John Casti fotografado num hotel em Lisboa: "A UE já não parece uma União, mas antes uma aliança económica de conveniência que quando deixou de o ser entrou em queda" Jorge Simão
Autor do livro "Acontecimentos Extremos - 11 Cenários para Uma Catástrofe", já lançado em Portugal, diz ao Expresso que as hipóteses de destruição da civilização humana são muito mais prováveis do que pensamos.
O desenvolvimento tecnológico criou uma dependência tão
grande da sociedade em relação a sistemas complexos que a torna cada
vez mais vulnerável ao colapso provocado por acontecimentos extremos. É
esta a mensagem do livro "Acontecimentos Extremos - 11 Cenários para Uma
Catástrofe" (lançado pela editora Lua de Papel), do conhecido escritor,
matemático e especialista americano em sistemas complexos John Casti,
investigador do International Institute fo Applied Systems Analysis, em
Laxenburg, na Áustria. O autor, entrevistado pelo Expresso em Lisboa,
chama a um evento extremo "Acontecimento-X" e defende que as hipóteses
de destruição da civilização humana tal como a conhecemos são muito mais
prováveis do que pensamos.
No cenário de colapso da globalização que refere no
seu livro, inclui o declínio e queda do euro e da União Europeia. Esta
hipótese é inevitável? Sim, o declínio e a queda da União Europeia
são inevitáveis. Depois de isso acontecer, podemos imaginar quatro ou
cinco cenários, mas o que acho menos provável é que tudo volte a ser o
que era antes de existir a União Europeia: 27 países diferentes a
fazerem 27 coisas diferentes, todos a regressarem às antigas moedas, a
repor os controlos de fronteira, etc. Não acredito que isso vá
acontecer. Mas espero que o problema não seja resolvido com uma guerra. A
questão central da criação da União Europeia era evitar uma nova guerra
europeia, mas isso poderá voltar a acontecer.
Uma guerra? Talvez uma guerra económica
ou uma guerra de informação e não uma guerra militar, mas seria na mesma
desagradável. Quando a psicologia de um grupo social é negativa, quando
as pessoas começam a ter medo do futuro, os eventos relacionados com
esse grupo têm tendência para se aproximarem mais de conceitos como
"local" em vez de "glocal", "separar" em vez de "juntar", "rejeitar" em
vez de "saudar". A União Europeia tem hoje tantas situações de stresse
que se gera uma mentalidade de barco salva-vidas. O melhor exemplo foi
quando os alemães começaram a dizer: "Não queremos dar o nosso dinheiro
para ajudar esses gregos preguiçosos". Isso já não parece uma União mas
antes uma aliança económica de conveniência que quando deixou de o ser
entrou em queda.
A queda da União Europeia pode acontecer dentro de poucos anos? Se adormecesse hoje e acordasse dentro de cinco anos, não estaria à espera de encontrar a UE (risos). A atual instabilidade não pode ser sustentada por muito tempo.
Um dos 11 Acontecimentos-X do seu livro - uma
pandemia global - não é tão raro como os outros, porque existe
informação sobre várias pandemias na História recente. Porque escolheu
este evento? Tem razão, existem alguns casos de pandemias globais,
como a peste bubónica há alguns séculos, ou a gripe espanhola durante a I
Guerra Mundial. De facto, são eventos relativamente aos quais temos
alguns dados, mas não os suficientes para serem usados pela estatística e
pela teoria das probabilidades para sabermos quando acontecerá a
próxima pandemia. Claro que os 11 Acontecimentos-X que escolhi não têm o
mesmo grau de magnitude e as mesmas escalas de tempo. Alguns podem
ocorrer em microssegundos, como o impulso magnético que queima toda a
electrónica, e outros demoram anos, como a deflação global e o colapso
dos mercados financeiros mundiais. Tentei dar no meu livro um grande
expectro de diferentes tipos de Acontecimentos-X e não apenas aqueles
que vemos todos os dias nos media, como o aquecimento global.
A ameaça de colapso generalizado da internet
Quando fala da hipótese de falha
generalizada e de longo prazo da internet, não sugere qualquer solução
para os actuais problemas estruturais, tecnológicos e de segurança da
rede que podem conduzir a este evento extremo. Porquê? Porque
ninguém tem ainda soluções convincentes para lidar com este problema.
