eu acho que o governo erra? É não dizer claramente o que está fazendo. Começar a fazer truques.

ÉPOCA – Por exemplo...
Delfim Netto –
Essa contabilidade fantasiosa, para dizer que fez 3,1 de superávit primário, quando fez 1,9. Seria muito mais eficaz explicar: “Aconteceu isto e aquilo. É 1,9, ou 2,0 ou 2,1. Não é 3,1. Mesmo porque, eu baixei os juros, vou continuar baixando a relação dívida/ PIB”. Não se abandonou coisa nenhuma. Que o governo não está fazendo um controle dos gastos formidável, não está mesmo. E nenhum país do mundo está fazendo. Afinal de contas, o Brasil está crescendo 1,6%. É uma coisa ridícula. Então, essa ideia de que ele abandonou o câmbio, de que o câmbio não flutua... em que país do mundo o câmbio flutua? Nem na Suíça. As pessoas estão absolutamente desinformadas. Nenhum banco central do mundo abandona nem o nível de atividade nem a taxa de câmbio. A maioria desses críticos está absolutamente desinformada sobre para onde está indo a nova teoria econômica, que está absorvendo as críticas que foram feitas a partir de 2008, quando ela foi surpreendida por uma crise. O Stanley Fischer, que era o símbolo da ortodoxia...

ÉPOCA – Ele está em Israel agora...
Delfim Netto –
Ele foi punido com a presidência do banco de Israel. E aprendeu uma enormidade. Então, é preciso ler o que ele está escrevendo. Há todo um movimento. Por isso eu digo que o Alexandre Tombini, (presidente do Banco Central), está melhor aparelhado do que os críticos. O departamento econômico do Banco Central tem gente de altíssima qualidade Não fica devendo a nenhum banco central do mundo em matéria de qualidade de profissionais de análise. Eles estão aprendendo o que todos nós estamos aprendendo com a crise. Então, me parece o seguinte: há um grande exagero. Não se abandonou o equilíbrio. O que eu acho é que você não pode continuar com esse jogo com o BNDES.

ÉPOCA – Qual jogo?
Delfim Netto –
Transferir receita para o BNDES. Há um limite para usar o BNDES. Acho que já atingiu um teto. Aí não se cria recurso nenhum. Quando o governo faz uma dívida para dar dinheiro para o BNDES, ele está fazendo duas coisas: a primeira, ele está dando um subsídio, e ele devia escrever isso no orçamento; a segunda, é que quem está comprando papel do governo, ia investir ou consumir. De forma que o efeito final do BNDES, a não ser quando é um investimento de uma natureza absolutamente extraordinária, é muito menor do que parece.O que nós precisamos é construir um mercado secundário de capitais, e o BNDES é fundamental para isso. O BNDES foi feito para isso.

ÉPOCA – E no caso das elétricas, houve erro do governo?
Delfim Netto –
No caso das elétricas, eu acho que é uma coisa muito simples. Não houve nenhum rompimento de contrato, não houve nenhuma violência, a não ser a violência da comunicação. Aquilo tinha que ser feito como uma lei. Manda para o Congresso, para discutir. Foi um mau jeito. A mudança iria acontecer de qualquer jeito. Podia ter feito com muito mais jeito. O que importa nesse processo é que você criou um estado de hostilidade entre o setor e o governo. Que obviamente não é benéfico ao investimento.
Houve um problema de comunicação. Agora, o setor privado também não pode dizer que não sabia. Ninguém estava sem saber que até 2017 ia vencer o seu contrato. E nenhum analista desses gênios que estão por aí podia ignorar este fato, e fingir que não ia acontecer nada. O que me parece é que isso foi feito de uma maneira truculenta. Não violando contratos, essa crítica é falsa. Mas foi feita de maneira truculenta, é óbvio. Também é mentira dizer que não havia nenhuma discussão. Faz um ano e meio, dois anos, que essa gente toda está discutindo na casa civil, o que ia acontecer, qual era a alternativa. Há mais de um ano esse negócio está circulando. A FIESP preparou não sei quanto papeis sobre isso.

ÉPOCA – O que o inquieta e o que o deixa tranquilo para 2013?
Delfim Netto –
Tranquilo, nada me deixa. Primeiro, eu acho o seguinte: 2013 não está dado. Vai ser o que nós formos capazes de fazer dele. Depende do governo e dependo do setor privado. O segundo problema é que não existe nenhuma capacidade de previsão. A minha esperança é de que se transcenda esse mito que da separação entre o setor público e o setor privado, para de novo acordar o espírito animal dos empresários brasileiros. Eles estão aí, mas precisam acreditar que ninguém está querendo uma sociedade socialista. Todos nós queremos uma sociedade capitalista moderna.

ÉPOCA – Qual sua maior preocupação para esse ano que entra?
Delfim Netto –
Minha maior preocupação é superar essas dificuldades, porque assim nós consagraremos um crescimento de 3,5% a 4%. E continuando com os objetivos de inclusão. Eu acho que não há nenhuma razão para catastrofismo. Quando você olha a realidade mundial, você vê que estamos em uma situação melhor que a maioria dos países. Somos um país em pleno emprego. Pleno emprego produzido por uma revolução das mulheres.

ÉPOCA – De onde o senhor tirou isso?
Delfim Netto – É isso mesmo. As mulheres se educaram mais que os homens. Quando eu era moço, na Idade Média, eu e o Roberto Campos dizíamos “ih, não vai dar certo”. Nós vamos ter 500 milhões de habitantes em 1990, em 2000 nós vamos ser uma Índia. Nada. Cada mulher deixava 6 filhos. Hoje, cada mulher deixa menos de 2. Elas se educaram mais que os homens. Progrediram. Colocaram como objetivo número 1 de suas famílias a educação. Você pode pegar a pessoa mais humilde, ela está fazendo o diabo para o filho ir para a escola. Porque incorporou a ideia de que só o conhecimento é a única herança que você pode deixar. O resto tudo pode ser tirado. Isso não. Aí está o avanço: a mulher era empregada doméstica, passou a ser manicure, foi para o call Center, do call Center foi para uma loja de departamento. Hoje ela está lá numa loja de departamentos como gerente. Essa revolução feminina, que é a revolução demográfica, é a coisa mais importante que aconteceu no Brasil. Porque ela está ligada a essa ideia da educação da mulher. A mulher aprendeu a dirigir, a cuidar do filho, a trabalhar. E nós estamos sendo dirigidos por um matriarcado...
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Reportagem por  IVAN MARTINS
Fonte:  http://revistaepoca.globo.com/Brasil/noticia/2012/11/antonio-delfim-netto-esta-faltando-confianca.html

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