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Wilentz publicou um ensaio na revista New Republic sob o título A Miragem
Obama venceu mesmo parecendo, com seus belos discursos, mais orador que político, avalia professor
Quando, em plena semana da eleição, você encontra um
historiador de presidentes americanos da Universidade Princeton, de New
Jersey, num hotel da ensolarada Los Angeles? Quando o historiador tem
paixão por música e está lançando um livro sobre os 125 anos da lendária
gravadora Columbia Records, lar de talentos como Billie Holiday,
Leonard Bernstein e Bob Dylan, este, objeto de uma biografia escrita
pelo nosso historiador de presidentes, Sean Wilentz. Cansada da
cacofonia de um ano e meio de campanha eleitoral rancorosa, confessei ao
entrevistado que gostaria de entrevistá-lo sobre Bob Dylan. Ele
prometeu um segundo turno quando voltar à costa leste.
Em outubro, Wilentz publicou um ensaio na revista New Republic sob o
título A Miragem, uma breve história dos fracassos do pós-partidarismo
de George Washington a Barack Obama. Autor, entre outros, de The Rise of
American Democracy: Jefferson to Lincoln (A Emergência da Democracia
Americana: de Jefferson a Lincoln), de 2005, ele lembra que um dos
atrativos da candidatura de Obama em 2008 era sua promessa de liderar
acima das divisões partidárias.
A ducha de água fria não tardou, na forma de uma oposição radical
insuflada pelo Tea Party. Mas Wilentz diz que a história americana não é
lisonjeira com a ideia olímpica do líder acima do bem e do mal
partidário. Na verdade, afirmou, toda vez que políticos americanos
presumiram que sua sabedoria os qualificava para não descer às minúcias
da negociação com partidos, o resultado foi uma desconexão fatal entre
os líderes e os cidadãos.
Na conversa com o Aliás, Sean Wilentz lembra que o novo perfil
demográfico manifestado nas urnas, dominado especialmente por mulheres
jovens e com formação educacional e por latinos, a minoria que mais
rapidamente cresce no país, oferece uma oportunidade a Barack Obama para
contrabalançar os avanços da direita radicalizada. Ele vê também, na
campanha mais cara da história americana, uma derrota do financiamento
ilimitado. "Você precisa de um candidato decente", diz, "e a orgia de
dinheiro, em alguns casos, provocou represálias do eleitor."
Que país é este que Obama encontra no segundo mandato?Houve
um repúdio ao extremismo de direita, especialmente por parte das
eleitoras, como na disputa do Senado em Indiana e Missouri, onde dois
candidatos republicanos foram derrotados depois de declarações radicais
sobre o aborto em casos de estupro. Se considerarmos a presença de
mulheres e latinos nas urnas, a direita americana não deve estar se
sentindo muito bem. O alto índice de desemprego bastava para pôr em
risco a reeleição de Obama. Mas Mitt Romney se atolou nas primárias.
Deslocou-se tanto para a direita que não pôde fazer o caminho de volta
para o centro na eleição geral. Agora, Obama tem a oportunidade de
liderar como um presidente de centro-esquerda.
Mas os republicanos mantém o controle da Câmara de Representantes.Se
a Câmara se comportar de maneira obstrucionista, Obama tem de falar
direto com o público, é uma questão de liderança presidencial. Ele
chegou ao poder acreditando no pós-partidarismo, no território comum do
interesse nacional, mas enfrentou uma realidade muito dura.
Barack Obama não participou das campanhas democratas para o
Congresso. Essa convicção no pós-partidarismo influenciou sua decisão de
se manter distante das eleições para o Senado e a Câmara? Sim,
e considero isso um erro que ele cometeu. Obama passa essa impressão de
ser autocontido e de ter uma conexão menos decisiva com o Partido
Democrata. Ele se beneficia do apoio do partido, mas o contrário não
acontece. Nesse sentido, Obama sente um desconforto, como se a política
partidária estivesse abaixo dele. Acho que os democratas precisam se
reconstruir, apesar da distância do presidente.
Nesse contexto, a entrada de Bill Clinton, o consumado líder
de partido, com aquele discurso na convenção democrata, foi crucial?Sim,
Clinton adora política. Quer estar numa sala cheia de interlocutores,
gosta do aspecto táctil da campanha. A ajuda que deu a Obama foi enorme.
Se havia uma fraqueza na campanha antes da convenção, era, para usar
uma expressão que detesto, falta de narrativa. Com um único
pronunciamento, Clinton forneceu à campanha dos democratas histórias
eloquentes para contar. Ele é mestre em abordar um problema, fala
diretamente com o público. Já Obama é mais o orador: faz um belo
discurso, olhando para o teleprompter. Parece preferir a figura olímpica
do professor à do político.
Obama foi tratado com agressividade e até um certo
desrespeito pela oposição. Mas isso não refletiria também certa perda de
autoridade do cargo de presidente na visão do povo?É uma
coisa que tem fluxo e refluxo na história americana. Tanto a Guerra do
Vietnã quanto o escândalo de Watergate (que terminou com a renúncia do
presidente Richard Nixon, em 1974) trouxeram crises agudas de
legitimidade para os dois partidos. O público passou a desconfiar mais
do poder. Mas há outra desconfiança, dos próprios políticos, bem mais
antiga, calcada na noção da política como atividade inferior e corrupta,
da qual os homens mais sábios preferem manter certa distância.
Desconfio que Obama sinta esse desdém não declarado por esse tipo de
política, não porque seja arrogante, mas porque não quer se rebaixar ao
nível dos políticos comuns.
