Antonio Ozaí da Silva*
“…carrego dentro de mim o que me mata. Falta-me tempo para as frivolidades, tenho nas mãos uma imensa tarefa. Como a realizarei? Vejo que a morte se apressa e a vida foge. Diante dessas duas pressões, ensina-me algum expediente! Faze com que eu não fuja da morte e que a vida não me escape. Exorta-me com relação ao que é difícil; dá-me longevidade contra aquilo que é inevitável. Vem alargar meu tempo, que é tão curto. Ensina-me que a boa vida não se mede pela duração mas como a empregamos. Acontece muitas vezes que uma longa vida não é realmente vivida”. (Sêneca) [1]
O jovem almeja viver muito, mas dificilmente se imagina idoso. A
juventude parece-lhe eterna e raramente verá no velho diante de si o
espelho que reflete a sua imagem futura – isto se tiver a sorte, ou
azar, de viver muito, pois a ninguém é garantido atingir a velhice. Os
jovens, em geral, sentem-se imortais, a morte parecem-lhes mais
apropriada aos que chegaram à terceira idade – recusam-se a pensar na
morte e nisto são acompanhados por muitos idosos iludidos com a
seqüência do passar dos dias. Alguns até desdenham dos mais velhos –
talvez, inconscientemente, seja uma reação de auto-proteção e de recusa
do futuro que se anuncia. “Um jovem”, escreve Ernst Bloch, “pode
imaginar-se como homem, mas dificilmente como idoso: a manhã aponta para
o meio dia, não para a noite. Em si é estranho que o envelhecimento, na
medida em que se refere à perda da condição anterior com ou sem razão
sentida como mais bela, só comece a ser percebido por volta dos 50anos.
Não haveria perda para o jovem que deixa para trás a criança? E não
haveria uma perda para o homem quando deixa a florescência da juventude,
quando o impulso se atrofia?” [2]
O cinquentenário parece anunciar o movimento de descida. Agora, a
vida desce ladeira abaixo. Há o risco de deprimir-se diante da certeza
de que a vida esvaece-se a cada dia e a morte parece mais próxima. O
otimista reage fazendo de conta que a vida não passou, iludindo-se com o
apego à juventude. O dito de que permanecemos jovens em espírito
é um engodo. Não há como negar que o tempo passou, as marcas na face,
as doenças que irrompem, as dores no corpo, a perda da vitalidade, etc.,
demonstram-no. “O tempo passa com uma infinita velocidade, e só
percebemos bem se olharmos para trás; o passado escapa aos que se
absorvem no presente, tal o modo pelo qual essa fuga ocorre sutilmente”,
afirma Sêneca. [3]
Não é preciso enganar-se, fazer de conta de que o tempo não passou,
nem cair em depressão diante das dificuldades que o avançar da idade
impõe. Basta encarar com naturalidade. Começamos a morrer tão logo
nascemos, é a dialética da vida. Os jovens não estão isentos do
sofrimento e as dores do tempo não são exclusividade dos idosos. “Mas
incomoda”, dizes, “ter a morte em vida.” Em primeiro lugar, ela está
sempre presente, quer para o velho ou para o jovem – e não se trata aqui
de consenso surgido de uma votação. Depois, ninguém é tão velho que não
possa reivindicar para si mais um dia. Um dia é um degrau na vida”. [4]
O mais importante na vida não é a longevidade, mas o viver bem.
Chegar à velhice não significa necessariamente ter vivido mais, pois
aquele que a morte abraçou em tenra idade viveu bem se intensamente.
“Que importa, afinal de contas, sair antes ou mais tarde de onde se deve
mesmo sair? O essencial não é viver por muito tempo, mas viver
plenamente”. Pois, de que adianta ao homem, “oitenta anos passados sem
ter feito nada? Ele não morreu tarde, mas ficou morrendo por longo
tempo. Viveu oitenta anos, mas viveu mesmo? Importa saber a partir de
quando se conta sua morte?” [5]
A medida da vida está em olhar para si mesmo e contabilizar não o
tempo, mas as ações e as relações humanas construídas. Se olharmos para
trás e sentirmos que valeu a pena viver, então a vida foi plena. Por
que, então, temer a velhice? A morte não escolhe idade, por que temê-la?
“É um homem muito feliz e com plena posse de si mesmo o que espera o
amanhã sem inquietude. Todo o que diz “já vivi” recebe cotidianamente
mais um dia como lucro”. [6]
O amanhã não nos pertence! Portanto, encaremos com alegria ter vivido o
que nos foi permitido. Ainda que o tempo imprima marcas indeléveis no
corpo e alma que chega aos 50 anos de existência, nos alegremos por cada
dia acrescentado ao viver. Afinal, a velhice tem as suas vantagens!
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