Veja o caso do ciberterrorismo, que hoje é tão falado. Algumas agências
que precisam de manter medidas de segurança nos bancos têm uma espécie
de internet sombra, de internet privada. E este é de facto um caminho,
criar uma internet fechada, só para utilizadores militares e membros de
agências governamentais. Provavelmente há agências de informações que
têm este tipo de rede. A maioria das pessoas que hoje usa a internet
para fins profissionais certamente concorda que este sistema desenhado
na década de 1970 está a ser solicitado agora para resolver problemas
que nunca foram previstos nessa época.
O sistema está em stresse, com excesso de complexidade e
se um novo sistema não lhe suceder, mais complexo, que possa lidar com
comunicação, filmes, movimento bancário, comércio, etc., o sistema atual
colapsa. Hoje já colapsa a toda a hora, só que de uma forma muito
localizada, mas não sabemos se se vai manter assim ou se poderá um dia
colapsar a nível global, como uma pandemia. Podemos também especular
sobre outras situações: a internet é um sistema tão complexo que um dia
poderemos acordar e encontrar na rede uma forma de inteligência
completamente nova. O que nós chamamos correntemente internet é um
cérebro gigantesco, mas que ainda não tem sabedoria, inteligência. Mas
se um nível elevado de complexidade é introduzido num cérebro mecânico,
não é um grande risco imaginar que um dia outra inteligência comece de
repente a controlar a energia da rede, todas as comunicações, todos os
sistemas de transporte, toda a distribuição de comida e água, etc. E a
hipótese de este cenário se concretizar não está assim tão longe no
futuro, está dentro do seu e provavelmente do meu tempo de vida (risos).
"Todos os grandes sistemas estão ligados em diferentes níveis de complexidade. Por exemplo: o aumento do consumo de alimentos ricos em proteínas como a carne leva a um grande aumento do consumo de água e energia" |
As pessoas com fome crónica caíram de 18,6% da
população mundial em 1990-92 para 12,5% em 2010-12, apesar de a
população mundial ter crescido 40% no mesmo periodo. Porque escolheu o
cenário da quebra global na cadeia de abastecimento de alimentos?
Bom, a população mundial continua a crescer, mas a produção alimentar
não. Nas grandes economias emergentes como a China, a Índia ou o Brasil,
quando as pessoas ficam mais prósperas querem geralmente mais proteínas
e mais carne, o que tem custos de produção muito elevados, em
comparação com o arroz, o trigo ou os vegetais. E gastam muito mais água
e energia. Isto significa também que o cenário da quebra global da
cadeia de abastecimento de alimentos não é independente dos outros
cenários extremos do meu livro. Todos os grandes sistemas estão ligados
em diferentes níveis de complexidade. Claro que este processo é
dinâmico, mas é um problema de sistemas fantástico. Quase tudo o que
lemos sobre o assunto assume que a rede eléctrica poderá falhar mas que a
internet ou o sistema de controlo aéreo continuarão a funcionar, o que é
uma ficção. Precisamos de um grande esforço de investigação a nível
mundial, do tipo Projeto Manhattan (que levou ao fabrico da primeira
bomba atómica), para compreendermos verdadeiramente as infraestruturas
de que dependemos na nossa vida do dia a dia e de que dependeremos no
futuro.
O fim das reservas mundiais de petróleo
Quanto ao fim das reservas mundiais de petróleo, o
gás natural, do gás de xisto, das energias renováveis e até da energia
nuclear, podem ser alternativas ao fim das reservas do petróleo no
futuro próximo? Concerteza, mas o petróleo tem uma série de
vantagens que as alternativas que referiu ainda não têm. Por exemplo, a
energia nuclear pode certamente fornecer electricidade, mas não faz
andar um avião, é preciso outra fonte de energia. Hoje ninguém questiona
que o petróleo vai acabar um dia, o problema é quando é que tal irá
acontecer. O acesso ao petróleo vai ser cada vez mais difícil, cada vez
mais caro. Claro que podemos falar nas oportunidades de extração de
petróleo no Ártico, no fundo do mar ao largo do Brasil, nas areias
betuminosas, etc. mas são tudo alternativas muito caras. E põe-se sempre
a questão: que quantidade de energia obtemos para a energia que
gastamos a extrair o petróleo nestas condições?
É um problema semelhante ao aquecimento global. As
pessoas não levam o problema a sério porque dizem: "Bom, o meu carro
continua a circular porque as bombas de gasolina não estão fechadas".
