Autor americano, que anunciou aposentadoria em outubro, fala que lê menos e que brinca o dia todo com iPhone
Apesar de dizer que sua carreira de ficcionista acabou, ele escreve romance com filha de 8 anos de ex-namorada
Sobre o computador no apartamento nova-iorquino de Philip Roth no Upper
West Side, um post-it diz: "A briga com a escrita acabou".
A nota é para que Roth, que fará 80 anos em março e teve uma das
carreiras mais longas e festejadas das letras americanas, se lembre de
que se aposentou do ofício de escritor de ficção 31 livros depois de seu
começo, em 1959. "Olho esse bilhete todas as manhãs e me dá muita
força."
Para os amigos, Roth deixar de escrever é como Roth deixar de respirar.
Em certas ocasiões, parecia que escrever era tudo o que ele fazia. Ele
trabalhava por semanas a fio, sozinho em sua casa no Estado de
Connecticut, indo cedo a um estúdio próximo, onde escrevia de pé e para o
qual frequentemente voltava à noite.
Numa idade em que a maioria dos romancistas diminui o ritmo de trabalho,
Roth se revigorou e escreveu alguns de seus melhores livros: "O Teatro
de Sabbath", "Pastoral Americana", "A Marca Humana" e "Complô contra a
América".*
Com o autor já na casa dos 70, os livros, embora mais curtos, continuaram a chegar, quase um por ano.
Mas, ao longo de uma entrevista de três horas -sua última, disse-, Roth
pareceu alegre, descontraído e em paz consigo mesmo e com sua decisão de
encerrar a carreira, anunciada inicialmente no mês passado, na revista
francesa "Les Inrockuptiples".
Neste ano, ele elegeu Blake Bailey como seu biógrafo e desde então vem trabalhando estreitamente com ele.
"ESTOU LIVRE"
Roth disse que tomou a decisão de parar de escrever em 2010, alguns
meses após concluir seu romance "Nêmesis", sobre uma epidemia de pólio
em sua cidade natal, Newark (Nova Jersey), em 1944.
"Não falei nada na época porque queria ter certeza", disse ele. "Pensei:
'Espere um instante, não vá anunciar sua aposentadoria e depois
desistir'. Não sou Frank Sinatra."
Sobre uma mesa na sala, fotos que acabara de receber de um primo: sua
mãe vestida de noiva, com o véu descendo por uma escadaria;
Roth, muito jovem, com seus pais e seu irmão mais velho, Sandy, diante
da casa deles em Newark; Roth adolescente e belo sentado num sofá com a
primeira namorada séria; o soldado raso P. Roth em seu uniforme do
Exército.
Ao lado das fotos, um iPhone, comprado recentemente. "Por quê?", ele
diz. "Porque estou livre. Todo dia estudo um capítulo de 'iPhone para
Idiotas'. Agora sou um ás. Não leio nada há dois meses. Só brinco com
essa coisa."
Fala e se corrige: "Não tenho lido de dia. À noite, eu leio por umas
duas horas. Acabo de ler um livro maravilhoso de Louise Erdrich, 'The
Round House'. Mas leio sobretudo história e biografias do século 20.
Vivi no século 20. Eu era criança, ou estudava, ou trabalhava. Está na
hora de eu me atualizar."
Roth diz que, até onde sabe, o único outro escritor a se aposentar ainda
com seu potencial intacto foi E.M. Forster, que parou por volta dos 40
anos -em grande medida porque sentiu que não podia publicar livros sobre
o tema que mais o interessava: o amor homossexual. Já Roth parou porque
sente que já disse o que tinha para dizer.
"Passei um ou dois meses sentado, tentando pensar em outra coisa, e
pensei: 'Talvez tenha acabado'. Eu me dei uma injeção de energia,
relendo autores que não lia havia 50 anos e que tinham significado muito
para mim. Li Dostoiévski, li Conrad, dois ou três livros de cada. Li
Turguêniev, dois dos maiores contos já escritos: 'O Primeiro Amor' e
'Águas da Primavera'." E Faulkner e Hemingway, acrescenta ele.
"E então decidi reler meus próprios livros. Comecei pelo último, indo de
trás para diante e lançando um olhar frio sobre eles. E pensei: 'Você
fez direito'. Mas, quando cheguei a 'Portnoy' ['O Complexo de Portnoy',
de 1969], perdi o interesse. Não reli os primeiros quatro livros."
"Então li todo esse material fantástico, depois li o meu e percebi que
eu não teria outra boa ideia, ou, se tivesse, teria que trabalhar como
escravo em cima dela."
Após ter feito uma cirurgia das costas em abril, Roth está com a saúde
ótima e se exercita regularmente. Mas diz que "não escreveria tão bem
como antes".
"Não tenho mais a resistência física para suportar a frustração.
Escrever é frustração -frustração diária, sem falar na humilhação. Não
consigo mais encarar dias em que jogo fora as cinco páginas que escrevi.
Não posso mais fazer isso."
Mas Roth não parou por completo de escrever. Está redigindo um romance
curto em colaboração, via e-mail, com a filha de oito anos de idade de
uma ex-namorada sua. E vem escrevendo anotações e memorandos extensos
para seu biógrafo.
"Agora trabalho para Blake Bailey. Não paga tão bem", brinca Roth, acrescentando que nunca antes foi tão franco com alguém.
"Blake tirou o peso de minhas costas. Não sou mais responsável por
garimpar minha vida. Precisava dela como plataforma de lançamento para
minha ficção. Tenho de ter algo sólido sob meus pés quando escrevo. Eu
pulo da plataforma de mergulho e caio na água da ficção. Mas tenho que
começar pela vida, para que a possa injetar na ficção, o tempo todo."
As anotações que Roth vem preparando enchem caixas, disse Bailey. "São
eloquentes e abrangentes", acrescentou o biógrafo, "mas são tantas que
vou levar anos até conseguir ler algumas delas".
Há uma coisa que Roth quer esclarecer: vivem lhe atribuindo a declaração
de que o romance está morrendo. "Não acredito que o romance esteja
morrendo", insiste. "Eu disse que a base de leitores está morrendo. É um
fato, e venho dizendo isso há 15 anos. Falei que a tela mataria o
leitor, e matou. Primeiro a tela do cinema, a da TV; agora, o golpe de
misericórdia: a tela do computador."
Ao mesmo tempo, contudo, continuam a ser escritos grandes livros. "Ed
Doctorow", diz Roth, começando a fazer uma lista de alguns escritores
que admira. "Don DeLillo. E agora esse sujeito Denis Johnson -dinamite.
Franzen -dinamite. Erdrich -uma potência. E há outros 20 escritores
jovens que são muito, muito bons."
Roth continua: "Para que precisaríamos ter mais leitores? Os números não significam nada. Os livros significam alguma coisa."
Começa a escurecer. Roth se levanta, atravessa a sala sem sapatos e acende a luz.
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Reportagem por CHARLES MCGRATHDO “NEW YORK TIMES”
*Todos os livros citados neste texto saíram no Brasil pela Companhia das Letras
Tradução de CLARA ALLAIN
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/79685-philip-roth-conta-como-e-quotestar-livrequot.shtml
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