Marcelo Gleiser*
Vivemos numa época peculiar, na qual o que antes era província da religião faz parte da ciência
Nós, humanos, somos seres limitados. Criativos e inovadores, conseguimos
ampliar em muito a nossa compreensão do mundo por meio da aplicação
diligente da razão e, complementarmente, das artes.
Isso porque, se a ciência e as artes têm algo em comum, é justamente a
tentativa de estender nossa visão de mundo, de ampliar as fronteiras do
conhecimento, revelando aspectos inusitados do real. Um teorema e um
poema são reflexões do possível, seja o concreto ou o onírico. A
imaginação lança mão de todos os recursos à sua disposição para dar
sentido à existência.
Talvez seja por isso que o teólogo americano Reinhold Niebuhr escreveu
que "o homem é o seu maior problema". Nossas filosofias, ciências e
religiões são tentativas de compreender a existência apesar de nossa
miopia, isto é, de nossas limitações sobre o que vemos e entendemos.
Nessa busca, não é coincidência que a crença religiosa funcione como uma
bússola para tantas pessoas. Como explicar a origem do Universo? Ou da
vida? Ou por que temos uma mente capaz de refletir sobre essas questões
complexas?
Tais questões são, hoje, parte da pesquisa científica de ponta. Vivemos
numa época peculiar, em que o que antes era província exclusiva da
religião faz parte do discurso rotineiro da ciência. Porém, por não
termos ainda respostas, essas questões continuam nos assombrando.
Talvez um dos dilemas da humanidade seja a angústia de poder contemplar o
divino sem sê-lo. Temos a capacidade de imaginar a perfeição, a
ausência de dor, a imortalidade; mas, tirando a ficção e a fé, não temos
como transcender nossa realidade carnal, os limites temporais e
espaciais. Ou será que temos?
Considerando que a ciência moderna tem apenas quatro séculos (marcando
seu início com Kepler e Galileu), e percebendo o quanto já fizemos em
tão curto prazo, imagine o que nos espera em mil anos?
Ou 10 mil anos, se, claro, não nos destruirmos antes disso. A ciência
nos permite já uma manipulação dos genes de criaturas, a ponto de
podermos modificar o que comemos e mesmo alcançar curas diversas.
Extrapolando a expansão tecnológica para o futuro, alguns afirmam que,
em algumas décadas, chegaremos a um ponto em que nossa hibridização com
máquinas será tão profunda que não poderemos mais nos dissociar delas.
Caso essas previsões se concretizem -e, a meu ver, já estão ocorrendo-,
seremos, como escrevi aqui recentemente, uma nova espécie, além do
humano.
Agora imagine que, tal como nós, outras criaturas inteligentes em algum
canto da galáxia descobriram a ciência. Só que o fizeram, digamos, 1
milhão de anos antes de nós, o que em termos cósmicos não é nada.
Essas criaturas teriam se transformado completamente ao se hibridizar
com máquinas. Seriam, talvez, apenas informação, existindo em campos
energéticos no espaço.
Teriam o poder de criar vida, escolhendo suas propriedades. Poderiam,
por exemplo, ter nos criado, ou a alguns de nossos antepassados, como
parte de um experimento. Poderiam, por exemplo, estar nos observando,
como nós observamos animais no zoológico ou no laboratório. Essas
entidades imateriais, mas existentes, seriam nossos criadores. Seriam
eles deuses, mesmo se não sobrenaturais?
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