Marcelo Gleiser*
É difícil dizer quando uma hipótese propondo um novo fenômeno deve ser descartada pelos cientistas
Quando os cientistas aceitam que uma hipótese está errada? Em princípio,
a coisa é simples: formula-se uma hipótese para explicar um fenômeno já
conhecido ou propor a existência de algo novo. Experimentos são
montados com o intuito de verificar a hipótese. Caso o fenômeno já seja
conhecido, a hipótese é comparada com hipóteses rivais. A que for mais
simples e explicar melhor o que foi observado é escolhida.
A partir daí, ela fica sendo a explicação aceita até que novos fenômenos
venham contradizê-la. O segundo caso, hipóteses científicas que propõem
novos fenômenos, é bem mais complicado.
A complicação vem de como as hipóteses são construídas. Em geral,
especialmente na física e na astronomia, hipóteses são baseadas em
modelos matemáticos, descrições aproximadas de como a Natureza opera.
Todo modelo é uma aproximação, ou seja, nenhum é réplica perfeita do
real. Consequentemente, nenhum modelo é completo.
Por exemplo, na física de partículas, que estuda os menores componentes
da matéria, tudo o que conhecemos se resume ao Modelo Padrão, que
explica as partículas descobertas até agora e as quatro forças com que
interagem entre si.
Sua estrutura é relativamente simples: 12 partículas de matéria
arranjadas em três "famílias". A mais conhecida descreve a matéria da
qual somos compostos (elétrons, prótons e nêutrons). As duas outras
descrevem partículas que surgem em experimentos de altíssimas energias,
como os do LHC, famoso pela descoberta do bóson de Higgs.
Mas, como todo modelo é incompleto, existem lacunas no Modelo Padrão.
Para preenchê-las, físicos propõem extensões do Modelo Padrão, novos
modelos com mais partículas. O teste dessas hipóteses é sempre descobrir
as novas partículas propostas pelos modelos.
Deles, o mais famoso é o que invoca uma nova simetria da natureza, a
supersimetria. Essa simetria dobraria o número de partículas que existem
na Natureza.
Se a supersimetria existe, deveríamos encontrar um monte de novas
partículas. Isso parece ruim, mas a ideia é que a supersimetria
explicaria vários problemas que existem no Modelo Padrão, os quais não
temos espaço para abordar. (Trato disso em meu livro "Criação
Imperfeita".)
A supersimetria também pode resolver um enigma cósmico, a existência da matéria escura, que afeta a rotação das galáxias.
Por causa disso, físicos no LHC e em outros experimentos vem buscando
partículas previstas por teorias supersimétricas. Até o momento, nada.
Recentemente, um raro decaimento ("decomposição") de uma partícula
conhecida como méson B criou mais problemas para a supersimetria, que
prevê que o decaimento seja muito mais comum do que é.
Por que a supersimetria não é abandonada? A complicação é que modelos
matemáticos dependem de parâmetros que podem ser ajustados (massa das
partículas, por exemplo), de modo que suas previsões escapem dos
instrumentos de detecção: a teoria pode se esconder, em princípio
indefinidamente.
E que critério, então, é usado para descartar uma hipótese que não está
funcionando? Não existe uma resposta clara. Apenas a humildade de
aceitar o erro e propor o novo, mesmo que menos elegante.
-------------------
Nenhum comentário:
Postar um comentário