Interesses econômicos controlam nossas vidas encorajando o consumismo precoce e a auto-humilhação
Se valores e experiências compartilhados nos unem, ajudando a forjar uma
humanidade comum, as leis deveriam proibir práticas de mercado que
enfraquecem esse elo?
Veja a catarinense de 20 anos que, no mês passado, vendeu sua virgindade
por US$ 780 mil (R$ 1,58 milhão) a um japonês por meio de um leilão.
Deveria a prostituição de uma pessoa que não é menor de idade ser
ilegal? E até que ponto a profissão dela a separa do resto de nós?
Outra questão envolvendo o corpo humano: o Brasil e outros países
deveriam continuar a proibir a venda de órgãos? Se isso for liberado,
quem tiver condições econômicas para comprar um coração, um fígado ou um
rim desfrutará de vantagens enormes, que enriquecem e estendem a vida e
que são negadas ao resto de nós.
Eis outro privilégio injusto que o dinheiro pode comprar: detentos numa
prisão da Califórnia podem pagar US$ 90 (R$ 182) por noite para ficar
numa cela mais limpa e silenciosa.
Mais um caso: em 2005, uma americana recebeu US$ 10 mil (R$ 20 mil) de
um cassino on-line para fazer uma grande tatuagem permanente do endereço
do site do cassino em sua testa. Uma transação financeira que encoraja a
auto-humilhação deveria ou não ser proibida?
Ainda outro exemplo: em 2001, uma escola pública americana ganhou US$
100 mil (R$ 203 mil) de um supermercado local e, em contrapartida, mudou
o nome de seu ginásio esportivo para "ShopRite (CompraCerta) de
Brooklawn Center".
Ou o caso da escola particular de São Paulo, onde a representante de uma
fabricante de absorventes internos deu uma aula sobre educação sexual a
alunas de 10 anos e distribuiu seu produto para elas.
Será que as escolas deveriam ensinar crianças altamente impressionáveis a se tornarem consumidoras?
Em um livro novo sobre questões desse tipo, "O que o Dinheiro Não
Compra", o filósofo americano Michael Sandel argumenta que "uma economia
de mercado virou uma sociedade de mercado onde tudo está à venda".
Existem coisas, como o amor, que o dinheiro não compra. Mas há menor
quantidade delas, porque os mercados controlam nossas vidas como nunca
antes fizeram, encorajando a auto-humilhação e o consumismo precoce. Dão
a quem puder pagar privilégios tão injustos que criam um oceano entre
eles e nós, os outros. Isso enfraquece o elo que nos une.
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* MICHAEL KEPP, jornalista americano radicado há 29 anos no Brasil,
é autor do livro "Tropeços nos Trópicos - crônicas de um gringo
brasileiro (ed. Record) www.michaelkepp.com.brFonte: Folha on line, 13/11/2012
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