Por que a iniciativa doméstica mais importante do primeiro mandato de Obama, a reforma do seguro-saúde, continua impopular?Sabemos
agora que a lei da reforma do seguro-saúde vai sobreviver. Com Mitt
Romney, a reforma teria sido simplesmente desmantelada. E, apesar das
pesquisas que apontam a impopularidade da reforma, posso prever que em
2014, à medida que dispositivos previstos na lei entrarem em vigor, ela
vai se tornar popular. Por enquanto, as pessoas expressam opiniões
desinformadas. Há essa desconfiança de que parece intervenção excessiva
do governo.
O senhor concorda com a conclusão de que as mulheres e os latinos saíram dessa eleição vitoriosos?Sim,
as mulheres repudiaram o Partido Republicano. A diferença de opinião
entre os gêneros é enorme, especialmente em se tratando de mulheres de
menos de 45 anos. Nós, americanos, evoluímos para costumes mais abertos
em relação à sexualidade. Temas como remuneração igual para homens e
mulheres não são mais controversos. E o que fizeram os republicanos?
Radicalizaram. Antes eram contra o aborto. Nessa campanha, passaram a
atacar o controle da natalidade. As mulheres viram isso, com razão, como
uma interferência na sua saúde. Obama teve apoio inclusive de mulheres
católicas, mesmo aquelas que possam ter resistência ao aborto. No caso
da imigração, os republicanos têm sido ridículos. Veja que Ronald Reagan
anistiou 3 milhões de imigrantes ilegais em 1982. Hoje seria
crucificado. E a direita não consegue compreender que, em outras
culturas, a mistura do público com o privado se dá de maneira diferente.
Os republicanos aplicam sua agenda política em doses iguais para
qualquer grupo demográfico.
A polarização partidária, que foi tão denunciada na campanha, deve continuar? Sim,
acredito que o problema continuará na mesma intensidade, pelo menos em
questões econômicas. Veja como os republicanos radicalizaram na questão
dos impostos. Quanto à imigração, é possível que, para sobreviver como
partido, os republicanos sejam um pouco mais razoáveis. John Boehner, o
líder republicano na Câmara, é um conservador que está cercado de
radicais, ideólogos malucos. Paul Ryan, o candidato derrotado a vice de
Romney, que se reelegeu para a Câmara, não é lunático, mas se alinha bem
com o Tea Party. Essa polarização começou de fato com Ronald Reagan, em
1988. Ele não tinha um sucessor lógico no movimento conservador. O
partido trouxe George Bush pai, que era mais centrista. Para conseguir
ser indicado candidato, Bush fez campanha mais à direita.
Na mesma tática usada por Mitt Romney? Com
certeza. Ambos começaram moderados e foram arrastados por forças
radicais. Mas Goerge Bush pai, enfrentando uma recessão, descumpriu a
promessa de campanha e elevou impostos. Newt Gingrich liderou a revolta
que culminou na eleição legislativa já no governo Clinton e aí se
consolidou essa intransigência da direita, que temos hoje. Clinton foi
alvo de tentativa de impeachment porque manobrou muito bem contra os
republicanos para se reeleger. Esse drama devia ter sido concluído de
vez com a eleição do democrata Al Gore, em 2000, mas ele fez uma
campanha fraca. A Suprema Corte deu a vitória a George Bush filho e, com
o 11 de Setembro, Bush filho se tornou o presidente guerreiro. Mas veja
que Bush também acabou em desgraça com a direita por vários motivos.
Não ganhou a guerra do Iraque, passou uma importante reforma do Medicare
que aumentou o subsídio para a compra de remédios, tentou fazer uma
reforma de imigração e acabou por fazer passar o plano de resgate dos
bancos com o crash de setembro de 2008. Foi o resgate que inspirou o Tea
Party.
Uma crítica feita pelos adversários do presidente é que é difícil definir seu governo em termos de política externa.É
preciso dar crédito a um presidente que herdou duas guerras em meio a
um colapso econômico. Mas, dito isso, acho que a tendência de Obama é
reagir, mais do que liderar, em política externa. E a conjuntura mundial
ofereceu situações sem precedentes, como a Primavera Árabe. Se há um
aspecto definido do primeiro mandato - e, aqui, o papel de Hillary
Clinton nos bastidores foi muito importante -, é afastar a ideia de que
um presidente democrata seja passivo diante de situações como a Líbia.
Mas não vejo uma Doutrina Obama até agora. Sabemos que ele vê a
transformação da importância dos Estados Unidos no mundo e ainda
considera o país uma superpotência, mas numa relação de maior igualdade
com outras potências. Agora que não vai mais fazer campanha, dependendo
do que acontecer no Irã e na Síria, as duas situações mais agudas que
ele enfrenta, pode enunciar uma política externa que produza um legado
seu.
A vitória de Obama representa uma confirmação da importância do governo federal na vida dos americanos?Não
acredito nisso. E também não vejo movimentos ideológicos expressivos
entre os democratas. Vejo indivíduos capazes de se expressar com força e
ganhar relevância, como Elizabeth Warren, que derrotou o senador Scott
Brown em Massachusetts. Ela estreia na política saindo do conforto de
Harvard. Acho que vamos ouvir novas vozes. A esquerda democrata sempre
foi problemática. Quando não consegue o que quer, apela para soluções
como votar em Ralph Nader, o candidato alternativo em 2000. Não espero
ideologia, e sim vigor. Os eleitores não fabricam o mandato, o
presidente faz o seu. Esse é o significado dessa eleição. Os eleitores
dão a vitória e o presidente lidera. E acho que Obama amadureceu. Estou
otimista.
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Reportagem por LÚCIA GUIMARÃES - O Estado de S.Paulo
Fonte: http://www.estadao.com.br/especiais/alias/ - Acesso:11/11/2012
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