Juremir Machado da Silva*
Tenho torcido muito pela recuperação total de Luís
Fernando Verissimo. Quero que todo ser humano tenha saúde e longa vida.
Há 17 anos, voltando da França, critiquei Verissimo. Ataquei o seu
estilo, que raramente me convence, o pouco engajamento do seu pai na
luta contra todos os abusos da ditadura, não apenas contra a censura, e o
esquerdismo do cronista, que, no contexto da queda do muro de Berlim e
do inventário do estragos do stalinismo, parecia-me esdrúxulo e
anacrônico. Não me arrependo de coisa alguma.
Por linhas tortas, minha vida só melhorou depois desse episódio. Devo
dizer, no entanto, que, reflexão feita, num ponto ele tinha razão: a
sua crítica à direita. O posicionamento político de Verissimo é digno de
aplauso.
Não interessa se tardio ou nos bons tempos.
Na época da polêmica, por causa da qual perdi um emprego, eu, como o
anarquista que continuo sendo, quis criticar o stalinismo e o direitismo
ao mesmo tempo. Não era possível. O Brasil, mal saído da ditadura, não
estava maduro para isso. Verissimo pragmaticamente mirava no alvo certo:
o reacionarismo responsável pelos séculos de desigualdade, de miséria e
de parasitismo das elites no Brasil. Continuo convencido, porém, de que
Erico poderia, com seu prestígio, ter sido mais veemente na denúncia
aos horrores do hediondo regime militar brasileiro, o que, de resto,
muitos intelectuais e jornalistas cobraram dele. Cada homem, no entanto,
como diria Ortega y Gasset, é ele e suas circunstâncias. Luís Fernando
foi inflexível na defesa da memória do pai. Eu faria o mesmo em relação
ao meu.
Outro ponto para ele.
Condeno apenas os métodos.
A direita odeia Verissimo. Odeia ainda mais na medida em que jamais
pôde atingi-lo. Se pediu a sua cabeça aos patrões, como costuma fazer
quando incomodada, obviamente não conseguiu, embora, vez outra, o patrão
hesitasse. Parte da direita passou a gostar de mim por imaginar que,
tendo me tornado desafeto dele, eu passava a integrar automaticamente as
fileiras do reacionarismo. As simpatias posteriores à minha degola eram
pura tentativa de cooptação. O meu ângulo de ataque, porém, havia sido
outro. Por mais que meus inimigos duvidem, continuo não sendo de
esquerda nem de direita. Sou libertário e teimoso. Só me guio pela minha
consciência. Franco-atirador, não me importo de ser minha primeira
vítima. A idade me ensinou, porém, que o anarquismo é poesia e que a realidade exige posturas mais práticas.
A esquerda brasileira é cheia de defeitos. A direita consegue ser bem
pior. Verissimo, pelo jeito, compreendeu isso muito antes de mim. Sou
mais lento. Essa polêmica marcou a minha vida do ponto de vista dos
outros. Virei nota de rodapé na biografia de Verissimo. O resto é bola
de neve: um golpe levou a outro e assim sucessivamente. Encontramo-nos
três vezes depois da briga: dentro de um elevador em Belém do Pará, numa
pontezinha de pedestres na avenida Ipiranga, em Porto Alegre, como se
estivéssemos num clima de duelo, e em poltronas vizinhas num show. Não
nos cumprimentamos.
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* Sociólogo. Escritor. Prof. Universitário. Colunista do Correio do Pvo.
Fonte: http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/29/11/2012
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