Ídolo dos jovens globalizados, o romancista japonês viu seu último livro, '1Q84', vender 1,5 milhão de cópias no primeiro mês. Agora, a obra chega ao Brasil
Em 11 de outubro, um grupo de japoneses se reuniu num bar em Tóquio
para assistir a uma transmissão ao vivo de Estocolmo. Não era uma
partida de futebol entre a seleção japonesa e a sueca. Tampouco era o
show de algum ídolo pop. Em vez de carregar bandeiras ou vestir a
camiseta de algum ídolo teen, seguravam livros e porta-retratos de
Haruki Murakami, o escritor japonês mais famoso no mundo. Os
“haruquistas” torciam para que ele ganhasse o Prêmio Nobel de
Literatura. Murakami já concorrera ao prêmio outras vezes. Era o
favorito deste ano nas casas britânicas de aposta. As esperanças de que
ele receberia o Nobel (frustradas pela premiação do escritor chinês Mo
Yan) foram alimentadas pelo sucesso de vendas e pela aclamação crítica a
seu último livro, 1Q84 (Alfaguara, 432 páginas, R$ 49,90, tradução de Lica Hashimoto), lançado no Brasil nesta semana. Publicado em 2009 no Japão, 1Q84 vendeu
1,5 milhão de cópias no primeiro mês. Lá, a obra saiu como um folhetim,
dividida em seis partes. No Brasil, serão três volumes. O segundo sairá
em março; e o terceiro, até o fim de 2013. Nos Estados Unidos, o
romance atingiu o segundo lugar na lista de mais vendidos do jornal The New York Times.
O culto a Murakami explica que 1Q84 já tenha vendido 5 milhões
de cópias, 4 milhões apenas no Japão. “Não sei nem se ele é o maior
autor japonês, mas não me importo”, disse a ÉPOCA a artista japonesa
Satoko Imai, de 30 anos. “Ele sempre será meu favorito.” Satoko começou a
ler Murakami aos 12 anos. Diz que suas histórias foram importantes em
sua adolescência. “Saboreava cada frase porque me mostrava uma
perspectiva de mundo que não conhecia”, diz. “Não sabia onde procurar
respostas sobre o mundo, até ler seus livros.” No mundo todo, grande
parte do público de Murakami é formada por jovens globalizados como
Satoko. Em geral, eles preferem ler a internet a comprar livros. Qual
seria sua fórmula para cativar um público tão arisco? “Ele consegue
misturar referências pop, filosofia e pitadas de fantasia”, diz Steven
Poole, crítico do jornal britânico The Guardian.
1Q84 se passa em 1984 (a enigmática letra Q do título tem a
mesma pronúncia de kiu, nove na tradução do japonês). Na trama, os dois
protagonistas, Tengo, ghost-writer, e Aomame, assassina profissional,
caem presos numa realidade paralela, em que enfrentam um misterioso
culto religioso. Enquanto isso, procuram um pelo outro. Narrar universos
paralelos e seres fantásticos (como o Povo Pequenino, gnomos que
assombram o casal protagonista) não é o trunfo de Murakami. “Suas
histórias carregam um sentimento de perplexidade em relação ao mundo,
comum entre os jovens”, afirma Poole. É por isso que Carla Stoffel,
curitibana de 25 anos, segue sua obra. “Os personagens buscam respostas
dentro de si mesmos, com metáforas e jogos de pensamentos”, diz Carla.
“É filosófico sem ser maçante.” Guilherme Donadio, paulista de 24 anos,
também identificou-se com os personagens. “A solidão deles me atrai”,
diz.
Além de provocar identificação com os jovens por causa de suas tramas e
de seus personagens – quase todos na casa dos 20 anos –, Murakami tem
uma linguagem clara e fluente, que cativa os leitores e facilita o
trabalho dos tradutores. “É fácil de ler e instrutivo, vem salpicado de
um humor”, diz a tradutora Lica Hashimoto. “A descrição que ele faz do
cotidiano e a maestria com que desenvolve o fluxo de pensamento dos
personagens criam laços entre leitor e narrador. Entre os escritores
japoneses, poucos atingiram um grau tão intenso de aproximação.” Com seu
estilo, Murakami consegue ao mesmo tempo ser admirado por jovens e
arrancar elogios dos críticos. “Mais importante que esses traços
superficiais, o que conta em suas histórias é um sentimento quase
cósmico de falta de abrigo”, diz Poole. “Isso supera as fronteiras
culturais.”
Murakami caiu no gosto do mundo porque seus 12 romances – embora
ambientados no Japão e com personagens japoneses – são repletos de
referências ocidentais, como música clássica e jazz. Antes de virar
escritor, ele era dono de um bar de jazz, o Peter Cat, em Tóquio. Filho
de um monge budista e uma professora de literatura, Murakami é casado
desde os anos 1960 e não tem filhos. Vive entre Tóquio e Kauai, a quarta
maior ilha do arquipélago do Havaí. Ali, tenta se esconder dos
paparazzi, que detesta, e dos jornalistas japoneses, com quem pouco
fala. Diz odiar a cultura das celebridades. Aos 33 anos, começou a
correr maratonas e nunca mais parou. Hoje, tem 63. Quando perguntaram a
ele como entra na mente jovem, ele disse: “Quando escrevo sobre alguém
de 15 anos, volto aos dias em que tinha aquela idade. É como uma máquina
do tempo. Lembro de tudo. Sinto o vento. Sinto o cheiro do ar”. Sua
popularidade entre os jovens começou em 1987, com Norwegian wood, seu
quinto romance, até hoje o mais vendido, com 12 milhões de exemplares. O
enredo acompanha um universitário apaixonado pela namorada do melhor
amigo que se suicidou. O livro, ambientado na década de 1960, catapultou
sua carreira e, desde então, ele escreveu sete outros romances – todos
best-sellers, todos capazes, de alguma forma, de cativar o espírito dos
jovens no mundo inteiro.
Fonte: http://revistaepoca.globo.com/cultura/noticia/2012/11/como-haruki-murakami-conquistou-leitores-que-preferiam-internet-literatura.html
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