Mas quando as bombas de gasolina fecham por pouco tempo, por limitações
locais de abastecimento ou uma série de outras razões, as pessoas ficam
loucas. Obviamente que o fim das reservas de petróleo não vai acontecer
de um momento para o outro, é um daqueles Acontecimentos-X que irá
ocorrer progressivamente. E devemos estar felizes por isso, porque
sabemos que vai acontecer e temos tempo para encontrar alternativas de
abastecimento de energia.
Mas os países ocidentais estão a apostar cada vez mais no consumo de gás natural.
O gás natural é interessante, porque tem muitas das caraterísticas do
petróleo. Tem também algumas desvantagens: não é fácil de liquefazer, é
menos flexível, é mais perigoso em termos de manipulação. E, em termos
estratégicos, os maiores produtores mundiais de gás são também, muitas
vezes, os maiores produtores de petróleo. São fontes de energia que
estão nas mãos de muito pouca gente e em regiões politicamente muito
instáveis do mundo, o que é preocupante.
Relativamente ao cenário da destruição do
planeta por partículas exóticas, os resultados das últimas experiências
do acelerador de partículas do CERN para encontrar o Bosão de Higgs
parecem excluir um Acontecimento-X desse tipo. No meu livro queria
ter uma grande diversidade de exemplos de Acontecimentos-X, desde
aqueles cujo nível de gravidade não é especialmente elevado até outros
que, se acontecerem, serão os mais dramáticos de todos e com um efeito
quase instantâneo. No caso do evento a que se refere, nenhum dos físicos
que consultei considerou que fosse uma possibilidade, mas também é
verdade que nenhum disse que era de todo impossível. A questão é se na
busca do Bosão de Higgs, o acelerador de partículas LHC poderá criar um
tipo de partícula que provoque uma série de problemas que levem ao fim
do planeta? Isso ainda não aconteceu, mas vão ser feitas mais
experiências que exigirão ainda maiores níveis de energia do que os
necessários para descobrir o Higgs. Mas não acredito que este cenário da
partícula exótica seja muito provável.
Controlar e regular os acontecimentos extremos
É possível reduzir a complexidade das nossas sociedades e a nossa dependência das tecnologias complexas?
Em princípio sim, podemos reduzir a complexidade da sociedade, mas para
o conseguirmos isso quer dizer que as estruturas mais complexas têm de
fazer voluntariamente um downsize. E não me parece que isso
esteja de acordo com a natureza humana, em especial aquelas organizações
e pessoas que têm uma vida altamente complexa, os chamados "top 1%".
Eles não querem um downsize. Portanto, se o fosso continuar a alargar entre os sistemas de baixa e de alta complexidade e se não há um downsizing voluntário ou até - o que seria ainda mais raro - um upsizing dos sistemas de baixa complexidade, a natureza humana entrará em ação através de um Acontecimento-X para forçar um downsizing da complexidade existente.
A curto prazo será doloroso, custará muito dinheiro,
provocará disrupção social e psicológica. Mas na perspetiva do longo
prazo, não será assim tão mau, é uma oportunidade, cria uma quantidade
de novos graus de liberdade, de nichos, onde as empresas, empreendedores
e organizações podem adaptar-se e fornecer novos tipos de serviços e de
produtos para levar a sociedade humana para um outro nível. Estes
Acontecimentos-X não devem ser vistos de uma forma negativa, não são
apenas um problema, são também uma oportunidade. Claro que depois de os
nichos serem preenchidos, todo o processo começa outra vez, ao longo de
anos ou décadas até o stresse ser refeito de novo e a complexidade
voltar, num processo cíclico.
O mais realista é não pensarmos como evitar os
acontecimentos extremos mas antes como os controlar, regular. Por
exemplo, para se prevenir o fogo numa floresta por vezes provoca-se
deliberadamente um incêndio controlado numa parte para proteger toda a
floresta de um desastre maior; ou nas falhas sísmicas injecta-se água
para provocar um pequeno sismo de modo a evitar evitar um grande sismo. E
é isso que temos de aprender com os Acontecimentos-X: como reduzir a
pressão mais do que tentar eliminar o problema. Mas para o fazermos,
temos de antecipar esses acontecimentos, uma tarefa que cabe à
investigação científica. O meu livro é precisamente uma espécie de apelo
às armas para se levar a cabo um programa de investigação ambicioso com
esse objetivo.
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